Sem atores locais, Salvador lança plano milionário de afroturismo
Salvador é o coração do Brasil, conecta e pulsa energia por meio de sua herança ancestral e valorização dos que construíram e fortaleceram essa cidade
Salvador é o coração do Brasil, conecta e pulsa energia por meio de sua herança ancestral e valorização dos que construíram e fortaleceram essa cidade. Para marcar e valorizar esse potencial, a prefeitura da capital baiana lançou na última sexta-feira, 19, o plano de afroturismo “Salvador Capital Afro“. A iniciativa pretende posicionar a cidade como referência nacional e internacional, por meio da valorização das manifestações culturais, da força das tradições, tecnologias ancestrais e incentivo ao black money, movimento que favorece negócios entre pessoas negras.
O movimento faz parte de um plano com investimento de R$ 16 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e foi lançado pelo prefeito Bruno Reis (União Brasil). Ao todo, o edital junto ao BID soma R$ 1 bilhão para investimento em infraestrutura e turismo da capital baiana.
Há meses, o AfroBizz, uma das iniciativas do plano, vem realizando eventos e levantando afroempreendedores. Até o momento, o projeto não conta em seu desenvolvimento e execução, no entanto, com atores locais negros que já atuem no afroturismo na cidade, como Guia Negro, Afrotrous, Diaspora.Black, Afrotrip e Experiência Griô. Isso faz com que, por exemplo, ainda utilize o termo “Turismo Étnico-Afro”, considerado ultrapassado por quem atua nesse mercado e até racista por alguns linguistas, uma vez que o termo “étnico” nunca é usado para classificar os brancos, que são considerados o “universal/padrão”.
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Outro exemplo é chamar o afroturismo de nicho, enquanto as pessoas negras representam 56% da população brasileira e 80% dos soteropolitanos. Nicho, nesse caso, é a etnia branca e seu turismo comercial e padrão. Um bom case de que não dá para falar de negros, sem os negros ou de afroturismo, sem os atores que fazem o afroturismo na cidade. Questionado sobre o tema pelo Guia Negro, o prefeito Bruno Reis, que assim como seu padrinho político Antônio Carlos Magalhães (ACM) Neto, se autodeclara pardo, garantiu que o projeto tem pessoas negras envolvidas, mas não conseguiu apontar quais os atores do afroturismo fazem parte da sua concepção.
O evento de lançamento ocorreu no Espaço Cultural da Barroquinha, sem que fosse mencionado que ali nasceu o primeiro terreiro do Brasil, o Iyá Omi Axé Ayá Intilá que depois de perseguido mudou para a Federação onde chama Casa Branca, e que há uma Fonte de Oxum, que deveria ser um ponto de visitação de qualquer pessoa que vem em busca de afroturismo e religiosidade de matriz africana. Mas, provavelmente, os responsáveis pelo consórcio não conheciam essas histórias, assim como a maior parte dos soteropolitanos e de quem visita a cidade.
De acordo com o consórcio que administra o movimento, Salvador Capital Afro acontecerá em cinco territórios estratégicos do município: Centro Histórico, Liberdade/Curuzu, Rio Vermelho, Itapuã e Ilha de Maré, com um evento de pré-lançamento para evidenciar as diversas manifestações culturais que existem nessas localidades. Ainda integram as ações do projeto um festival inédito e inspirador, ações de reconhecimento a eventos, ações ou empreendimentos que representem a cultura afro da cidade e a ação Baiana Legal – iniciativa de fortalecimento e visibilidade das baianas de acarajé em atividade em Salvador.
Diáspora africana
Salvador carrega em seu DNA grandes referências na dança, arte, literatura, música, moda, gastronomia, religião e esporte, sendo estes dois últimos, símbolos de resistência do povo negro (candomblé e capoeira). O projeto vai fomentar essas atividades culturais, artísticas e econômicas, demarcando Salvador como cidade destaque da força e expressão da cultura afro-brasileira.
De acordo com o prefeito Bruno Reis, o legado da cultura negra é estruturante para a identidade de Salvador. “Ela faz da nossa cidade um lugar único, original e especial, para onde quer que a gente olhe. Podemos senti-la no nosso dia a dia, nas comidas, música, arte, moda, no sincretismo religioso, nos rituais, no nosso jeito de ser”, afirma, ressaltando ainda que é essa herança afrodiaspórica que diferencia a capital como destino turístico de qualquer outro lugar do Brasil. “Por tudo isso, é muito importante preservar e valorizar essa riqueza ancestral. Nós somos os guardiões dessa identidade”, reforça.
A capital baiana encontra, por meio do afroturismo, uma grande oportunidade de crescimento estando de forma cada vez mais relevante e ainda pouco atendido pelo trade turístico de uma forma geral. O resultado é o aumento de renda para pessoas negras. Por isso, o projeto busca ainda alavancar o afroturismo, vertente que oferece experiências turísticas afro centradas, que valorizam a história e a cultura negra em todo o mundo. O Afroturismo atrai especialmente turistas negros, em busca de criar as próprias narrativas e a reconexão ancestral.
Para o prefeito, o Afroturismo sempre existiu em Salvador, no entanto, com a crescente busca por vivências desse tipo, a cidade tem um grande potencial para se destacar internacionalmente. O afroturismo exalta a cultura negra e prioriza fornecedores negros da cadeia produtiva. A secretária Municipal da Reparação, Ivete Sacramento, acredita que o Salvador Capital Afro valida o processo histórico e cultural da capital baiana a partir de uma perspectiva preta. “O projeto realoca a narrativa para uma visão do turismo de maneira a ser afrocentrada, apresentando trabalhos, produtos, mercadorias, atividades e programação cultural desenvolvidas por aqueles que são maioria na população de Salvador”, diz.
Afroempreendedorismo
O Salvador Capital Afro chama a atenção para os produtos turísticos que são fornecidos por empreendedores negros locais, os principais responsáveis por atrair e encantar quem visita a cidade: as baianas de acarajé, capoeiristas, artistas, guias de turismo, trançadeiras, turbanteiras, operadores de turismo que organizam roteiros e experiências afros e todos aqueles que fazem parte da indústria criativa de Salvador. O objetivo é destacar e potencializar os afroempreendedores locais, em especial, as mulheres, de maneira contínua e inclusiva.
O Salvador Capital Afro propõe também articular afroempreendedores, trazer boas experiências, fortalecimento dos seus negócios e a possibilidade de novas conexões profissionais. “Nossa ambição é que o Salvador Capital Afro entre para o calendário da cidade, com destaque, relevância e propriedade. Iremos ampliar o movimento da cultura afro na cidade, promovendo o alcance desse projeto no Brasil e no mundo”, afirma a secretária da Cultura e Turismo, Andrea Mendonça.