Chernobyl, 30 anos depois do maior desastre nuclear da história
Relato por Ricardo Maluf e Henrique Mendel, do programa “Destino Incomum“
Há exatos 30 anos acontecia o maior acidente nuclear da história, em Chernobyl, na antiga União Soviética. Diferente do vazamento de Fukushima, que teve causas naturais, este acidente foi causado por falha humana e poderia ter sido evitado.
Na madrugada do dia 26 de abril de 1986, quando o relógio marcava 1h23, ocorreu a explosão no reator nº 4, mudando a vida de milhares de pessoas. Naquela noite estavam programados testes nos reatores da usina. Testes estes, cujo objetivo era garantir a segurança e o resfriamento dos núcleos dos reatores em caso de emergência, ou ataque americano. Para que pudessem ser executados diversas medidas de segurança tiveram que ser manualmente desligadas. Medidas estas que existiam justamente para evitar este tipo de acidente.
Até hoje não há um consenso se foi por erro dos engenheiros que estavam realizando os testes, se o problema foi uma falha estrutural no projeto do reator ou se uma combinação de ambos, mas por volta de 1h15 os testes começaram a sair do controle dos engenheiros, criando uma reação em cadeia impossível de reverter. O resultado direto da explosão, minutos depois, foi de 31 mortos –números oficiais– e dezenas de milhares ao longo dos anos, vítimas de câncer decorrente da radiação a que foram expostos no combate às chamas. O fogo ardeu por semanas, alimentado pelo grafite do núcleo do reator, criando uma nuvem de material radioativo de quase 2 quilômetros de altura e que, levado pelos fortes ventos na época, chegou à Europa em poucos dias.
Passados 30 anos do acidente o que se vê nas ruas das cidades que compõe a chamada “zona de exclusão” (uma área de 2.600 km² ao redor da usina) é a natureza lentamente retomando seu espaço. Visitar esta região é entrar em uma cápsula do tempo gigantesca e ser transportado para o passado.
Atualmente pouco resta da cidade de Chernobyl, distante cerca de 20 km da usina e apenas 15 km da fronteira com a Bielorússia. É um vilarejo fundado há mais de 800 anos e que deu nome à região e à usina, cujo nome oficial é Vladmir Lenin. Muitas casas da época do acidente eram de madeira, e por isso foram demolidas e enterradas para combater a radiação, facilmente absorvida por este tipo de material. Já os poucos prédios de alvenaria remanescentes são utilizados pelo governo e pelos trabalhadores que constroem o novo sarcófago.
Mas é na cidade de Pripyat, distante apenas 4 km da usina, que as coisas ficam interessantes. A cidade-modelo, inaugurada em 1970, foi construída para abrigar os trabalhadores da usina e suas famílias. Na época do acidente havia mais de 50.000 habitantes, e a cidade era uma das mais modernas da URSS. Contava com hospitais, teatros, centros culturais e de esportes, parque de diversões, diversas escolas e creches, além de toda estrutura que uma cidade planejada poderia precisar.
Caminhar pelas ruas desertas, tomadas pela vegetação, com escombros por todos os lados é uma experiência incrível. Há propaganda soviética para todos os lados; muros pintados, estrelas no alto dos prédios, pôsteres dos principais líderes e placas. Muitas placas. Nos prédios e apartamentos, muitos semi-mobiliados ainda, podemos ver a urgência com que as pessoas fugiram. Móveis e eletrodomésticos ficaram abandonados, enquanto as pessoas eram evacuadas às pressas, levando apenas suas roupas e pertences pessoais.
No hospital pode-se ver prontuários, remédios e aparelhos, como em um filme de terror, espalhadas por todo lado. Nas escolas há livros, cadernos e, inclusive salas de aulas inteiras que dão a impressão que recém tocou a sineta para o recreio e que os alunos já irão retornar. O parque de diversões aguarda pacientemente o dia de sua inauguração, 1º de maio de 1986. Com a evacuação da cidade dias antes, a roda-gigante está estática desde que foi montada, e os carrinhos bate-bate só foram movimentados anos depois, para tirarem fotos dramáticas neste cenário.
De tudo que se espera ver ou ouvir na cidade o que mais chama a atenção é o que não está lá: o barulho. Exceto pelo ruído das folhas e galhos sendo quebrados pelos pés ao caminharmos, não há nenhum outro som. Não há pássaros, não há animais, não há vida selvagem. Em parte devido que, à época da evacuação das cidades, todos os animais (domésticos e silvestres) foram caçados e mortos, e os que conseguiram fugir acabaram morrendo pela radiação. Foi uma medida preventiva, para evitar que os animais acabassem levando a poeira radioativa em seu pelo para fora da zona de exclusão.
Mesmo com a radiação e toda a dificuldade de suprimentos ainda há algumas poucas pessoas que voltaram para suas casas e residem na zona de exclusão, que é policiada. Somente estes residentes, os trabalhadores e alguns poucos visitantes previamente liberados pelo governo podem entrar nesta região. Não é complicado conseguir liberação, apenas leva tempo e você precisa planejar sua visita com uma boa antecedência.
Ao irmos embora dedicamos alguns minutos de silêncio em homenagem aos homens e mulheres que se sacrificaram (muitos sem nem ter sequer uma máscara de oxigênio), para conter o fogo e o vazamento de material radioativo, evitando que o desastre fosse ainda maior. Sem o altruísmo destes heróis anônimos uma área ainda maior teria sido atingida.
Uma coisa é certa, caminhar em uma cidade-fantasma é, ao mesmo tempo, empolgante e assustador. É interessante pela oportunidade de voltar ao passado, em um lugar congelado no tempo, mas que causa um frio na espinha quando se pensa no poder destrutivo e nas consequências ambientais do acontecido. Já se passaram 30 anos do acidente, a cidade está em ruínas, mas só agora a natureza começa a, lentamente, se recuperar.