Chepu, encontro do rio com oceano, ventos, bruxos e aventureiros
É domingo, 22. Maio de 1960. Faz uma tarde fria, o céu cinzento, às 15h, cobre a cidade de Valdivia, Chile. Minutos mais tarde a terra treme como nunca jamais visto até hoje. O sismo de 9,5 graus na escala Richter, correspondente a um cataclismo, atingiu todo o sul do país. Dez minutos após duas ondas gigantescas varriam o litoral chileno, e horas depois alcançaram Japão, Havaí e Filipinas.
Para completar a catástrofe, o terremoto foi estopim, no dia seguinte, da erupção do vulcão Puyehue. E mais, as réplicas dessa ruptura tectônica duraram um ano, chegando quase a cancelar a Copa do Mundo de Futebol de 1962 que seria realizada em Santiago.
Foi esse fato histórico que me motivou conhecer a Ilha Grande de Chiloé, uma das regiões mais atingidas pelo terremoto. É fácil localizar a ilha no mapa chileno. Ela se situa no ponto exato que a Cordilheira dos Andes se despedaça no Pacífico criando uma geografia de ilhas, canais e fiordes.
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Segunda maior ilha do Chile, depois da Terra do Fogo, Chiloé teve sua topografia seriamente modificada pelo abalo sísmico, sendo que em alguns lugares a terra baixou mais de um metro, fazendo com que as águas do Oceano inundassem totalmente os bosques valdivianos.
Meu primeiro destino em Chiloé foi Chepu, noroeste da ilha, confluência do rio de mesmo nome com o Pacífico. Naveguei por quase uma hora ao lado do barqueiro Afonso e do guia Gonzalo, do Hotel Tierra Chiloé, e comentamos que deveria ser um grande gozador aquele que batizou o oceano de Pacífico, pois de calmo não tem nada. Ainda mais ali, onde os ventos do Norte e Oeste se cruzam e criam vendavais e tempestades ciclônicas. Mas não essa a natureza que desejava conhecer?
Meu primeiro pitstop depois de navegar por quase uma hora pelo Chepu e caminhar por trilhas entre bosques nativos foi a praia Guabil. Num primeiro momento o que me impressionou foi sua imensidão envolvida em névoa que a pouco a pouco desvelou rochedos açoitados sem clemência pelas ondas. O som parecia ser de um ritual de magia, ora agudo ora grave. Não consegui caminhar por muito tempo, pois a maré subia rapidamente e as águas já atingiam as escarpas verdejantes que caem abruptamente sobre a praia.
Depois do piquenique nas areais da praia, segui pelo rio Chepu a um dos lugares onde o terremoto de Valdivia deixou sua marca bem visível: o Bosque Hundido, ou bosque afogado. Um cenário que no primeiro momento me pareceu catastrófico pelas árvores desnudas e quase submersas, mas que mais tarde para compensar o estrago a natureza acabou premiando-a com um pântano com outras espécies de fauna e flora.
A embarcação continuou navegando até chegar num dos pontos mais emblemáticos da ilha, o Muelle de la Luz, ou píer da luz. Que também poderia ser: ponto de encontro de bruxos.
Contam uma história pitoresca que Charles Darwin quando visitou a ilha, deu no pé em seguida depois de ouvir tantas histórias de bruxos, monstros e fenômenos desconhecidos. E, um dos lugares preferidos dos habitantes para ver essas aparições é exatamente o Muelle de la Luz.
Construído pelo artista chileno Marcelo Orellana, dessa plataforma escultórica que sugere um grande trampolim sobre o Pacífico, é possível ter uma observação documental de toda a área que circunda a região. Como detalhe curioso, mesmo durante o dia, dizem os chilotes, é possível ver no céu luzes de cor amarela e laranja que para eles são bruxos voando.
Uma boa viagem de aventura deve ter um mistério a ser desvendado, cenas impactantes da natureza, e tudo isso foi possível num roteiro para Chepu, que na língua mapuche significa Lugar de Encontro. Nome mais do que apropriado, pois ali é o encontro do rio Chepu com o Pacífico, dos ventos Norte e Oeste, de bruxos voadores, e agora de aventureiros.
Quem escolhe o Hotel Tierra Chiloé para se hospedar tem a dupla sorte de sentir toda a magia da Ilha diante das amplas janelas dos quartos, quer na colina onde o hotel está plantado, quer no estuário da Bahia Pullao local de encontro de aves migratórias, algumas delas vindas do Alasca.
O hotel também organizou todos roteiros que durante os cinco dias que ali permaneci me proporcionaram um contato com a diversidade e riqueza cultural, de paisagens naturais incríveis, gastronomia rica e variada, e de muitas histórias e lendas de Chiloé.
Para saber mais: www.tierrahotels.com
Por Heitor e Silvia Reali, do site Viramundo e Mundovirado