Trekking pela Serra do Espinhaço, em Minas Gerais
Há alguns meses um grupo de amigos, os “Calangos Caveiras”, começou a movimentar, de novo, o grupo no WhatsApp. Uma nova aventura estava por vir! E dessa vez com algumas características interessantes, tais como: camping selvagem, pouca informação do local, trajeto, etc., mas mesmo assim a galera animou demais! Aqui é Caveira!
E os calangos Paulo e Diego Marquiolli começaram a traçar a rota pelo GoogleMaps, através de uma rota já existente no sentido contrário, com algumas alterações. Ainda assim muitas dúvidas continuaram, muita coisa poderia ser diferente “ao vivo”.
Pagamos para ver! Para algo tão rustico e “selvagem”, eu precisava dar um trato no equipamento, já liguei pro pessoal da Adrena Esporte e Aventura e resolvi! Botas novas, saco de dormir e aquele cardápio de liofilizadas!
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Agora era hora de testar tudo!
Conseguimos completar uma van, a nossa oficial, o sempre animado motorista João. Dessa vez com alguns aspirantes a Calangos, que poucas horas depois já se tornaram calangos de verdade! Que turma boa!
Na madrugada do dia 21 de abril, quinta feira, saímos de BH rumo a Cemitério dos Peixes. Lugar que não encontrei em nenhum mapa ou GPS. Mas se quem tem boca vai a Roma, provavelmente chegaríamos a Cemitério do Peixe. Era dali que sairíamos a pé, com nossas cargueiras, rumo a Fechados. Caminhando e encantando pela Serra do Espinhaço.
Cemitério dos Peixes parece uma cidade de filme, daquelas cidadezinhas abandonadas… e na realidade é quase isso. Têm apenas 2 moradores. E algumas dezenas de casas, que só são habitadas durante a festa em agosto…! Saiba mais sobre Cemitério do Peixe aqui.
Então, chegamos no povoado de Cemitério dos Peixes, sem muita dificuldade, por volta das 10hrs da manhã. Nosso amigo motorista deixou a disposição uma Coca Cola estupidamente gelada, carne de panela, o veterano Calango Dehon nos presenteou mais uma vez com uma bela farofa… Tudo isso regado a uma boa cachaça. E aí pensei, vamos mesmo sair por aí nesse sol quente com uma mochila de mais de 15 kg? Sim, enrolamos um pouco, mas saímos. Os cinco primeiros quilômetros matam…quero dizer, 5 primeiros metros…rsrssrs
Corpo demora a acostumar.
Alguns metros depois do início da caminhada passamos por uma casa aonde um morador super receptivo veio perguntando para onde aquele grupo de “doidos” estavam indo com aquelas mochilas pesadas no sol de 11hrs da manhã! Depois de alguns minutos de prosa, começamos a seguir a trilha atrás do guia. Uai, mas que guia? Eu não tinha falado de guia!
Pois bem, nessa casa que passamos perto, tinha um cachorro, antes de acabar de conversar com o senhor, o cãozinho saiu e nos esperou logo a frente, como um verdadeiro guia. Depois de alguns metros o cachorro…sim, continuou nos guiando! Com uma alegria cativante! As vezes ficávamos em dúvida em alguma encruzilhada, e lá estava ele para nos guiar! Mas gente, será que ele vai andar com a os Calangos todos os dias? Qual nome dele? Será que aquele moço era o dono dele? De onde esse cachorro é? Poiseh, já cheguei de viagem, e somente uma pergunta eu soube responder, ele realmente andou com a gente todos os dias…! Mas sem nome ele não ficaria… O batizamos de Cãoveirinha.
No primeiro dia caminhamos cerca de 9 km, mas que pareciam 90. Sol muito quente, pouca sombra…tivemos alguns momentos legais para refrescar nas águas límpidas da região, mas o objetivo era chegar, em um bom horário, na área de camping estabelecida. No caso, marcaram mais de uma para escolher. Cada um caminhando em seu ritmo, tivemos algumas paradas, o corpo ainda não entendia aquela aventura…! Chegando perto da primeira opção de camping resolvemos que seria ali mesmo, não dava tempo para chegar a outra…porém, o grupo se separou e foi conferir o local de camping, eu estava dentre eles.
