Conheça os museus subaquáticos do litoral brasileiro
No início do século 20, o Aymoré se destacava dos demais navios a vapor da navegação costeira do Brasil devido à sua estrutura de ferro reforçado construída em 1883, no Reino Unido. Em seus 37 anos de atuação, o navio transportou passageiros e cargas entre Montevidéu, no Uruguai, e Recife (PE), com escalas em diversos portos brasileiros.
Na madrugada do dia 23 de julho de 1920, o céu estava estrelado quando o Aymoré partiu do Porto de Santos para uma viagem de rotina em direção ao Rio de Janeiro. Entretanto, ao se aproximar do canal de São Sebastião, o navio se deparou com as fortes ondas de uma tempestade e um denso nevoeiro. Apesar de todo o esforço da tripulação, não foi possível evitar que a embarcação naufragasse ao atingir as rochas na Ponta do Ribeirão, em Ilhabela (SP).
Quase um século depois, o Aymoré permanece às margens de Ilhabela, submerso em uma lâmina d’água de 11 metros. A oportunidade de visitar esse “museu” subaquático que preserva a história da navegação brasileira do início do século 20, além de abrigar diversas espécies marinhas tem inspirado turistas a pratica de mergulho turístico pelo país.
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No Brasil, o mergulho autônomo turístico é reconhecido como atividade do segmento de aventura. De acordo com um estudo do MTur (Ministério do Turismo), 19% dos estrangeiros que visitam o país são motivados pela aventura.
No litoral brasileiro há mais de 20 mil naufrágios que datam desde a época do descobrimento do Brasil, de acordo com o levantamento publicado no livro “Naufrágios do Brasil: Uma cultura submersa”, de José Carlos Silvares, em 2010.
Muitos dos navios naufragados na costa brasileira podem ser visitados por meio do mergulho. As embarcações estão localizadas às mais variadas distâncias da costa. Algumas só podem ser alcançadas navegando algumas milhas em alto mar, e outras cujas peças podem ser avistadas da superfície ou com o uso de snorkel, como o Velasquez, em Ilhabela. Contudo, somente com mergulho autônomo, com o uso de equipamentos de respiração prolongada, é possível identificar cada parte do navio e as espécies que o habitam.
O navio transatlântico britânico, Velasquez, foi construído em 1905 para o transporte de passageiros e outras cargas entre a Europa, Estados Unidos e América do Sul. Em seus três anos cruzando o oceano Atlântico, o navio não enfrentou grandes problemas, pois as cartas náuticas já tinham registro de todos os obstáculos que ele enfrentaria em seu trajeto. Mas, na noite de 16 de outubro de 1908, o navio enfrentou neblina, chuva e fortes ondas em sua chegada à entrada do canal de São Sebastião, no litoral paulista. Nesta noite, o Velasquez transportava duas mil sacas de café e 56 passageiros com destino à Nova York e Liverpool.
Ao se aproximar das rochas da Ponta da Sela, em Ilhabela, o capitão que conduzia o navio em marcha lenta ainda teria tentado reverter os motores e desviar, mas não obteve sucesso. A colisão rompeu o casco do navio em vários pontos, selando para sempre o seu destino. A carga do navio foi retirada e todos os passageiros e tripulantes foram resgatados. Entretanto, os esforços para salvar o transatlântico de 140 metros foram em vão. A embarcação afundou lentamente e hoje repousa a oito metros de profundidade e cinco metros de distância da ilha.
A cidade de Guarapari (ES) é referência para a prática do mergulho. Os turistas que anteriormente visitavam a cidade para conhecer a Igreja Matriz, construída em 1585, e a Casa da Cultura, erguida no século 18, desenvolveram também o desejo de conhecer as embarcações históricas que estão submersas no litoral da cidade.
O navio cargueiro britânico Bellucia, considerado de grande porte no início do século 20, naufragou em fevereiro de 1903, após colidir com a ilha da Escalvada, no litoral de Guarapari, e se partir no compartimento das caldeiras. Atualmente, o navio está a 20 metros de profundidade. A proa e a popa se encontram a 150 metros de distância uma da outra em bom estado de preservação.
Litoral pernambucano
No litoral brasileiro também há embarcações que foram naufragadas propositalmente para se tornarem atrativos turísticos como os três pequenos rebocadores a poucas milhas da praia de Boa Viagem, em Recife: O Lupus, o Minuano e o Servemar X. As embarcações, construídas em 1955, estão a cerca de 30 metros de profundidade e sua estrutura ainda está bem preservada.
A posição geográfica privilegiada do litoral pernambucano em projeção ao oceano Atlântico, contribuiu para que ele se tornasse palco de grandes combates no período colonial e durante a 2ª Guerra Mundial. A força naval organizada pela Marinha do Brasil para defender e patrulhar o litoral nordestino foi uma das maiores do país durante o conflito global. A frota era composta por dois cruzadores, quatro submarinos, seis corvetas, 11 contratorpedeiros e 15 caça-submarinos.
