Site de turismo resgata livros raros de literatura de viagem
Com a pandemia, blog se reinventou apostando na literatura
“Na Central o movimento é pequeno para o expresso de Minas”. Assim João do Rio (1881 – 1921) começa a crônica Dias de Milagre, publicada em 1907, numa série de reportagens da Gazeta de Notícias, e depois em livro, em 1912, dentro de uma coletânea organizada por uma editora portuguesa.
E foi só: por mais de 100 anos, o relato da viagem de João do Rio a Congonhas, cidade mineira onde estão os profetas em pedra-sabão de Aleijadinho e hoje Patrimônio Mundial da Humanidade segundo a Unesco, desapareceu do Brasil. O escritor e jornalista viajou de trem, a partir da Central do Brasil, e foi participar do Jubileu do Bom Senhor Jesus de Matosinhos, uma das maiores e mais tradicionais celebrações religiosas do país.
Agora, o 360meridianos.com, um blog de viagem, lançou uma versão digital somente de “Dias de Milagre”, a primeira feita no país –antes, a única reedição da obra tinha partido da Biblioteca Nacional, que em 2015 reeditou a coletânea portuguesa. A crônica do João do Rio é a terceira obra rara de literatura de viagem resgatada pelo 360meridianos, que durante a pandemia lançou o Grandes Viajantes, um Clube de Assinaturas, que custa R$ 9.
“Com a pandemia, vimos nosso modelo de negócio, baseado no turismo, implodir. E não dá pra incentivar viagens num momento em que a saúde deve vir em primeiro lugar. Se não dá pra sair de casa e pegar a estrada, como viajar? A reposta era óbvia: por meio dos livros. Foi assim que surgiu a ideia de criar um Clube de Assinaturas focado em literatura de viagem”, conta Rafael Sette Câmara, um dos fundadores do 360meridianos.
Após uma série de pesquisas com os leitores, o site resolveu focar em relatos raros e pouco conhecidos, muitos deles sem reedições há décadas. Lançado em julho, o clube já resgatou obras de três autores: além de João do Rio, Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934) e Nísia Floresta (1810 – 1885) também tiveram contos reeditados pelo Clube.
“Escolhemos três pessoas que foram muito conhecidas e respeitadas em vida, mas que após a morte passaram por uma espécie de memoricídio. A Júlia Lopes de Almeida ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas foi impedida de entrar na instituição, que só aceitava homens. Nísia Floresta virou até nome da cidade onde ela nasceu, no Rio Grande do Norte. E até o João do Rio, que foi um dos mais importantes escritores do Brasil no começo do século 20, caiu no esquecimento”, conta Sette Câmara.
O conto de Júlia Lopes de Almeida resgatado pelo projeto é O Gigante Brasilião, publicado em 1911. Nele, a autora narra vários lugares do Brasil ao contar a história de um órfão que tenta descobrir suas origens. Já a crônica de Nísia Floresta é Viagem a Sorrento, de 1875, em que a autora conta como era viajar pela Itália antes da unificação do país. A obra chegou a ser mencionada positivamente por Machado de Assis, num artigo de jornal.
O projeto Grandes Viajantes também reeditou outra obra de Júlia Lopes de Almeida. É o conto Depois da Batalha, de 1911, um relato sobre a Guerra do Paraguai. Esse ebook está disponível gratuitamente para todos os interessados, em três formatos: PDF, MOBI e EPUB.
Além dos contos, o Clube Grandes Viajantes garante outras recompensas aos assinantes, como ebooks trimestrais com dicas de viagem de um destino, lives exclusivas e o nome dos apoiadores numa página de agradecimento no 360meridianos.com.
“A gente ficou muito feliz com o resultado do Grandes Viajantes, que já é a maior fonte de renda da empresa nesse período de pandemia. A ideia agora é crescer o projeto ainda mais. E continuar resgatando obras raras de literatura de viagem. Nesse primeiro momento, o foco vai continuar na literatura brasileira e já temos obras incríveis previstas para os próximos meses. Algumas delas estão sem reedição há décadas, esquecidas das prateleiras”, conta Sette Câmara.
O jornalista diz ainda que há previsão do Clube trazer também obras estrangeiras, fazendo a tradução de textos que nunca tiveram versão em português. Como a primeira meta do financiamento coletivo já foi batida, todas as obras são ilustradas por um artista escolhido pelo clube. “Com a pandemia a gente teve que se reinventar. Ainda é um desafio enorme, mas já trouxe bons resultados”, garante.
Para saber mais:
Clube de Assinaturas Grandes Viajantes (site)
Entre R$ 9 e R$ 19 por mês, dependendo da categoria
360meridianos.com