Chegando lá vimos que seria impossível montar uma barraca naquele local… Terreno acidentado e com muito declive. Bom, então agora temos que correr… Senão o sol se põe, e isso não é uma boa antes de encontrar um local para dormi. N altura do campeonato queríamos um para passar a noite…rsrsrs!
O grupo se encontrou de novo e seguimos rumo a outras opções…, porém, antes de chegar a segunda opção avistamos um oásis. Sim, um lugar lindo, com corredeiras, cachoeira, águas cristalinas… Teria de ser ali! E foi…! Atravessamos as corredeiras e montamos acampamento. Logo fui tomar banho para aproveitar o restinho do sol, porque senão iria ficar frio demais e eu teria que utilizar um lenço umedecido.
Eu, o Dehon e o Paulo coletamos algumas lenhas para uma fogueira, cada um começou a pensar na janta, e a noite estava chegando…!
Levei comida prática, liofilizadas, sopas, etc.
No primeiro dia, para ficar livre de peso, fiz o cardápio mais elaborado. Fiz um caldo de cebola com frango desfiado e croutons. O frango vende em pacote de 400g, não precisa ser refrigerado, e é bem gostoso. Não vou falar mais de refeições, acompanhem, vou escrever um post somente sobre isso.
Jantamos, alguns foram dormir, e eu como sempre fui fotografar. Naquela noite teria a tão falada “chuva de meteoros”. Mas com as condições da lua, eu já tinha desanimado…Lua cheia, bem clara, ocultando assim o brilho das estrelas. O que não ofusca a beleza do lugar…. Um agradecimento ao caveira Jonas por sempre carregar o tripé para as tão lindas e esperadas fotos noturnas!
Não esperei mesmo pela chuva de meteoros, o espetáculo da vez era da lua. Dormi, muito bem por sinal. A não ser pelo incomodo, certa hora, de uma coisa que mexia embaixo da minha barraca, parecia um besouro, algo do tipo.
Na manhã seguinte montei minha “mesa” de café da manhã, queijo quente, pão sírio e cappuccino, bem ao lado das águas claras… Oh Vida!
Depois disso fui para a barraca, calçar as botas… Não é legal ficar em lugares assim descalçado…, mas, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma cobra no meio do caminho…não era uma pedra? Sim, várias pedras, mas uma cobra, uma jararaca. Alertei o grupo, os biólogos vieram e transferiram o réptil para um lugar seguro. Após o pequeno susto, começamos a desmontar acampamento para seguir viagem.
Depois de ficarmos confuso pelo caminho, o calango Paulo foi na frente para ver se era por “ali” mesmo. Perdemos alguns minutos, mas o pior estava por vir…
Uma subida maluca, cascalho solto, bem íngreme, e não acabava nunca! Mesmo com a ideia de ir mais rápido para acabar logo, eu acredito ter parado umas três vezes. Uma delas o grupo juntou para “almoçar”. Mas nunca fizemos uma refeição direito na hora do almoço, preparar algo, etc. Era sempre um lanche, e um festival de quem quer abacate? Quem quer salaminho? Quem quer pão?
A ideia, além de dividir o alimento de cada dia, era mesmo diminuir o peso da mochila, transferindo-o para os estômagos alheios.
Após essa parada subimos, subimos mais um pouco aí depois subimos. E só bem depois chegamos a uma área mais plana. Porém, muitos estavam com o estoque baixo de água. A busca pelo fluido universal era incansável. O Paulo até sumiu.
