Atol das Rocas, um pedaço do Brasil que você nunca vai visitar
Reserva Biológica celebra quatro décadas de sua criação, considerada a primeira reserva marinha do Brasil
O paraíso estava lá e todo mundo sabia. Vida marinha aos montes, pesca farta e uma considerável distância do continente que garantia isolamento.
Mas o inferno também estava lá.
Ausência de água doce, natureza rebelde que mal se deixa criar árvores e obstáculos naturais escondidos pelo mar raivoso que, sem dó, levavam embarcações para o fundo do mar.
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No dia 5 de junho, em pleno Dia Mundial do Meio Ambiente, a Reserva Biológica do Atol das Rocas celebra quatro décadas de sua criação, considerada a primeira reserva marinha do Brasil. A 269 km de Natal, o Atol das Rocas é a única formação do gênero, em todo o Atlântico Sul.
Por séculos, o atol foi visto como um estorvo para navegantes que circulavam pelo recém descoberto Novo Mundo, “cuja porção emersa é desprovida de rochedos que pudessem servir de alerta aos navegantes, representava uma arapuca aos navios desavisados”, como descrevem os autores do livro “Atol das Rocas 3º51’S 33º48’W”.
O resultado foram dezenas de embarcações tragadas pelas águas que envolvem o atol, desde que naufrágios começaram a ser registrados, na segunda metade do século 19.
Neste berçário natural, com águas protegidas de até mil metros de profundidade, acontece a reprodução de baleias, golfinhos e tubarões. “É uma maternidade no meio do Atlântico”, explica, em vídeo da Fundação SOS Mata Atlântica, Maurizélia de Brito Silva, chefe da Reserva Marinha do Atol das Rocas, desde 1995.
Em entrevista por email para o Viagem em Pauta, Maurizélia lembra também que, desde 2001, a reserva é declarada Sítio do Patrimônio Mundial Natural pela ONU e, em 2016, “recebeu um novo reconhecimento internacional, tendo recebido o título de Sítio RAMSAR (Zonas Úmidas de Reconhecimento Internacional)”.
De proteção integral e endereço cobiçado de pesquisadores, o local tem acesso apenas para fins científicos, devido ao seu alto grau de fragilidade.
Isso tudo graças ao trabalho insistente de Maurizélia.
Toda vez que desembarco em Fernando de Noronha, o Brasil que fica mais perto das Rocas, a 148 km dali, coleciono histórias de profissionais que tiveram a oportunidade de trabalhar com ela em viagens para o atol. Admiração e temor, assim juntos, são os sentimentos mais presentes nos relatos que escuto.
Em outras palavras, ela é a “dona” daquilo tudo. Zelinha, como é conhecida, parece ser apenas o apelido que ameniza a postura linha dura adotada pela “xerifa do Atol”, como já foi chamada essa gestora de 53 anos.
Em 2011, junto com Leonardo Sakamoto, Jean Wyllys e Ronaldo Fraga, ganhou o prêmio Transformadores, concedido pela revista Trip a pessoas que inspiram mudanças no Brasil e no mundo.
Maurizélia teve seu primeiro contato com o atol, em 1991, durante a implantação da reserva, sob o comando de Gilberto Sales, de quem acabaria virando a sucessora.
Não fosse isso, o local continuaria a receber barcos de pescadores, armados com rede, linha e até arpão. Ou pior, ser mais um destino paradisíaco do Brasil turístico, lotado de turistas fazendo snorkel em piscinas naturais e caminhando com suas coloridas sandálias emborrachadas para fazer selfies sobre plataformas de recifes.
Atualmente, o atol conta com uma estação de pesquisa, equipada com botes, energia solar e internet via satélite. E isso é tudo nessa reserva biológica de cerca de 360 km², segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do Ministério do Meio Ambiente que gere o local.
3º51’S 33º48’W
Estas são não só as coordenadas geográficas do Atol das Rocas, mas o subtítulo do livro que registra o extenso trabalho da bióloga Alice Grossman e das fotógrafas especializadas em imagens submarinas, Zaira Matheus e Marta Granville.
Nessa espécie de biografia do atol, a obra reúne dez anos de pesquisa no local, dividida em capítulos que abordam o local desde seus primeiros registros cartográficos, em 1529, até a atualidade (o livro foi lançado em 2012).
