Sul da Toscana tem paisagens em tons pastel e vilas encantadoras

15/10/2016 13:33 / Atualizado em 07/05/2020 04:18

A distância entre Florença e Sinalunga, cidadezinha ao sul da Toscana (distrito de Siena) é de 103 km ou 1h20, mas a velocidade máxima de 130 km (agora 150 km) na autopista pode encurtar o tempo. Italiano adora autódromo. O destino –conselho de amigos– era a pousada Locanda dell’Amorosa, a 3 km de Sinalunga. “Se querem mesmo entrar no espírito da Toscana vão para o campo”.

O que dizer da Locanda? Construída no séc. 18, já foi residência papal e cenário de novela da Globo (“Passione”). Um grande complexo de construções de pedra cercado de videiras, trigais e hortas. O sino, próximo ao poço, anuncia a hora das refeições. Lá, fabrica-se azeite, vinho, e a igrejinha está sempre aberta para as preces –de agradecimento.

Região do Val d’Orcia, onde a velha Toscana se revela descortinada, não há indústrias nos caminhos, só a natureza em tons pastel, repleta de vilarejos medievais. Um longo corredor de terra batida, ladeado de cipreste, leva à pousada, resgatada há cerca de 50 anos após longo período de abandono. Daí em diante é pura magia.

 
 

Região do Val d’Orcia, onde a velha Toscana se revela descortinada, não há indústrias nos caminhos, só a natureza em tons pastel, repleta de vilarejos medievais. Um longo corredor de terra batida, ladeado de cipreste, leva à pousada, resgatada há cerca de 50 anos após longo período de abandono. Daí em diante é pura magia.

Ao abrir a grande janela do banheiro para observar a paisagem bucólica, um pássaro invasor chocou-se contra o espelho. Alçou voo e retomou o itinerário campestre, mostrando como se aventura naquelas terras. A curiosidade para explorar os arredores atingiu o apogeu.

Com o mapa em mãos e ajuda das recepcionistas, começamos a peregrinação. Dava para visitar até três vilarejos por dia, mas dependendo da atmosfera do lugar, mudávamos os planos. A importância de estar com carro nesta região é a soberania sobre o tempo.
Palio

Soubemos que o Palio de Siena tinha acontecido no dia anterior (2 de julho). Fomos à cidade conferir os vestígios da cavalgada. Trata-se de uma corrida de cavalos ao redor da Piazza del Campo que acontece duas vezes por ano, representando 17 paróquias em homenagem à Nossa Senhora. O vencedor, estampado em vários pontos, trazia o estandarte de Torre.
Consagrada à Virgem Maria que, segundo dizem, a livrou de bombardeios dos aliados durante a 2ª Guerra, Siena foi devastada pela peste negra em 1348. A pegada cristã pode ser comprovada nas inúmeras –belas– igrejas espalhadas pela cidadela.

A catedral Duomo de Siena, feita em mármore preto e branco, é visita obrigatória. Só não sabíamos que a Porta do Céu, visita rara aos telhados da igreja, estava fechada há meses e abrira naqueles dias. O complexo, estilo gótico, guarda obras de Michelangelo, Donatello, Pisano e afrescos de Pinturicchio. Lá do alto, dá para ter um panorama de toda a magnificência.
É gratificante, nas grandes províncias, ver a conjunção do antigo com o novo. Em edificações seculares é possível encontrar grifes famosas como Desigual, Pucci, Versace, Louis Vuitton e restaurantes estrelados, sem nenhuma interferência na construção.
Termas
Música italiana no rádio do carro, vento bom, calmaria, cheiro de trigo e… seguimos os bate-e-voltas. Bagno Vignoni, tinham nos falado, é um balneário ao sul do município de San Quirico d’Orcia, cujas águas termais com propriedades curativas são destino de muitos viajantes. Chegamos afoitos para nos refrescar, fomos a um hotel com nascente e piscinas naturais (sim, os hotéis dominam parte das fontes) mas, felizmente, o guardião das águas pediu para, antes de pagar o ingresso, medir a temperatura. Quente! Na fonte, 51ºC/52ºC. Imagina!
Com o calor da estação, evaporamos, não sem antes percorrer as piscinas seculares (secas, à época). Os antigos romanos, assim como Catarina de Siena, a padroeira da cidade, percorriam a Via Francigena –caminho medieval– para a cura de muitas doenças nas águas do vulcão. Dizem que, no inverno, o vapor que emana torna a cidade fantasmagoricamente incrível.
Salute
 Cismados com o sabor do vinho local, nem duvidamos em pegar a estrada do Poggio Antico, em Montalcino, vinícola que produz principalmente o Brunello di Montalcino em diferentes versões. Desde 1990, a Wine Spectator o classificou por 5 vezes como um dos ‘100 melhores vinhos.”
A estrada de terra, também cercada de cipreste, leva ao antigo poço numa jornada típica, bem ao estilo toscanês. A vinícola, os barris, o restaurante, tudo imerso à floresta nativa e silenciosa da região. Para finalizar o tour, degustação dos principais vinhos. E, claro, embalagem de isopor para levar meia-dúzia de engarrafados.
Sol de Cortona

Como não conhecer Cortona, ali pertinho na província de Arezzo? Eternizada no filme “Sob o Sol da Toscana”, de Audrey Wells, talvez seja a cidade etrusca mais visitada –e com maior infraestrutura. Há, inclusive, uma escada rolante que alivia a íngreme subida. Percorra as ruas, observe as muralhas, visite as igrejinhas e refresque-se com um drink (há ótimas cervejas artesanais) na Piazza della Republica, cenário do filme. Depois, acelere o carro pelos campos de girassóis.
Incentivados pela turma da pousada, partimos ao cair da tarde para um jantar na Osteria Acquacheta, em Montepulciano, cidade na região de Siena que existe desde o séc. 4 a.C. A bisteca fiorentina é cortada por peso na frente dos fregueses que se acotovelam nas mesas comunitárias. A fila (desorganizada) já estava à porta da ‘taverna’ antes do local abrir, enquanto o dono, um senhor grisalho com rabo de cavalo, entretinha as pessoas com histórias do lugar. Sobre as pedras das casas e torres, o pôr do sol deslumbrante. 
Há tanta cidadezinha para ser visitada a partir do sul da Toscana que precisaríamos de alguns meses. Partimos de volta à Roma com o carrinho apinhado de compras (uma mala só para temperos e vinhos) e o coração já apertado de saudades. Devolvemos o automóvel no próprio aeroporto que, naquele momento, estava sendo evacuado por conta da suspeita de uma maleta abandonada no saguão. Alarme falso, mas sofri arrastando a bagagem de um lado para outro. A validade dos temperos vai até 2017, alguns 2018. Sempre que os utilizo nas iguarias, o cheiro e o sabor remetem à viagem mais romântica de nossas vidas.
Por Leonardo Raposo, do blog Vila Madalena