Canções de ninar de todos os povos estarão expostas no Museu da Imigração em SP
O VilaMundo é uma iniciativa do Instituto Acqua, em parceria com a Catraca Livre
A Mátria – Êxodos Contemporâneos é o nome da experiência imersiva de arte multimídia das artistas Eva Castiel, Fanny Feigenson e Fulvia Molina, que acontece no Museu da Imigração a partir de 23 de outubro. As artistas reuniram canções de ninar do mundo, entoadas em suas línguas de origem materna, estabelecendo o elo afetivo fundamental entre mães e filhos e chamando a atenção sobre as migrações como um fenômeno contemporâneo, no olhar e sentimento das mulheres.
Mátria, cujo conceito é intrinsecamente ligado às origens, histórias e antepassados de todos nós, é composta de uma instalação sonora e um vídeo. Constituída de mais de uma dezena de caixas de som espalhadas pelos jardins do entorno do museu, a instalação sonora reproduz, continuamente, canções de ninar – originárias de Portugal, Argentina, China, Japão, Espanha, Itália, Hungria, Brasil, e nossa Amazônia –, entoadas em suas línguas de origem materna, inclusive em iídiche, por mulheres contemporâneas, gravadas especialmente para o projeto.
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“Muitas das músicas são apenas cantadas entre os dentes: O sono vem com o ritmo sozinho e a vibração da voz nesse ritmo’’, afirma o curador Márcio Seligman-Silva no texto de apresentação e, citando o poeta espanhol Federico García Lorca, destaca que as canções de ninar têm uma origem popular entre mulheres que sentem a maternidade como um desafio diante de sua pobreza contínua. “As letras das canções vão contra o sono e seu rio tranquilo. O texto provoca na criança emoções e estados de dúvida, terror, contra os quais a mão borrada da melodia tem que lutar, penteando e domando os cavalos empinados que esvoaçam nos olhos da criatura.”
O medo é tema nestas canções, despertado na criança através de personagens como o “bicho papão”, e “empurra-a para o mundo do sono, na sua busca por proteção. Também as suas mães foram empurradas de suas pátrias. Também elas buscam, aqui, construir uma Mátria entre nós”.
Já o vídeo, com o depoimento da jovem universitária venezuelana Saray, que descreve as agruras pelas quais passou – teve que parar os estudos, vender tudo que tinha, para poder sobreviver, até o desafio de migrar para um país estranho – será exibido em looping, em uma instalação na antiga plataforma ferroviária, aonde chegavam os imigrantes que vinham do Porto Santos. Ela fez parte, com seu marido, do primeiro grupo de venezuelanos que chegou a São Paulo, em 2019, através da Missão Paz.
A exposição será inaugurada em 23 de outubro e ficará em cartaz até 26 de dezembro, no Museu da Imigração, edifício no qual funcionou por quase um século (1887 – 1978) a Hospedaria de Imigrantes do Brás, que fazia o acolhimento dos imigrantes que chegavam a São Paulo. Desde 1993, a instituição preserva a história dessas pessoas e fomenta o diálogo sobre as migrações como um fenômeno contemporâneo. “Toda a arte que se põe no mundo é política”, afirma Fulvia sobre Mátria – nome que presentifica o universo cultural, afetivo, subliminar, maternal, feminino da terra-mãe e faz um contraponto com pátria, que remete, subliminarmente, ao poder territorial, armado, colonialista, essencialmente masculino. O olhar para o outro, como mulheres, que sofrem preconceito e discriminação (de gênero, etnia e religião), é refletido no conceito da mostra, cujo propósito é o resgate, com foco na mulher migrante, da memória afetiva e da importância da mulher nas migrações, um processo sempre difícil, realizado em meio às incertezas e à dor de deixar para trás família, língua, costumes e, levando consigo a prole, a enfrentar preconceitos e o desafio de fazer a travessia para um novo ambiente físico, econômico e cultural. “Nos unimos através do viés da estrangeira. Não somos de nenhum lugar, somos de nós mesmas”, afirmam as artistas, que juntas, em 2019, apresentaram a exposição [IN]VISÍVEIS – Polacas: Memória e Resistência, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo – também sob a curadoria de Seligmann-Silva, sobre o destino de jovens mulheres traficadas para a América.
No perfil da exposição no Instagram @expomatria as artistas convidam os internautas a gravarem as canções de ninar que marcaram suas infâncias para geração de uma exposição virtual aberta a todos.
