Na península Valdés, a incrível história da amizade entre um guarda-fauna e as orcas
Por Heitor e Silvia Reali, do site Viramundo e Mundovirado
‘Baleia assassina’ para mergulhadores, bicho-papão para leões-marinhos, e filhotes de jubartes, as orcas têm uma fama ruim dos diabos. Mas para o guarda-fauna e biólogo argentino Roberto Bubas, elas se tornaram amigas do peito.
Para contar essa história, precisamos antes descrever a natureza extrema da península Valdés. Localizada na província argentina de Chubut, a 1.500 km ao sul de Buenos Aires, ela guarda algo de primitivo e puro, com exuberante vida marinha. Um lugar onde predomina a monocromática estepe patagônica, no qual destacam-se estâncias para criação de ovelhas, com sedes rústicas ao lado de cataventos girando enlouquecidos. Nesse território de clima seco, árido e de vegetação rasteira é fácil observar raposas, lebres, guanacos e avestruzes, e onde se vê, perfeitamente, o dia empurrar a noite e o amanhecer que chega em tons lilases.
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Mas são as praias dessa península que seduzem os visitantes. Esse cenário de beleza prístina levou Sebastião Salgado a fotografá-la para seu livro “Genesis”. Nós viajamos para ver o maior atrativo dali: baleias, golfinhos, leões-marinhos e pinguins. Mas a maior surpresa de todas foi conhecer Roberto Bubas e sua incrível história com as orcas.
As baleias podem ser facilmente avistadas de junho a janeiro, na Praia El Doradillo, a 15 km de Puerto Madryn, ou em excursões a partir de Punta Delgada ou Puerto Pirâmide. Porém, é na praia Caleta Norte –reserva marinha declarada Patrimônio Natural Mundial– que acontece um fenômeno raro. As orcas desenvolveram ali uma técnica de sobrevivência denominada “encalhamento intencional”: aproveitando o vai-e-vem das ondas elas caçam leões-marinhos, um de seus alimentos preferidos, na beira da praia.
É aí que entra Roberto Bubas. Na década de 1990, sem uma máquina fotográfica para identificar as orcas da praia Caleta Norte, o guarda-fauna entrava na beirinha da água, às vezes até mesmo colocando sua cabeça dentro da água, a fim de observar os detalhes de suas nadadeiras, espécie de digital desses mamíferos, a maior da espécie dos golfinhos.
“Foi quando algo fascinante aconteceu. Elas começaram a vir cada vez mais ao meu encontro, produzindo sons, levantado a enorme cabeça para me ver, e deixando inclusive que eu as tocasse”, nos contou Bubas. Nunca antes nenhuma outra orca selvagem se aproximara de um ser humano.
De acordo com a antropóloga britânica Jane Goodall, famosa pelos seus contatos com gorilas, “o que podemos concluir sobre a aproximação de animais selvagens com os homens é a curiosidade, e o desejo de se comunicarem conosco. No caso das orcas o que mais intriga é por que elas nunca o atacaram, se caçam até mesmo as baleias?” Este é o mistério que permanece.