No Dia dos Namorados, uma estrada com mais de 50 ‘tons de cinza’

Por Heitor e Silvia Reali, do site Viramundo e Mundovirado


Cinquenta “tons de cinza” em uma estrada? Ulalá!! Pois saiba que não é só de cinza, não. São também 50 tons de marrom. As fotos confirmam, mas é bem melhor fazer as contas percorrendo a estrada. Ela vai te conquistar, e te levar às alturas literalmente.

A Ruta 76 corta terras altas e áridas de La Rioja, nordeste da Argentina. Um território imenso e inexplorado onde algumas vezes estivemos mais perto do céu do que da terra.


Partimos ainda ao amanhecer da pequena vila de Jagué. Meno male que não era época do degelo das neves que coroam as altas montanhas dali, pois a rua principal é também o leito do rio gelado. Nosso destino era a Laguna Brava que fica a 4.500 mts de altura. Precisávamos subir ‘despacio’, devagar como se diz ali, para afastar o temível mal das alturas, um azedume capaz de estragar qualquer passeio.


O ritmo lento nos permitia parar e ver conchas incrustadas e pegadas de animais extintos nas encostas das montanhas, pois, essas impressionantes formações rochosas já foram fundo de mar. E os pigmentos de colorido tão diverso atestam os diversos materiais de sua composição: lava vulcânica, óxidos de cobre e de ferro, ouro, prata, enxofre e sal. Daí tantos matizes acinzentados além de tonalidades de castanho, ferrugem, chocolate, ocre, mostarda, zarcão, tons violáceos, lilás, verdes e até um incrível rosa. Sem contar os salpicos brancos de neve e o cobalto puro do céu.


Laguna Brava é um lugar extremo: frio, gelo, altura e aridez, mas a aventura se radicaliza com o vento constante que até mesmo levanta a neve fina. É o chamado ‘vento branco’ que impede o caminhar e dificulta a visão. Mais uma vez a sorte não nos faltou – não era dia do ‘vento bravo’. Quando este perde as estribeiras e se divide em dois, cada um sopra para um lado e passa cortando a superfície azul água-marinha da laguna. O vento confunde as águas formando ondas que se chocam tão bravias fazendo valer o nome que ganhou.


A Laguna Brava era local de parada dos arrieros, gaúchos dos Andes, que cruzavam seus rebanhos pela fronteira da Argentina com o Chile. A fim de se protegerem do frio intenso eles construíram abrigos com o único material que sobra por aquelas bandas –pedras. E, engenhosos copiaram o ninho do hornero, nosso joão-de-barro, com entrada estreita, em forma de espiral e oposta ao vento. Restam apenas nove desses ‘ninhões’ que são considerados patrimônio argentino.

Enfim, uma jornada que confirma as palavras do escritor Joseph Conrad: “cada viagem que iniciamos com espírito aventureiro acaba por ser reconhecida como romance”


Dica boa para evitar o mal da altura: os riojanos nos ensinaram a tomar chá só com bolachas salgadas no café da manhã. Nada de leite e derivados. No percurso para a laguna deve-se ir tomando muita água e evitando nem correr ou fazer movimentos bruscos. Leve sanduíches, frutas e uma térmica com café (ou chá) para quando chegar na Laguna Brava e parar para contemplar o lugar.