Os viajantes do sono perdido
O viajante e escritor de guias de viagem Zizo Asnis está neste momento viajando pelo Canadá, mas antes fez uma conexão prolongada pelo México. Confira a crônica a seguir e descubra porque até viajantes experientes correm perigos em aeroportos.
Já contei o início da viagem?
Graças a uma promoção da AeroMexico, comprei uma passagem ao Canadá por R$ 1.400, com conexão de um dia de parada na Cidade do México. Um dia mesmo: o voo chegava de manhã bem cedo e partia tarde da noite, já no início da madrugada do dia seguinte.
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Por mim, 90% ótimo. É a chance de visitar um lugar que é uma lacuna no meu currículo viajante, que conhece mais de Europa e Ásia do que Central e Norte América. Bom, longe de poder dizer que em 1 dia conheci o México, mas ao menos caminhei bastante pelo centro histórico de sua capital e pude admirar os murais de Diego Rivera.
Tá, e os 10%? É a parte crítica: você já chega cansado de um voo (não posso dizer que a AeroMexico é das melhores companhias aéreas do mundo) e deve passar o dia na rua (ou os não-viajantes, sentados num banco de aeroporto).
Final do dia, já cansadão, fui para o aeroporto na expectativa dos tais banquinhos. Ainda havia algumas horas até a saída do meu voo para o Canadá, que sequer aparecia no grande painel eletrônico. Já na área de embarque, encontrei um trio de bancos que, sobre um deles, permitiu repousar minha mochila, sobre ela minha cabeça, e sobre os outros dois bancos o meu corpo semi esticado.
Adormeci de leve, acordando a cada 15 minutos. A claridade, o blábláblá das pessoas, o espaço ok mas não tão confortável e a expectativa de que o voo aparecesse no monitor não me permitia embarcar nas profundezas do sono dos adolescentes bêbados.
O lugar foi ficando cada vez mais cheio e barulhento, e resolvi me levantar e dar uma volta pelo movimentando aeroporto mexicano. Entre lojinhas e restaurantes típicos desses shoppings aeroportuários, encontrei a minha perdição.
Estava ali, ao meu lado, sem que eu tivesse procurado. Um espaço mais reservado, silencioso, sob uma agradável penumbra, com vários bancos livres. A anatomia do perigo. Mas para não deixar esquecer do que eu fazia ali, havia mais a frente um grande painel que mostrava os voos de partidas, sem que o meu ainda aparecesse, embora já passavam das 23 horas, e o voo era 1h05 da manhã. A mochila virou travesseiro e o meu corpo se alongou por 180 graus como há quase 48 horas não fazia. E eu adormeci.
Não sei como dormi dessa maneira. Muito menos como acordei. Talvez com o excesso de silêncio. Dei um pulo assustado ao vislumbrar o cenário. O espaço onde eu estava: completamente vazio. Coração bateu forte. A hora no celular: 0h55. Coração bateu mais forte ainda. E o painel eletrônico: meu voo finalmente aparecia, 1h05, “última chamada”. Vários outros voos, inclusive em horário posterior, já constavam como “embarque encerrado”. Eu tinha 10 minutos. Mas sempre fecham a porta antes. E depois que fecham não abrem mais. E o portão de embarque era no outro lado onde eu estava. E… Parti em disparada. Só que eu podia fazer era correr. Corra, Zizo, corra.
Corria por um aeroporto completamente vazio. Parecia um daqueles filmes onde a população do planeta é dizimada e só restava uma alma viva. No caso, a população do planeta estava toda dentro de aviões e a alma viva estava tentando embarcar para a sobrevivência.
Sim, porque se eu perdesse o voo, deveria passar mais 24 horas por ali, sem hotel, sem cama, sem banho, sem passagem. Adoro burritos, mas eu não sobreviveria a mais um dia no México naquelas condições.
nquanto corria desesperado, pensei, como um viajante experiente como eu tinha sido enganado por um sono envolvente?? Por assentos aconchegantes que talvez tivessem sido implantados naquele local justamente para que viajantes incautos jamais deixassem o México? Seria no fim das contas Donald Trump um homem salvador e visionário sobre a construção do infame muro?? Indiana Jones nunca ficaria preso no Templo da Perdição, não importa os planos mirabolantes de Coringa e Goldfinger.
Eu corria pelo aeroporto deserto e a realidade nua e crua batia nos meus ouvidos pela voz grave que surgia dos autofalantes: “voo pluctiplactizum, última chamada, última chamada”. Sim, eu sei, señorita, mas como posso responder “não fechem essa porra, estou a caminho!!!”?
Dobro um corredor e aparece o portão de embarque. Em toda a área, havia apenas duas moças uniformizadas. Antes que eu conseguisse balbuciar qualquer palavra a elas, sou imediatamente perguntado: “Mr. Asnis?”.
Aparentemente, o Mr. Asnis era a última alma a sair do México naquele dia.
Esbaforido, entro na aeronave, que logo fecha sua porta. Me acomodo no apertado mas bem-vindo assento, olho pela janelinha do avião e aceno “hasta la vista, Mexico baby”. Canadá, estou chegando.
Relato por Zizo Asnis, do O Viajante