Bananada 2017: maduro e doce, como o rock de Goiânia

Em sua 19ª edição, o festival encheu olhos e ouvidos curiosos, fomentou a cena e promoveu respeito durante uma semana de música e apoteose 

Quando disse ao Samuel, motorista que me levava do aeroporto até o apartamento, que tinha ido a Goiânia para um festival de música, ele logo completou, empolgado: “Hoje tem show do Jorge & Mateus!”. Eu, já bem feliz e ambientada com o calor local, em oposição à friaca que invade São Paulo, respondi, bem-humorada: “Nããão, eu vim para o Bananada!”. Ele se surpreendeu: “Veio de lá até aqui, é? E toca o quê, é róque?”.

É róque, sim – e não é pouco. Em sua 19ª edição, o Festival Bananada aconteceu entre os dias 8 e 14 de maio enchendo olhos e ouvidos curiosos com a mais fina flor da música independente, autoral e atual. Em formato mais intimista – mas não menos animado – durante a semana, ocupando pequenas casas de show e teatros, facilitando encontros e promovendo selos independentes de todo o país, o evento encerrou magistralmente a temporada de quinta a domingo no Centro Cultural Oscar Niemeyer com headliners bombásticos, bandas locais e novas apostas.

Um festivalzão desses, bicho!
Créditos: Rodrigo Gianesi
Um festivalzão desses, bicho!

Desafio de ver 48 bandas (e tentar sacar mais 15 festas) aceito, até porque, no fim das contas, festival bom é aquele que te desgraça a cabeça e te faz ter vontade de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Durante três noites, o lance foi pular de galho em galho para aproveitar ao máximo os quatro palcos do Bananada. Durante três noites, foi possível assistir a 32 atrações, totalizando 26 horas de sons extasiantes e que representavam diversidades – de estilos musicais, de culturas do Brasil, de gênero.

Um dos palcos mais elogiados teve curadoria da Casa do Mancha, que levou consigo, de São Paulo a Goiânia, a atmosfera intimista e, ao mesmo tempo, inebriante da casinha da Vila Madalena. Passaram por lá nomes como o quarteto instrumental E a Terra Nunca me Pareceu Tão Distante, os potiguares lisérgicos da Koogu, os pés descalços nos pedais de Tagore, o som novo e místico de Luiza Lian, e Hierofante Púrpura, que fez um showzaço que Danilo Selvagi até desceu do palco para cantar com duas crianças, muito bem iniciadas, diga-se de passagem.

Se representar os quatro cantos do país foi uma meta bem executada – ainda com os sergipanos do The Baggios e seu elogiado “Brutown”; BaianaSystem e a maior roda que já vi na vida (e a primeira que entrei); a curitibana Karol Conká, que saudou a xará MC Carol; e o mineiro JP Cardoso -, mostrar a cena goiana era algo primordial. E foi. Não só com os já conhecidos Boogarins e Carne Doce, que lotaram seus respectivos palcos, mas com outras formações híbridas de alguns de seus integrantes, como Luziluzia e Ultravespa, além da cantora Bruna Mendez, da banda BRVNKS e do apoteótico que foi a junção de Hellbenders e Black Drawing Chalks no mesmo palco. Todos estes shows me fazem brisar que, poética e antropofagicamente falando, o Bananada é a potencialização do rock de Goiânia: maduro e doce, até quando ocasiona uns bate-cabeças.

Surpresas foram muito bem-vindas, como o eletrônico e dançante show do quarteto paulista Aeromoças e Tenistas Russas, que se apresentou no maior palco. Fato é que a banda ousou e descobriu nos sintetizadores tal afinidade que parece que a fase “MIDI” veio para ficar – oba! Na sequência, a colombiana Romperayo apresentou sua hipnose tropical no mesmo local que ainda recebeu Mutantes, que, apesar do começo morno, lançou mão de aperitivos do “Fool Metal Jacket” (2013) e dos anos 70, com direito a atmosfera nostálgica. E ainda teve o segundo show da turnê de “Boogie Naipe” (2016), de Mano Brown, com ares de baile black disco dos anos 80, participação de Seu Jorge, mesinha de canto com whiskey e um palco lotado de gente que subiu para dançar. Brown parecia que estava em sua própria festa de aniversário.

Mais do que todo este prazer auditivo, o que já conta muitos pontos, no geral o Bananada é um evento cheio de sacadas geniais: projeções no concreto oblíquo de Niemeyer; qualidade de vida do público, que dispunha de fácil acesso a caixas e bares, sem mencionar uma limpeza e disponibilidade nunca dantes vistas em banheiros de festivais grandes; diversas opções gastronômicas; área para as crianças; campeonato de skate e flash tattoos. Até a Lua Cheia, que fez participação especial, parecia ter sido pensada.

Mas a sacada maior foi colocar tantas mulheres poderosas em um lugar só. As melhores coisas da vida têm valor simbólico: acostumada com festivais que têm line-up estritamente masculino, ver tanta mina incrível no lugar de protagonista, dando as caras, botando o talento na roda e fazendo acontecer – umas pela poesia, outras pela dança, outras pela maneira de viver – dá gosto e faz o sangue entrar em ebulição dentro das veias. Além das já citadas, merecem destaque o trio grelo-power Rakta, cujo nome pode significar de paixão a sangue menstrual (e, não por acaso, o show é vermelhaço); as frontwomen do Far From Alaska e Ventre, e ainda a energia da rapper Akua Naru, Céu, Liniker, Maria Gadú, Tulipa Ruiz, e o que foi a apresentação de Angela Carneosso, do Teto Preto? Em tempo: empoderar está na simplicidade de atitudes como esta, de valorizar a mulher em todos os espaços, de maneira irrestrita.

Ah, e sem falar no desafio e na importância em realizar o maior festival de música independente fora do eixo óbvio Rio-São Paulo e justamente no império comercial do sertanejo que, não raro, é dominado por grandes contratos e exclusividades.

Ano que vem será realizada a edição comemorativa do Bananada: serão 20 anos (de sonho e de sangue e de América do Sul, se me permitem parodiar o poeta). Já anote na agenda: 7 a 13 de maio de 2018 vai ter bom. E vai cair no meu aniversário, de novo. De 27 anos. Agora, pensando bem e voltando à pergunta do Samuel, o motorista: se tudo isso não é rock, eu não sei mais o que é.