Famagusta, a cidade fantasma no coração do Chipre
Uma das questões não resolvidas após a invasão turca, nos anos 1970, balneário que era destino turístico hoje atrai curiosos
Qualquer cipriota que for perguntado sobre a cidade de Famagusta, a 61 km da capital Nicósia, responderá que ali jaz um paraíso perdido.
Antes da invasão turca, em 1974, o balneário na costa Oeste da ilha, com suas praias de areia branca, era a principal atração turística do Chipre. A cidade procurava se manter ligada ao seu rico passado ao longo dos séculos, com muralhas venezianas e a mesquita Lala Mustafa Pasha, antigamente chamada São Nicolau, uma réplica da catedral francesa de Reims e construída pela dinastia luso-francesa que governou o território entre os séculos 14 e 15.
No entanto, nos últimos 40 anos Famagusta vive um limbo. Abandonada pelos seus antigos moradores, que não puderam nem colocar seus imóveis à venda, fechada pelos militares turcos com arames farpados, grande parte da cidade está esperando até hoje por um aguardado fim do impasse entre turcos e gregos.
- 3 lugares que fogem do óbvio para você curtir o verão no Brasil
- Temporada de cruzeiros no Brasil terá 9 navios e mais de 200 roteiros
- Viajar sozinha: 4 lugares baratos no mundo para mulheres que amam liberdade
- Que tal conhecer a Turquia e a Austrália na mesma viagem?
Milhares de cipriotas gregos expropriados, que se refugiaram na parte Sul da ilha, não esquecem das suas antigas casas. Varosha, um distrito que está vazio desde a invasão, é um dos tópicos constantes das conversas entre os dois lados do Chipre. Em 2012, rumores afirmaram que o local poderia ser finalmente reaberto –ele continua fechado mesmo com as tentativas de intermediação da ONU.
A cidade voltou a chamar atenção do mundo depois que o jornalista neo-zelandês David Farrier tentou entrar na cidade e foi detido pela polícia turca. Ele gravava cenas do seu seriado “Dark Tourism” (“Turismo macabro”, no Brasil, disponível no Netflix).
“A questão segue em aberto desde os anos 1980”, disse Osman Ertug, cipriota-turco que atua como porta-voz da presidência do Chipre turco e como conselheiro das negociações com o Sul, ao jornal britânico “Telegraph”.
“É uma das cartas que nós temos, mas é parte de um acordo geral e não pode ser separado de um compartilhamento de fontes energéticas ou do fim dos bloqueios ao mar e aos aeroportos. O Conselho de Segurança da ONU é o principal responsável por essa inércia”, completou.
A crise financeira na parte sudeste da ilha após 2008 suprimiu as questões da reunificação, que sequer foi mencionada nas eleições presidenciais desde então. O atual governante do Sul, Nicos Anastasiades, geralmente afirma ser a favor de dialogar com o Norte turco, liderado pelo presidente Dervis Eroglu.
“Depois da vitória de Anastasiades, Eroglu ligou para ele convidando-o para um encontro. Nós enviamos um convite para um jantar para fazer o processo se mover de novo”, explicou Ertug.
A Turquia está interessada em recomeçar as negociações. “Nós devemos incentivar os dois lados do Chipre a encontrar uma solução juntos”, disse o ministro turco para assuntos europeus, Egemen Bagis, ao também periódico britânico “The Guardian”. “Eles são como casados. A Turquia, a Grécia e a Grã-Bretanha são como parentes que querem salvar o casamento”.
Varrido pela crise, Nicósia, ao Sul, está relutante em entrar em negociações num período turbulento. “Nunca é a hora certa”, reclamou Ertug. “Já tiveram sete líderes em metade de um século, incluindo um arcebispo e um comunista, mas não houve paz. Uma crise talvez seja a oportunidade”, completou.
De acordo com o Norte turco, a questão das reservas de hidrocarbonetos na costa do Chipre deveria direcionar as negociações em ambos os lados. A Turquia disputa com o Chipre grego o direito de explorar esses recursos como bem entender, mas isso depende um acordo de livre-comércio entre as duas comunidades.
As duas partes do Chipre possivelmente têm a ganhar com uma cooperação. “O petróleo é uma oportunidade para começar rapidamente as negociações pela reunificação”, disse Cengiz Aktar, um jornalista turco especialista em assuntos europeus. “Precisamos derrubar esses muros”, concorda o economista cipriota turco Hasan Gungor, que também atua como conselheiro presidencial. “A maior fábrica da Toyota fica na Turquia, mas cipriotas gregos importam seus carros do Japão, apesar de o fato deles custarem bem menos do outro lado da mesma ilha”, completa.