Casal relata a experiência de morar e trabalhar na Irlanda

Muito aconteceu desde que essa viagem de volta ao mundo começou. Foi há apenas quatro meses e parece que já estamos planejando o segundo Réveillon por aqui. Acho que isso se dá pelo fato da gente viver muitas coisas. Mudanças, casas, novas pessoas, caminhos, comidas, culturas. Enquanto na verdade, o tempo continuou normal para aqueles que seguiram suas rotinas. E tá aí uma coisa que mudou algumas vezes desde que saímos do Brasil.

Meu ritmo de vida foi de turista na Itália, kitchen porter em um restaurante por um mês e meio, para a boa e velha publicidade em uma agência em Dublin.

Carol e Arthur que largaram tudo no Brasil para dar a volta ao mundo

O trabalho no restaurante foi espetacular. Realmente incrível. Era extremamente corrido, extremamente pesado, isso sem contar a hora do fechamento — o grande pesadelo para qualquer pessoa que trabalha na cozinha. De domingo então, era das 10 da manhã às 10 da noite. Todos os domingos, sem previsão de um sequer para descansar e começar a semana um pouco melhor. Saia do restaurante tarde, com cortes, roxos, dores musculares e por ai vai.

Perdi toda e qualquer frescura (nunca tive muita mesmo) com relação a qualquer coisa que você pode imaginar dentro de uma cozinha. E o que não pode imaginar, eles chamam aqui de “shit food” –não vale nem a pena entrar nesse mérito porque essa não era uma parte que eu me orgulhava do trabalho. Não foi fácil mesmo. Mas era incrível. Conheci muitas pessoas boas, que queriam de fato me ajudar. Era um trabalho que fazia eu me sentir vivo.

 

Quem já trabalhou com esse tipo de trabalho, que é físico mesmo, sabe qual é a sensação de sair dele, onde você ficou enclausurado o dia todo, extremamente cansado mas muito feliz por ter acabado aquele dia já. Aquela leveza de ter cumprido com a missão do dia e ter o resto, mesmo que pouco, da noite livre para descansar. É uma sensação incrível. Tirando tudo que consegui aprender dentro da cozinha nesse período. Da limpeza eu passei a cuidar também das sobremesas, aprendi a fazer molhos, temperos, organizar a comida dentro do prato, e por ai vai…

Um dia de folga então, resolvi passar em uma agência de publicidade, Publicis para os que conhecem, para deixar meu currículo na mão de alguém da minha área, planejamento estratégico de marcas. Já estava namorando essa agência desde que cheguei aqui e criei coragem então para pelo menos bater na porta.

Cozinha do restaurante que trabalhei em Dublin, na Irlanda

Foi na lata. Me chamou para um café, conversamos, rolou e foi rápido. Não tinha como negar a proposta. Ia ganhar mais, trabalhar menos e garantir um belo carimbo de publicidade fora do Brasil. Além disso, trabalhar em uma agência logo de cara assim me daria experiência e coragem para chegar com mais facilidade em outros países e tentar o mesmo.

A verdade é que trabalhar nessa agência mudou muito minha forma de pensar sobre a viagem. As possibilidades que agora existiriam, um novo mundo que se abriu para mim. Com relação a agência, não posso reclamar de nada. As pessoas me receberam e me abraçaram muito bem. Além disso, estava entrando na agência em um período ótimo. Verão, ah o verão. Tudo é ainda mais leve. As pessoas trabalham na varanda, de óculos escuros, bermuda, esperando o relógio apontar para as 17 horas para abrir a primeira cerveja. Ali da geladeira da agência mesmo. Fácil como pegar um café, era pegar uma cerveja no final do dia e ver a cidade de Dublin de cima. Um belo de um triunfo eu diria. Eu estava vivendo no alto e muito bem.

 

Não posso dizer que foi fácil me adequar. Mas consegui entrar na linha rápido e logo percebi que muita coisa era parecida com o que eu já estava acostumado da minha experiência do Brasil. Os clientes e as agências tem as mesmas dificuldades e os processos são bem semelhantes. Em linhas gerais, o meu maior choque foi lembrar como é sair do trabalho ainda de dia, com a roupa em ordem, sem cheiro de comida e não completamente acabado fisicamente. O cansaço agora é mental. E tudo bem, estava mais acostumado a isso do que ao cansaço físico e suado de uma cozinha quente e barulhenta. Não entenda errado. Acredite, eu sinto falta das pilhas de pratos que acumulavam do meu lado e faziam com que as horas parecessem minutos, segundos. Mas estava muito bem onde estava e seguiria assim por um tempo.

A verdade é que é da natureza do ser humano se acomodar. É muito difícil sairmos da nossa zona de conforto quando tudo está bem. E mesmo quando não está. Quanto tempo a gente fica no mesmo emprego, infeliz, esperando algo extraordinário acontecer porque achamos que somos especiais (teoria da geração Y) quando na verdade passam-se anos e anos e tudo que ganhamos é aquele aumento, que agora nos permite gastar mais e continuar a girar a roda da nossa vida. Só que ela roda no mesmo eixo e ela não vai pra frente se você não se desafiar. Se você não sair da sua zona de conforto. Afinal, você quer um salário melhor ou quer uma vida melhor? E não meu amigo, posso dizer agora que uma vida melhor não depende apenas de dinheiro.

 

Quando saímos do Brasil e quando idealizamos essa viagem, pensamos na volta ao mundo como aquelas que a gente vê na internet, na televisão, de dar inveja. Com paisagens incríveis, pequenas vilas na China, trilhas no meio do Nepal, fazendas na Alemanha, desertos e savanas africanas, e por ai vai…

Sabíamos que era hora de continuar. Já tínhamos conseguido cumprir com a nossa missão de fazer dinheiro para seguir viagem.

E foi num dia qualquer, entre pesquisas rotineiras no Google que envolvem a vida de uma pessoa que trabalha com planejamento publicitário, que eu me deparei com uma palavra que me deixou bastante intrigado: Friluftsliv. Vi ela em uma campanha (nem me lembro mais qual) mas em um contexto bem interessante. Um contexto de viagem, natureza, montanhas. Da vida pelo lado de fora. Logo voltei ao Google e fui atrás do verdadeiro significado dela. Descobri então que não existe uma palavra específica que descreva ela em nenhuma outra língua. Ela vem de uma realidade Norueguesa e beira na escolha de um estilo de vida ao ar livre.

E foi esse o gatilho para tudo voltar. Não me deixei ser engolido pela (incrível) realidade de trabalhar na minha área fora do Brasil. Seria muito fácil parar na primeira boa oportunidade e, com certeza, não foi na minha zona de conforto que eu consegui ela. Eu queria ir muito mais longe. Queria ver e viver muito da natureza ainda e não entrar na rotina que um bom trabalho e a estabilidade nos coloca. Queria sair do escritório, do restaurante, dos pubs. Queria viver ao ar livre. Ver o mundo do tamanho que ele é.

Com passagem agora para Paris (uma breve parada para viver como turistas um pouco, com direito a Torre, queijo, vinho e muita caminhada) e em seguida para a Toscana, vamos trabalhar em um B&B, através da plataforma de troca de trabalho por acomodação do HelpX, em uma cidade chamada Lucca. Pequenina, com pouco mais de 85 mil habitantes, vamos agora ver mais o mundo pelo lado de fora. Respirar o ar da Toscana, da natureza. Ir atrás do que realmente viemos fazer. Chegou a hora.

E assim, eu brindo com aqueles que buscam mais de uma vida ao ar livre.

Relato por Arthur Lange, do projeto Vivo Fora