Trilha Capim Açu é a versão selvagem de Fernando de Noronha
Os últimos anos foram de mudanças para o destino mais cobiçado e exclusivo do Brasil.
‘Beach clubs’ deram outros tons para faixas hedonistas de areia; a Baía do Sancho levou o título de “praia mais bonita do mundo”, por dois anos consecutivos; cartões-postais mais populares receberam trilhas suspensas feitas com material biossintético; e até catracas foram instaladas em praias desse parque nacional de 1988.
Mas é no extremo sudoeste que Fernando de Noronha, a 545 km de Recife, mostra seu lado mais desconhecido, ao longo de seus 26 km².
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A Capim Açu é uma trilha de 7 km em forma de U (geralmente, trilhados em seis horas de trekking pesado), que oferece vistas do mares de Dentro e de Fora, entre as praias do Sancho e a do Leão.
Mirantes com vistas que poucos conseguem ter, cavernas e piscinas naturais escondidas entre rochas, encostas íngremes que margeiam o mais azulado dos mares brasileiros e caminhadas sobre pedras são alguns dos (bons) obstáculos naturais encontrados nessa trilha.
A extensão até soa inocente para viajantes esportistas bem preparados, condição mínima para encarar a empreitada alternativa em terras paradisíacas, mas é só começar a caminhar nessa trilha de alto nível de dificuldade e grandes mudanças de altitude para entender por que a experiência é considerada a mais exigente de todas as opções de caminhadas de Noronha.
Com início em uma estrada de terra, na Vila da Quixaba, a trilha, cujo nome é uma referência aos imensos e cortantes capins de até 2 metros de altura, começa puxada na ladeira íngreme que leva até um desvio de 800 metros de extensão que dá acesso ao VOR, farol usado pela Marinha para orientações de navios e aviões.
Entre mata virgem e fechada, que parece recém-descoberta pelos raros visitantes que se aventuram por ali, o caminhante segue até o mirante seguinte, de onde se tem vistas únicas da Ponta da Sapata, em uma das extremidades da ilha.
E enquanto o caminhante faz sua primeira e necessária longa parada para descanso, atobás, albatrozes e fragatas dão voos rasantes como se quisessem conferir quem acaba de chegar naquele santuário de aves, que quase ninguém costuma encarar.
Nesse trecho, que preserva uma versão da ilha bem parecida ao seu estado original, é possível observar também mulungus, árvore sul-africana, cujas sementes foram trazidas, provavelmente, por correntes marítimas ou aves migratórias, e eram usadas, equivocadamente, por presidiários que construíam barcos de fuga com essa madeira que afunda em, aproximadamente, cinco horas.
Nessa primeira etapa, falta ar nos pulmões, mas sobra disposição para seguir até aquela que é a paisagem mais impressionante de todo o roteiro.
Em zigue-zague e entre vegetação alta, o caminhante desce até o nível do mar, em direção à caverna do Capim-Açu. Considerada uma das maiores de Pernambuco, com 60 metros de extensão, segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia, essa formação rochosa tem acesso restrito apenas em épocas de mar mais calmo.
De um lado, o Mar de Fora; do outro, o de Dentro.
Mas a fúria daquelas águas poucos convidativas são compensadas pelas pequenas piscinas naturais que se formam logo na entrada da caverna, aos pés do morro que os já cansados aventureiros acabam de cruzar.
Aproveite para recarregar todas as energias nessas águas represadas com vista para o mar. Dali para frente, são quase 3 km até o ponto final da travessia, uma caminhada pesada sobre pedras soltas que margeiam o lado mais invocado de Fernando de Noronha, o Mar de Fora.
É nesse trecho com praias forradas por rochas que a gente (quase) se arrepende de ter começado a trilha mais difícil e cenográfica de toda a ilha.
E enquanto a gente se perde em sentimentos confusos, as águas furiosas do Mar de Fora, que batem forte nas pedras e parecem querer engolir forasteiros, nos fazem lembrar que a corrida é contra o relógio, a maré segue subindo e a impactante Praia do Leão já aponta lá no horizonte.
A travessia, daquelas experiências que fazem corpo e alma se esquecerem dos efeitos colaterais, termina nessa extensa faixa de areia selvagem que é considerada uma das mais bonitas do Brasil e endereço de desova de tartarugas marinhas, entre dezembro e junho.
Em frente, recortados por águas que vão do verde a tons que a gente não consegue nem classificar, os icônicos rochedos do Leão e da Viuvinha parecem confundir forasteiros com seus contornos naturais.
E a gente nunca sabe se tudo isso é efeito da euforonha, a excitação extrema de pisar em solo noronhense, ou se são resultados de concluir a mais dura (e exibida) trilha de Fernando de Noronha.
Dicas
– Antes de decidir encarar a trilha, tenha em mente que a experiência é apenas para quem está, realmente, disposto a caminhar em condições adversas, e conhecer (a pé) uma versão mais virgem da ilha que poucos se animam fazê-lo.
– Todos os que desejam cruzar a Capim Açu devem fazer reserva na sede do ICMBIO e contratar um guia. As diárias custam de R$150 a R$ 200 por pessoa.
– A trilha é feita de acordo com a tábua de maré e fica interditada na temporada de chuvas, de abril a junho.
– As condições marítimas descritas nessa matéria se referem ao período em que o Viagem em Pauta esteve na ilha, quando o Mar de Dentro estava “deitado”, expressão usada para se referir às águas calmas, e o de Fora se encontrava ”virado”. De acordo com a época do ano, as situações em ambos lados da ilha podem ser inversas.
– O serviço obrigatório de guias pode ser contratado nas agências locais ou, diretamente, com guias locais cadastrados.