Quase a última viagem: a história de superação de Roberto Canessa

26/10/2015 17:22 / Atualizado em 07/05/2020 00:50

Por Heitor e Silvia Reali, do site Viramundo e Mundovirado

Supor que o avião poderá cair dá na veneta de muitos viajantes quando hoje embarcam. Mas com medo de chamar mau agouro, afastam de imediato a ideia. Vale, porém, conhecer a tenacidade de quem sobreviveu a um acidente e sacou que “em momentos extremos somos capazes de vencer os maiores obstáculos”. Esse desastre que aconteceu em 1972, quebra também o dito que ‘um raio não cai duas vezes no mesmo lugar’.

Naquela sexta-feira, 13 de outubro, dia que a bruxa anda solta para alguns, a maioria dos 45 passageiros do avião que partira de Montevidéu com destino a Santiago fazia parte de um time amador de rúgbi. Com idades entre 18 e 22 anos, eles iam jogar no Chile e alguns convidaram um irmão, amigo ou a mãe.

Contudo, ao sobrevoar a Cordilheira varrida por rajadas de ventos, o avião se desestabilizou, bateu na rocha, partiu-se e em alta velocidade foi rasgando a neve até ficar cravado nela.

“Estou vivo!”  Foi o primeiro pensamento de Canessa. Nem ele ou os outros 28 sobreviventes haviam sequer pisado na neve antes. “A temperatura de -40ºC é um frio que parece uma morsa apertando os ossos até esmagá-los”. Os que estavam em melhores condições trataram dos feridos, providenciaram roupas quentes, e apenas algumas barras de chocolate foram encontradas.

Se os primeiros 10 dias foram de esperança por um resgate, ao ouvirem no radinho de pilha que as buscas haviam sido suspensas, eles se uniram ainda mais no que podiam dividir –a amizade, a solidariedade, e a coragem.


Privados de roupa adequada, comida ou de conhecimento sobre montanhismo, começava para eles a luta pela sobrevivência. Porém, a 3.500 metros de altitude, os Andes não oferecem vida alguma. E o que fazer quando a inanição já corroía corpos e mentes? “Tomamos a decisão conjunta de nos alimentarmos dos corpos de nossos amigos”, relembra Canessa.

Essa atitude que meses mais tarde chocou o mundo, teve na época a anuência incondicional do papa Paulo 6º.

A determinação de viver daqueles 29 jovens seria posta à prova mais vezes. Os Andes são uma verdadeira bomba-relógio com 250 mil avalanches por ano. Dezoito dias após o acidente, eles despertaram durante a noite com um estrondo. Em segundos a neve invadiu a fuselagem e cobriu o que restava do avião. Durante três dias sofreram sob uma apavorante tempestade de neve. Treze deles não resistiram.

Reduzidos aos últimos extremos, congelados e famintos, qual foi a primeira saída encontrada por eles? “O humor”! Como assim? “Para sacar lo terror, recorremos ao gracejo e a gozação. Fazíamos a lista dos melhores restaurantes de Montevidéu, olhávamos o cardápio, escolhíamos os pratos, e nos deliciávamos com os sabores. Vamos abrir um restaurante, servir isto e aquilo…sonhávamos e mantivemos a fé”, revive Canessa. Começaram a trocar o horror pela graça, abraçando a vida.

A segunda saída foi a própria natureza. E ele se perguntava: “como posso curtir o esplendor da natureza nessa situação calamitosa em que me encontro? O azul límpido do céu e uma luz viva e sublime do luar sobre a Cordilheira nos dava ganas de vivir.”


Dois meses após o acidente, a derradeira saída. Mesmo convictos que a empreitada era impensável, Canessa e Nando Parrado iniciaram a descida da montanha a fim de buscar ajuda. Calcularam que em uma jornada de três dias, avistariam os verdes vales chilenos detrás daqueles picos. O que eles não esperavam é que ao final do terceiro dia, após escalarem um paredão de neve de mais de 800 metros de altura, a visão era de uma sequência de montanhas glaciais.

O desânimo foi substituído por mantras. “Dê um passo, depois outro passo, não olhe para a montanha, olhe para o passo”, encorajava Roberto. Ora era Nando quem animava: “vamos continuar até não respirarmos mais”.


E assim mais uma semana se passou até que cruzaram a linha onde terminava a neve e começava a terra. Para Roberto: “a linha entre a vida e a morte”. Ali encontraram com um vaqueiro chileno. Na manhã seguinte, no 72o dia após o desastre seus amigos foram resgatados no alto da Cordilheira. Ao sobrevoar a região por onde Canessa e Nando caminharam, o piloto do helicóptero exclamou; “Fizeram o impensável e o impossível”.

A firmeza, a generosidade e a determinação de todos os sobreviventes é um exemplo para os que precisam enfrentar desafios e obstáculos intransponíveis.

“Quando o ser humano é privado de todo o material, cresce o espiritual de uma maneira muito, muito forte. Eu continuo contando nossa história porque desejo que as pessoas não tenham que sofrer um desastre para descobrirem que o que temos dentro de nós é poderoso, e que recebemos da vida muito mais do que precisamos”, finaliza Roberto Canessa*.

 
 

 * Entrevista concedida a Viramundo e Mundovirado em 20/10/2015 por Roberto Canessa