No começo da descida separamos o grupo, guiei uma pequena parte em busca da tão sonhada matadora da sede. Cãoveirinha foi com a gente, pois esse amigo não gostava de ficar esperando. Do nada ele aparece todo molhado! Filho, onde você arrumou água, nos leve até lá! Mas era apenas um brejo, alagado, não dava para beber.
Andamos mais um pouco considerável, avistamos uma cachoeira, não era a mais linda, mas tinha água, e era ali que tínhamos que ir. Por coincidência era a opção A do segundo dia de camping. Dessa vez não deu tempo de purificar a água, tampouco de colocar na garrafinha. A bebida foi como o camping, selvagem!
Novamente o sol estava se pondo, não era o melhor local para acampar, mas o aviso de camping selvagem no início do planejamento era justamente para esse tipo de situação. Outras opções constavam no GPS, porém o cansaço e a incerteza não deixavam o grupo continuar. Eis que surge a ideia de andar um pouco mais e explorar a área. Dois calangos se prontificaram, eu e o Davison. Sem as mochilas saímos para ver possíveis áreas de camping. Não encontramos nada melhor, passamos um rádio para o grupo arrumar duas suítes em troca do nosso esforço. Não arrumaram!
Retornamos à cachoeira, atravessamos para o outro lado e começamos a montar o camping, que dessa vez era mais distante da água. Logo depois fomos tomar banho e coletar água para fazer a janta, etc.
Detalhe, na minha humilde opinião foi o banho mais gelado da travessia…. Foi difícil, mas necessário. Aos gritos trêmulos de CavêEêÊeiiira….!
Bom, mas esse local também tinha sua beleza, o sol se pondo, a lua nascendo…e lá vem o disco voador. Como? Sim, essa foi a noite de maior incidência de discos voadores em toda região do Espinhaço. A Carol nos apresentou uma bebida chamada disco voador, depois de algumas rodadas entendemos o significado do nome…
Bom, depois de quase sermos abduzidos por alguns Óvnis, dormimos. Dessa vez com um ventinho gostoso batendo na barraca… uma noite um pouco mais fria.
De manhã usei a blusa de frio, pela primeira vez na viagem. Por pouco tempo também, depois do café quente do nosso veterano Dehon não tem como ficar de blusa. Depois do café da manhã desmontamos mais uma vez nossos quartos moveis e partimos em busca do povoado de fechados, que significava também camping de luxo, comida de verdade, banheiro com chuveiro e água quente, vaso sanitário, cerveja gelada…nossa, com isso tudo seria uma boa aparecer um disco voador para irmos mais rápido!
Mochila nas costas e seguimos rumo a Fechados. Andamos… Andamos… Andamos.
Mas, como sabemos o caminho do paraíso não é fácil, começaram as descidas. Que descidas. Com elas vieram às dores, nas unhas pegando na ponta da bota, na coxa, panturrilha. Em tudo. Na sempre boa cãopanhia do Cãoveirinha, seguimos descendo por belas paisagens, passamos por algumas quedas de água, pequenos córregos…etc.
Chegava a Belo Horizonte, mas não chegava a Fechados! Até que disparei na frente pra ver se chegava mais rápido, passei por uma linda queda de água, mesmo com o calor de matar me contive em apenas tirar uma foto. Estava perto, eu tinha que chegar!
Poucos metros depois avistei uma coisa estranha. Um tipo de caixa metálica, com janelas de vidro. Tinha rodas parece que de borracha…ops! Lembrei! Era um veículo, um carro! Cheguei a “civilização”. Eu e o Cãoveirinha arrumamos uma sombra e paramos. Ficamos ali descansando e esperando o restante do grupo…agora faltava muito pouco…! O pessoal foi chegando e aglomerando….alguns ficaram pra aproveitar a cachoeira, mas alguns, resolveram partir, em busca da bebida mais requisitada do momento…a cerveja! Andamos cerca de um quilometro até chegar em no povoado, um sol rachando o coco, uma poeira que nunca tinha visto, havíamos chegado naquelas cidadezinhas características da caatinga! Parecia cena do filme O Alto da Compadecida!
