Designer paulistana transforma mundo em ‘sua casa’

A designer gráfica Carol Folegatti, 29 anos, resolveu transformar o mundo em sua casa. Há um ano e quatro meses a jovem paulistana embarcou num mochilão sem data para terminar.

“Já se foram 18 países (e muitas cidades), da Europa à Ásia, dos quais quatro foram paradas relativamente longas de trabalho para poder continuar”, diz Carol, que atualmente está no Brasil visitando a família e amigos.

A designer gráfica Carol Folegatti está há mais de um ano mochilando pelo mundo

Na primeira parte da aventura, Carol conta que resolveu morar nos lugares para “estabelecer uma vida” que, mesmo que temporária, envolveu um aluguel de curto prazo, um trabalho, uma rotina rápida.

“Entendo hoje que qualquer lugar que eu abra a mochila e tome um banho virou casa, e quando fico o suficiente a ponto de chegar valer a pena tirar quase todas as roupas de dentro [mochila] já vira lar de infância com laço emocional”, revela a designer, que compartilha suas experiências no Instagram e no Facebook.

Carol já passou por mais de 18 países da Europa e da Ásia

Carol escreveu um relato inspirador em que conta como como é ser nômade digital.

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Sempre fomos meio nômades lá em casa, a ponto de me perguntarem se minha família era cigana. A gente se mudava muito, pelo menos bem mais que as outras pessoas. Não sei dizer muito bem porque, mas é assim que sempre foi, e eu mesmo sem perceber acabei indo na mesma direção. Não me lembro quando foi a última vez que morei dois anos no mesmo lugar e quando começa a chegar perto disso já me vem aquela inquietação.

Isso deve ter ajudado no fato de eu nunca ter muito apego com casas, o que depois evoluiu pra cidades e hoje em dia se transformou em países.

“Vivo de arrumar a mochila e com sorte ter um armário para guardar as roupas”, diz Carol sobre a vida nômade

Fui morar na Austrália em 2007 e, quando eu estava indo, minha família também se mudou do nosso apartamento da época para um outro onde não tinha mais um quarto para mim. Foi aí que eu dei início a minha própria vida nômade. Enquanto eu escutava meus novos amigos conterrâneos no intercâmbio falando sobre o quanto estavam com saudade das suas casas, quartos, camas… Pensava que eu não tinha muito bem para onde voltar, que minha vida começaria do zero em algum outro lugar que eu não poderia sentir falta, uma vez que ele ainda nem existia. Isso me deixava um tanto quanto insegura, mas cheia de empolgação e curiosidade. Me deixava me perguntando o que vem por aí, e apesar de ter sido estranho para mim aos 18 anos, fiquei meio acostumada com não saber pra onde eu vou depois daqui, seja lá onde esse aqui for.

A partir daí foi um tempo ali, um tempo lá, uns meses morando aqui e logo estava eu de novo encaixotando tudo, reposicionando móveis em outro lugar.

“Não me lembro quando foi a última vez que morei dois anos no mesmo lugar”

Quando resolvi sair para viajar pelo mundo empacotei minha última casa e separei as coisas mais úteis para colocar na minha mochila. Essa era minha mudança: eu estava me mudando para uma mochila. Não tive essa percepção de imediato, mas no fundo foi exatamente isso que aconteceu.

A viagem já dura 1 ano e 4 meses e eu não faço nem ideia de quantos lugares diferentes eu já chamei de casa, quantas camas diferentes eu já dormi e por quantas janelas eu já vi o dia ir embora e nascer de novo. Já se foram 18 países (e muitas cidades), da Europa à Ásia, dos quais quatro foram paradas relativamente longas de trabalho para poder continuar.

Carol na Muralha da China

A primeira parte assumiu uma dinâmica de morar nos lugares, estabelecer uma vida que, mesmo que temporária, envolveu um aluguel de curto prazo, um trabalho, uma rotina rápida. Nessas épocas a mudança tinha cara de mudança, precisava carregar objetos externos além das mochilas como comidas estocadas e as vezes alguns cabides, mas a verdade é que a intenção é só levar o que eu posso carregar. Não existe mais a missão de encaixotar e nem de reposicionar os móveis, hoje vivo de arrumar a mochila e com sorte ter um armário para guardar as roupas no próximo qualquer coisa que vou chamar de “lá em casa”. Se não, vive na mochila mesmo.

A segunda parte da viagem virou três meses de mochilar, o que é um fato interessante para uma pessoa itinerante, uma vez que levei meu semi nomadismo para todo um novo nível de chamar de “lá em casa” um hotel, hostel, Airbnb, pousada, acomodação ou o que quer que seja, onde vou passar algumas poucas noites. Entendo hoje que qualquer lugar que eu abra a mochila e tome um banho virou casa, e quando fico o suficiente a ponto de chegar valer a pena tirar quase todas as roupas de dentro já vira lar de infância com laço emocional. Digo isso porque fazer rolos de tudo que eu tenho para caber de volta dá um trampo que compensa mais viver com o que está ali por cima mesmo por aqueles três, duas, as vezes um dia que vou morar naquela “casa”.

Carol na China

Ao final desse mochilão sem fim tem uma parada rápida no Brasil para matar a saudade, antes de seguir para a terceira parte da viagem que envolve muito mais mochila pra cima e pra baixo, e o irônico é que me encontro na mesma situação de exatos 10 anos atrás.

Durante os dias de retorno à terrinha tenho amigos e família de sobra me oferecendo uma cama e um banho, para me lembrar que mais uma vez a vida segue um mistério. Que eu não tenho muito para onde voltar e que isso, na verdade, me dá a maior sensação do mundo de que a minha vida é exatamente como eu quero que ela seja. Que eu possa sentir falta de familiaridade, de pessoas que me trazem aconchego, sabores de comidas que me fazem lembrar da infância, resolver situações cotidianas no meu idioma… Mas que meu cantinho é qualquer um.

A segunda parte da viagem virou três meses de mochilar

Que eu sei que posso ir para qualquer lugar que sempre vai ter um espaço para minha mochila e um banho, mesmo que essa mochila daqui a pouco volte a virar móveis e caixas, que os dias e meses virem anos, e que um dia eu consiga parar e dar pros meus filhos a casa que eles sentirão falta quando viajarem.

Por enquanto eu sigo cheia de furor no peito pelo incerto, pelo que eu ainda não sei o que vai vir, pelos próximos “lá em casa” que ainda vão chegar e quanto tempo eles vão durar dessa vez. Sigo feliz por não ter para onde voltar, assim o continuar fica mais fácil e claro. É só seguir.

Para Carol, qualquer lugar que ela ‘abra a mochila e tome um banho virou casa’

Obrigada vida, por ter me dado essa história maravilhosa que me fez chegar onde eu queria. Por esse lugar que eu cheguei ser tantos lugares diferentes e ainda assim eu saber exatamente onde estou e conseguir levar, dentro de mim, todo o lar que eu preciso.

Relato por Carol Folegatti