Viajar de avião em pé pode virar realidade muito em breve

Assentos verticais prometem passagens mais baratas em rotas curtas, mas ainda precisam convencer reguladores e, principalmente, passageiros

30/05/2025 15:28

Viajar de avião em pé já foi meme, piada de CEO e até fake news, mas a brincadeira começa a ganhar contornos de plano de negócios. Nas últimas semanas, a empresa italiana Aviointeriors voltou a exibir o Skyrider 2.0, uma espécie de “selim” preso do chão ao teto que deixa o passageiro quase ereto –e abre espaço para 20% mais passageiros na mesma fuselagem.

A promessa soa tentadora para quem põe preço na frente de conforto: bilhetes de € 10 ou até £ 1, sonha Michael O’Leary, chefe da Ryanair e grande garoto-propaganda da ideia desde 2010.

Os passageiros ficam praticamente de pé durante o voo
Os passageiros ficam praticamente de pé durante o voo - Divulgação/Aviointeriors

Mesmo negando planos imediatos, a low cost irlandesa mantém o tema no noticiário — e, de quebra, mede o interesse do público.

Do ponto de vista de marketing, funciona: toda vez que o projeto reaparece, redes sociais entram em combustão. Mas, desta vez, há um cronograma na mesa: fabricantes e algumas companhias apontam 2026 como data-alvo para voos de teste em rotas europeias de até duas horas.

Como a ideia de viajar de avião em pé saiu do papel?

O conceito de viajar de avião em pé nasceu nos anos 2000, foi engavetado, reapareceu em 2018 na feira Aircraft Interiors Expo e voltou com upgrades de engenharia pós-pandemia.

Empresa diz que assentos “em pé” devem aumentar a capacidade das aeronaves em até 20%
Empresa diz que assentos “em pé” devem aumentar a capacidade das aeronaves em até 20% - Divulgação/Aviointeriors

A versão 2.0 trocou trilhos por barras verticais, reforçou o cinto tipo “arnês” e reduziu o peso do conjunto à metade de uma poltrona tradicional, ajudando a cortar combustível paxnews.com. No desenho atual, o pitch cai para 58 cm, contra os 71 cm já apertados do “econômica” padrão.

Segurança não tira folga

Para voar, porém, não basta caber: cada assento precisa sobreviver a testes de impacto de 16 g –exigência replicada por FAA, EASA e pela brasileira Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no RBAC 121.

A Aviointeriors garante que o Skyrider já passou por provas de evacuação em 90s e pelos ensaios dinâmicos preliminares Blue Marine Travel, mas os reguladores europeus e norte-americanos ainda não concederam certificação formal. Analistas lembram que, até hoje, nenhuma autoridade diz ter mudado de posição: sem selo de segurança, nada de embarque.

Outra frente de debate é a saúde dos passageiros. Médicos alertam para risco de trombose em posturas que restringem circulação; ergonomistas questionam o esforço nas pernas num voo turbulento. Por isso, fabricantes falam em limitar o uso a trajetos de no máximo 120 minutos.

Quanto a tarifa pode cair

Se cabem 20% mais passageiros, a matemática da low cost fecha com folga. O custo por assento-milha despenca e abre margem para bilhetes ultrabaratos — pelo menos no bilhete base, já que bagagem, marcação de lugar (sentado!) e até banheiro continuam cobrados à parte.

Uma análise do site Euro Weekly News calcula economia de até € 15 por trecho curto, suficiente para disputar mercado com trem de alta velocidade em trajetos como Roma–Milão.

Além da passagem, há ganho secundário: o conjunto leve poupa querosene e reduz emissões, tópico caro às metas ambientais da aviação.

E se a moda chegar ao Brasil?

Nenhuma companhia brasileira confirmou interesse nessa modalidade de “viajar de avião em pé”, mas a hipótese não é descartada. A ANAC afirma que ainda não recebeu pedido de certificação específico para assentos verticais. Se chegar, terá de cumprir o mesmo RBAC 121 e provar, entre outros pontos, evacuação em 90 s com metade das saídas bloqueadas.

Assentos de avião para viajar ‘em pé’ podem virar realidade logo
Assentos de avião para viajar ‘em pé’ podem virar realidade logo - Divulgação/Aviointeriors

No mercado doméstico, apenas rotas de ponte aérea ou trechos regionais curtos –tipo Brasília-Goiânia ou Recife-Maceió– se encaixariam no limite de duas horas. Para as empresas, a equação só fecha se o passageiro topar trocar conforto por preço agressivo. Já viu brasileiro abrir mão do assento reclinável quando o voo atrasa?

Ficar em pé vale a pena?

A resposta divide especialistas. Para quem viaja leve, tem bom condicionamento físico e prioriza o bolso, pode ser negócio — pense na vibe “lotação” ou no vagão sem assento do metrô. Por outro lado, famílias com crianças, pessoas idosas ou de mobilidade reduzida ficariam automaticamente fora do novo “tarifário em pé”.

Há também o fator percepção: pesquisa interna de uma grande low cost europeia (não divulgada, mas citada pela imprensa especializada) mostra que 62 % dos entrevistados rejeitam a ideia, mesmo com desconto de 50 % no bilhete Travel Weekly. O desconforto, portanto, tem preço — e talvez limite o nicho a viajantes mochileiros ou a quem topa qualquer perrengue por um city-break de fim de semana.

O que vem a seguir

Fabricantes precisam concluir os testes de certificação ainda em 2025 para manter o cronograma. Paralelamente, EASA estuda criar uma categoria de “assento vertical” nas normas CS-25, o que pode abrir brecha regulatória. Nos Estados Unidos, o FAA não sinaliza mudança, mas costuma aceitar equivalência quando a Europa aprova primeiro.

Enquanto as agências debatem e as redes sociais protestam, o passageiro comum segue apertando o botão para mover o encosto — aquele mesmo que precisa ficar na vertical na decolagem e na aterrissagem. Se depender das low costs, talvez em breve ele nem exista. E aí, vai encarar viajar de avião em pé?