A corveta Camaquã, construída em 1939, foi um dos destaques dessa equipe durante a guerra. Em sua carreira heroica, ela escoltou mais de 700 navios mercantes no litoral brasileiro. A embarcação de 57 metros de comprimento tinha como destaque em sua munição o canhão de quatro polegadas na proa e cerca de quarenta minas de profundidade.
No dia 21 de julho de 1944, a sua glória chegou ao fim. A Camaquã estava retornando à Recife após completar sua missão de escolta a navios mercantes que se dirigiam à Trinidad, no Caribe, quando uma grande onda atingiu o navio inclinando-o para a direita. As duas ondas seguintes selaram o destino da Camaquã a 50 metros da superfície. Atualmente, essa corveta é um dos principais pontos de mergulho turístico no Brasil, devido ao estado de preservação considerado excelente em comparação com os demais naufrágios no litoral do país.
Alguns tripulantes da heroica Camaquã foram homenageados post-mortem ao compartilhar seus nomes com outras embarcações da Marinha. Um deles foi o comandante Gastão Monteiro Moutinho que possuía a patente de capitão-de-corveta. A própria Camaquã recebeu homenagens após o naufrágio. Um parque de 55 mil metros quadrados em São Paulo e uma escola municipal no Paraná foram batizadas com o seu nome.
No arquipélago de Fernando de Noronha, outra corveta da Marinha que teve um papel de destaque na defesa do litoral brasileiro repousa a 60 metros de profundidade. Construída em 1953, a corveta Ipiranga era uma das embarcações de patrulha da Marinha. No dia 2 janeiro de 1962, enquanto patrulhava o litoral cearense, a corveta encontrou o navio francês, Cassiopé, especializado na pesca de lagosta. Ao se aproximar do pesqueiro, o capitão-de-corveta Heitor Alves Barreira Junior alertou o navio francês de que sua atividade era ilegal, ordenando-o a interromper a pesca e dirigir-se ao porto de Fortaleza, onde receberia as devidas instruções da Marinha.
Após este acontecimento, mais dois pesqueiros franceses foram abordados no litoral brasileiro. Isso gerou revolta entre os líderes da França, e posteriormente deu origem ao conflito diplomático entre o Brasil e a França que ficaria conhecido como a Guerra das Lagostas. Navios pesqueiros de diversas nacionalidades foram abordados por navios da Marinha brasilera durante o conflito.
Mas não foram apenas prisões que criaram a fama da Ipiranga. Em 1968, a corveta levou uma equipe da revista “O Cruzeiro” e um grupo de radioamadores para os rochedos de São Pedro e São Paulo, no oceano Atlântico, com o objetivo de instalar uma rede de contatos com todo o mundo. No tempo que eles permaneceram na base, as equipes estabeleceram mais de dez mil comunicações, um recorde para a época.
A carreira da Ipiranga se encerrou tragicamente no dia 3 de outubro de 1983, após trinta anos atuando no litoral brasileiro. A corveta fazia uma patrulha de rotina no arquipélago de Fernando de Noronha, quando o navio se chocou com um rochedo submerso na Ponta da Sapata. O impacto rompeu o casco da Ipiranga, conduzindo-a lentamente ao fundo do mar.
O Rio de Janeiro também possui um tesouro histórico submerso em seu litoral. O transatlântico inglês Magdalena, construído em 1948, era considerado um navio rápido e moderno para sua época. Tinha 167 metros de comprimento e sua estrutura de 17 toneladas abrigava uma praça de esportes, um hospital e uma piscina na área externa, além de 133 camarotes de primeira classe e 346 para os de terceira classe.
No dia 9 de março de 1949, o Magdalena iniciou sua viagem inaugural partindo de Londres em direção ao porto de Santos (SP). Após a chegada ao Brasil, o navio se dirigiu aos portos de Buenos Aires e Montevidéu. A embarcação fez mais uma escala em Santos e antes de retornar à Europa faria mais uma parada no Rio de Janeiro.
Contudo, enquanto passava pelo litoral carioca, o Magdalena se chocou com rochedos submersos nas ilhas Tijucas, teve o casco rompido e encalhou. O navio possuía mecanismos de isolamento em alguns porões para evitar o naufrágio. Entretanto, as tentativas de retirar a água com o uso de bombas falharam. Decidiram tentar rebocar o navio até o porto para reparos e durante o reboque, o navio partiu-se ao meio em frente à praia do Leme (RJ) onde várias pessoas assistiam a tentativa de resgate. Para a surpresa de todos a popa (parte traseira do navio) permaneceu flutuando até encalhar na praia de Imbuí, em Niterói.
Por Pedro Fideles, do MTur