“Atol das Rocas 3º51´S 33º48´W” (BEĨ Editora) é como um memorial vivo que detalha a ilha em retrancas sobre aves, crustáceos, marés e outros tantos assuntos possíveis no atol.
Mas afinal o que é um atol?
Segundo lembra os autores do livro de fotografias “Atol das Rocas 3º51´S 33º48´W”, a palavra atol foi usada pela primeira vez pelo naturalista Charles Darwin, em um trabalho científico, emprestando o termo da língua nativa das Maldivas (atolu).
Trata-se de um lento processo, de milhares de anos, de rebaixamento de uma ilha oceânica, dando origem a uma área interior inundada, rodeada por recifes em constante crescimento, em busca de luz da superfície.
O Atol das Rocas, assim como o arquipélago de Fernando de Noronha, são as únicas elevações que podem ser vistas sobre o nível da água, ao longo de uma extensa cordilheira submarina que corta todo o Atlântico.
No mundo, outros exemplos de atóis são as formações localizadas nas Maldivas, Seichelles, Micronésia, ilhas Salomão, Polinésia Francesa e Nova Zelândia.
Atol das Rocas
A cerca de 24 horas de navegação de Natal, no Rio Grande do Norte, o atol se preserva ao redor de uma laguna no anel de recifes que o separa das águas agitadas do Atlântico.
De norte a sul, são 2,5 km de extensão e outros 3,7 km, de leste a oeste, com entrada por canais naturais que levam a seu interior, por onde “circula o maior fluxo de água” e “passagens mais utilizadas dos animais de maior porte que entram e saem do anel recifal”.
Se fosse um destino turístico, o que nunca será, a melhor época para visitá-lo seria durante a temporada de chuvas, de março a junho, quando não há as temidas ondulações da região que complicam a chegada ao atol.
Já a seca vai de julho a fevereiro, cujo início do verão marca o acasalamento de tartarugas no atol e as ondas podem chegar a quatro metros de altura.
Além do platô de recifes e de piscinas naturais, Rocas é formada por apenas duas pequenas ilhas interiores, a do Farol e a do Cemitério, onde aves fazem seus ninhos nos pontos mais elevados.
Com 800 metros de comprimento, a primeira é a maior delas, endereço da base dos poucos pesquisadores autorizados a permanecerem no local, em temporadas que costumam durar 35 dias, quando é feito o revezamento de pessoal (para proteger o atol, o local é, permanentemente habitado).
Já a segunda ilha recebe esse nome por abrigar os náufragos e faroleiros que morreram na região. E se alguém ainda tem dúvidas da complexidade daquelas águas de temperamento explosivo, a maré baixa trata de lembrá-lo, descobrindo restos de naufrágios, nas areias do anel.
Dizem que a fauna local é pobre em variedade de espécies, se comparada com outras regiões recifais do Brasil. Ainda assim, o Atol das Rocas é refúgio de arraias, peixes, polvos, caranguejos, lagostas (aos montes), tartarugas e tubarões.
Com cerca de 150 mil, Rocas é considerado a maior colônia de aves marinhas do país, atraídas pelo isolamento e fartura de alimentos.
Pelas descrições que se leem, Rocas poderia ser até um daqueles pedaços de terras imaginados por navegadores de séculos passados. Mas fica bem aqui, no Brasil, mas para nossa sorte, a gente nunca vai poder visitar.
Curiosidades do Atol das Rocas
Após tantos naufrágios na região, o atol receberia o maior dos faróis de todo o Brasil, em 1879. Porém o terreno instável impossibilitou sua instalação e aquela pesada estrutura seria enviada para Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco.
⇒ O atol só veria luz artificial com a instalação de um farolete, em 1883. A partir daquele momento, o local passou a ter (raros) moradores fixos: os faroleiros.
⇒ Entre 1937 e 1939, tentou-se manter uma empresa pesqueira no atol, sem sucesso, devido à dificuldade de adaptação dos pescadores no local.
⇒ Antes de ser transformado em área de pesquisa e preservação, diz a lenda, o atol fora cogitado como área de abastecimento de hidroaviões e até depósito de lixo nuclear.
⇒ Os primeiros instrumentos para medir a região do atol foram doados por ninguém menos do que Jacques Cousteau.
⇒ O símbolo do Atol das Rocas é a andorinha-do-mar, conhecida também como trinta-reis-do-manto-negro.