Mas não vimos nada aberto, nada que parecia um bar, restaurante… lanchonete…e a gente só queria um boteco! Daqueles “copos sujos” mesmo! Mas não encontramos…andamos mais um pouco, eis que o calango Paulo avista um bar! Sabe aquele ditado: Aponta para a fé e rema? Não era a fé, mas apontamos para o boteco e andamos como se não houvesse o amanhã, nem mochila pesada, nem cansaço. Chegamos, vencemos. Jogamos as mochilas no chão, alguns tiraram as botas, é hora de brindar! Que cerveja gostosa!!!
O restante do grupo veio chegando aos poucos! Todos seguiam a mesma ordem, jogar a mochila no chão, tirar as botas e pegar um copo de cerveja, ou refrigerante.
O Geraldinho, dono do bar, é um típico morador da região. Deve ter lá seus 70 anos, contador de causos, uma alegria em pessoa. Como tira gosto chegou uma linguiça frita, lembro-me do tomate que a acompanhava! Estava mais gostoso que a própria linguiça!
Depois de algum tempo, juntei um pequeno grupo e seguimos rumo a área de camping! Ainda tinha isso! Procuramos, para variar pegamos um caminho errado. Pouca coisa. Passamos por um tocador de sanfona…outro de violão. Gente dava até para montar uma banda ali mesmo!
Alguns metros depois chegamos no “camping do Juninho”, que na verdade os nativos conhecem de “Cancela”.
O lugar destoa do restante do lugarejo. Um verde vivo, paisagismo bem feito. O local está em construção, a ideia é fazer uma espécie de resort. Onde tem chalés, área de camping, área de convivência, salão para festa, tem até uma área de piscina já pronta.
Alguns açudes com muitos alevinos! Irão fazer um pesque e pague, na parte baixa do terreno passa um rio. Tem umas mesas, banquinhos e uma “eterna” sombra graças a um bambuzal. Mas o que mais me encantou foram as palavras do “Branco”, caseiro do local:
-Que horas posso servir o jantar?
Nossa, acredito que deve ser a mesma sensação de uma mulher apaixonada ao ouvir um:
-Quer casar comigo?
Montei minha barraca, tomei um banho quentinho…! E fui pescar! Sim, eu e o Dehon fomos tentar pegar um acréscimo para a janta. Não deu muito certo, o local era muito raso e águas cristalinas. Mas valeu a experiência.
Chegou a hora da janta. Lembro me do cardápio! Frango ensopado, linguiça frita, arroz, feijão, macarrão…tudo feito no fogão a lenha! Tinha também uma salada de alface e tomate!
Uma água com uma leve coloração de “chá” me chamou atenção pelo sabor! Nunca bebi uma água tão gostosa! Acho que por estar estupidamente gelada!
Depois de comer muito mais do que eu precisava, voltei para área de camping, fizemos algumas fotos, e fui dormir! Essa noite ventou muito que teve barraca saindo do lugar, mesmo com as pessoas dentro!
O terreno do camping era um gramado macio. Apesar dos ventos, dormi muito bem, melhor noite de todas! No dia seguinte chegaram a cogitar caminhar até uma cachoeira, eu não animei. Caminhar agora só daqui alguns dias! Acabou que não deu certo e optamos por ir embora mais cedo, e almoçar no caminho!
Ah, lembram do Cãoveirinha? Muitos estavam preparados para chorar ao entrar na van e deixa-lo para trás. Chegou a hora…entramos na van, todos para a janela ver o amiguinho… ele olhou para gente, a van começou a andar e ele virou para o lado contrário, e saiu andando, sem mais delongas! Uai, foi mais fácil que imaginamos!
Com certeza ele estava em um lugar melhor…! Um verdadeiro paraíso! E assim partimos rumo a Belo Horizonte, para começar nossa rotina diária: Pensar na próxima viagem!
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Por Diego Sanches, engenheiro agrônomo e fotógrafo viajante