Cidade na Polônia oferece passeio por labirintos da mina de sal
Relato por Ricardo Maluf, do programa “Destino Incomum”
Depois de visitarmos o destino principal de nossa viagem da primeira temporada do “Destino Incomum” —Chernobyl— optamos por conhecer um outro local, tão interessante quanto e, por incrível que pareça, fora dos holofotes turísticos.
Wieliczka –na Polônia, uma pacata cidadezinha a poucos minutos de Cracóvia, dá nome a uma mina de sal com características únicas. Ela é, sem dúvida, uma das mais antigas e importantes minas de sal da Europa, eleita patrimônio da humanidade pela Unesco, e incrivelmente interessante. Fica a apenas 15 km de Cracóvia, e você pode ir de ônibus por meros 3,80 zlotys (cerca de R$ 3,10), saindo da estação central da cidade. A parada fica a poucos metros da entrada principal. Existem 2 entradas diferentes, os chamados Shafts, mas cuja distância entre eles não ultrapassa 200 metros.
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Viajamos com o intuito de gravar todas as nossas experiências, para transformar esta aventura em um programa de TV independente, por isso havíamos contatado o departamento de marketing da mina e informado nossa intenção de gravar lá. Quando chegamos, pontualmente às 8h, fomos recebidos por um guia particular, com credenciais “TV Brazil”. Nos sentimos lisonjeados com a honra e começamos bem cedo o primeiro roteiro programado para o dia: a tradicional Rota Turística.
Começamos muito antes do primeiro grupo turístico (a mina começa suas visitas guiadas por volta de 9h), o que nos garantiu uma boa vantagem, que se traduziu em câmaras vazias, sem barulhos e com possibilidade de gravar e tirar fotos tranquilamente. É importante ressaltar que para explorar a mina é necessário um relativo bom condicionamento físico, uma vez que já de início há mais de 300 degraus (cerca de 64 metros de profundidade), para descer até o ponto inicial do tour.
Nosso guia, sr. Marek, foi nos explicando a história e a lenda a respeito da mina. Segundo a lenda, a princesa Kinga, filha de um rei Húngaro, foi prometida em casamento e quando soube do arranjo atirou seu anel de noivado em um fosso. Quando chegou na Polônia, ouviu um “chamado” e ordenou que cavassem um buraco. Neste buraco foi encontrado um veio de sal cristalizado e dentro dele o anel que ela havia jogado no fosso. Isso no século 13, quando o sal era valiosíssimo, e também chamado de “ouro branco”. Esta cena está representada em uma das primeiras câmaras que exploramos, com esculturas em tamanho real, feitas de sal. É um costume dos mineiros, ao esgotarem o veio de sal de determinado ponto, transformarem a câmara que escavavam em uma pequena capela.
Com o passar dos anos o número de capelas aumentou de forma que hoje são centenas de capelas e câmaras, dos mais variados tamanhos. Estas capelas são decoradas utilizando-se apenas o próprio sal; quadros, lustres, esculturas e o próprio piso é escavado como se fossem lajotas montadas. Apenas em raras câmaras há esculturas de madeira, extremamente bem conservadas devido à baixa umidade do ar. Não há esculturas de qualquer outro tipo de material.
No subterrâneo o ar é tão seco que é extremamente benéfico para quem tem problemas respiratórios. Inclusive há um spa/hotel, para quem deseja passar a noite, ou simplesmente combater alguma alergia respiratória.
Não há um número exato, mas estima-se em aproximadamente 300 km a extensão total da mina, sendo que o ponto mais profundo é 386 metros. Na nossa exploração, chegamos a cerca de 200 e poucos metros, ponto máximo que se chega sem uma autorização especial concedida para geólogos ou outros profissionais da área. A partir desta profundidade o risco é muito grande, tanto de desabamentos quanto de afogamento, uma vez que as camadas mais profundas da mina estão submersas.
Durante o restante do percurso (Rota Turística) de mais de 3 horas, Marek ainda nos explicou o processo de escavação e retirada dos blocos de sal, como funcionavam os elevadores movidos a cavalo, os principais perigos para a estrutura da mina (água e infiltrações), sobre o sistema de ventilação das câmaras e sobre os lagos subterrâneos –estes um show à parte. Apesar de a água ser o principal inimigo do sal, e consequentemente da mina, é possível haver lagos e drenos, desde que mantenha-se a água extremamente saturada. A água é tão salgada que é quase possível caminhar sobre ela. Afundar, nem pensar.
Ele também comentou sobre os principais visitantes que já estiveram na mina, como Copérnico, Goethe, inúmeros chefes de estado, o papa João Paulo 2º entre outros –nos mais de 200 anos que a mina está aberta à visitação pública. Antigamente, já era possível visitá-la, mas somente pessoas ilustres ou com alta recomendação. Há até um salão de eventos, para mais de 300 pessoas, que frequentemente é utilizado para casamentos, reuniões e eventos políticos.
Após as mais de 3 horas caminhando incessantemente fizemos uma pequena pausa para um lanche rápido e seguimos para o 2º roteiro preparado para nós, a Rota dos Mineiros.
Esta é uma rota mais temática, em que visita-se uma parte mais “bruta” da mina e coloca-se, literalmente, a mão na massa. Ou melhor, no sal. A diferença já começa no equipamento obrigatório. Nos entregam macacões, capacetes, lanternas e um equipamento de respiração de emergência – fora os vários quilos extras de nosso equipamento de captação de imagens, cansativo foi pouco.
Neste tour vimos diversos lugares diferentes, entendemos um pouco mais sobre a estrutura e a segurança no trabalho de mineração, como a mina era construída e como evitava-se desabamentos utilizando enormes troncos de madeira. Não deixa de ser um tour extremamente interessante, apesar de mais técnico, pois a sensação de estar em uma caverna a centenas de metros abaixo da superfície é incrível.
Depois de quase mais três horas caminhando por corredores estreitos e tetos em que batíamos a cabeça (nunca nos fez tanto sentido utilizar aqueles capacetes de obra), o sr. Wiesław (geólogo-chefe, responsável pela mina) juntou-se a nós e nos levou para lugares fechados ao público. Nossa aventura, de verdade, começou aí. Não sabemos quem estava mais empolgado, se éramos nós ou se o Marek (já que nem ele tem acesso a estes locais sem a presença de um geólogo-chefe e autorização da diretoria).
Vimos locais que foram escavados “recentemente”, na década de 1930, e abandonados após o esgotamento do veio de sal, inclusive com vestígios de elementos da época, como sapatos e pavios de detonação abandonados. Chegamos ao final da mina, alguns quilômetros de onde havíamos começado o percurso, e vimos diversas formações salinas diferentes, inclusive o chamado “Kinga’s Hair”, uma formação salina que parece tufos de cabelos. É uma formação bem rara e extremamente frágil, que se origina através da umidade do ar na rocha de sal, em condições bem específicas.
Acabamos o dia exaustos, pois caminhamos das 8 da manhã às 4 e pouco da tarde. Nesse meio tempo subimos e descemos mais degraus do que pode-se imaginar, e andamos aproximadamente 20 km. Quase nada –cerca de “apenas” 6 ou 7% do total da mina– carregando alguns quilos de equipamentos de segurança obrigatórios e, é claro, algumas rochas de sal de “souvenir”.