A imigração no Brasil
A população brasileira tem suas origens na imigração, como se nota nos nomes, nos costumes, na gastronomia e nas concentrações das diferentes nacionalidades em seus bairros – como na Liberdade, com os japoneses, e o Bom Retiro, no início com os imigrantes espanhóis e italianos, seguidos de judeus e agora com os coreanos e bolivianos, para citar apenas dois. Na atualidade, a imigração passa por uma grande mudança e, ao invés da imigração de populações do norte, tem predominado a parcela de imigrantes do Sul Global, com a vinda de senegaleses, angolanos, haitianos, congoleses, venezuelanos, entre outros. Entre 2011 e 2019, segundo o relatório do Observatório das Migrações Internacionais, recebemos no Brasil 1.085.673 imigrantes. Outra mudança observada é que nos últimos cinco anos da década passada houve um aumento da imigração feminina, com destaque para paraguaias, venezuelanas, haitianas e cubanas. De acordo com a ONU, no mundo, entre os que trabalham e vivem fora de seu país, 272 milhões (47,9%) são mulheres. Entre 2010 e 2019, 688.367 mulheres imigrantes se estabeleceram no Brasil. Mas elas sofrem discriminação tanto para conseguir trabalho digno como na sua remuneração. Elas ainda são submetidas a uma máquina econômica que tende à reprodução de papéis de gênero no campo laboral. Essas imigrações têm em sua origem seja questões econômicas, seja uma situação política que produziu um deslocamento forçado”, explica o curador Márcio Seligmann-Silva, tradutor, teórico e crítico literário, professor na UNICAMP, ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura em 2006 e finalista na mesma premiação em 2000.
Sobre as artistas
Eva Castiel. Artista multimídia, iniciou sua formação artística no final dos anos 70, sob orientação de Anna Barros, Carmela Gross e Carlos Fajardo. Nos anos 90, estuda com Menashe Kadishman em Nova York. Realizou diversas exposições individuais no Brasil e em países como Alemanha, Israel, Inglaterra, Hungria, Estados Unidos e China, entre elas: Em si, na Biblioteca Mário de Andrade; Feelings não têm fronteiras, na Galeria Mônica Filgueiras; Infinita, na Valu Oria Galeria; e Kalk, na Galeria Barsikow. Participou de várias exposições coletivas, entre elas: Corpoinstalação, no SESC Pompéia; Paralela Bienal de São Paulo; (in)corporatura, na Galeria Mônica Filgueiras; e São Vito no Arte Cidade Zona Leste. Em 2018, lançou o livro Estrangeira’, sua primeira monografia, em que percorre cronologicamente desde as instalações mais recentes até as pinturas dos anos 80.
Fanny Feigenson graduou-se em Comunicação e Artes pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1974), onde também fez seu mestrado em Comunicação e Artes (1996), sob orientação de Teixeira Coelho e doutorado em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (2003), sob orientação de Carlos Fajardo, que resultou na instalação Cerejas e Framboesas, no Centro Universitário Maria Antonia, da USP. Entre várias exposições no Brasil e Alemanha, ganhou um prêmio na Bienal da Sérvia em 2004, com um vídeo que questiona a Morte. Participou no mesmo ano da Arco, em Madri, pela galeria Valu Oria, local que abrigou sua mostra individual SexShop. Em 2008 desenvolve o conceito da loja de design Chic lab de criação. A exposição Harpias XXI, de 2018, participa da coletiva com as também artistas e professoras da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Maria Augusta Pisani, Ruth Verde Zein e Ana Gabriela Gordinho Lima, no Centro Histórico e Cultural Mackenzie (CHCM). Em 2019 inicia um estágio pós doutoral na PUC/ SP no grupo de subjetividade da Pós-graduação em Psicologia Clínica, com supervisão de Peter Pal Pelbar. Atualmente é professora no curso de Design e de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e desenvolve trabalhos de Arte nas áreas Moda, Design, Instalações e Intervenções Públicas. Lançou ainda o livro Ventania Solar, Pós Doc 2021
Juntas, Eva Castiel e Fanny Feigenson participaram de diversas mostras, como A oeste o muro, que ocupou a Capela do Morumbi, em São Paulo, e foi exibida em Berlim e Colônia, na Alemanha, em 1998, Genius Loci no Instituto Maria Antônia, em 2002, e a participação na Paralela Bienal de São Paulo, 2006. A instalação e Intervenção sonora Por 1 Triz foi realizada no Ateliê de Fanny e no Museu Judaico de São Paulo, em 2016. Em Polacas, Memória e Resistência, na Oficina Oswald de Andrade, no ano de 2019, Eva e Fanny se uniram à Fulvia Molina.
A artista Fulvia Molina, nascida em Jeriquara, SP, em 1945, tem sua atenção voltada à memória política e social do país, principalmente nos aspectos ligados à violação dos direitos humanos, à condição feminina, à exclusão social e à migração. É Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP, fez residência artística na Faculdad de Bellas Artes da Universidad Politécnica de Valencia, Espanha, no Centre de Diffusion Press Papier de Québec, Canadá, e no Frauen Kunst Forum em Hagen, Alemanha.
Vivendo e trabalhando em São Paulo, tem participado de exposições internacionais em Berlim, Essen, Hagen, Québec e Madrid, entre outras cidades, como as exposições MemoriAntonia (Centro Universitário Maria Antônia, 2004); A Alma dos Edifícios (Salão Negro, Congresso Nacional, Brasília, DF, 2004); Zwischen Revolution und Revolte: 1968 in Latinamerika (Ibero-Amerikanischen Institut, Berlim, Alemanha, 2008) , Hiatus: Arte, Memória e Direitos Humanos na América Latina (Memorial da Resistência-Estação Pinacoteca, 2018), [IN]VISÍVEIS – Polacas: Memória e Resistência (Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo, 2019).
Serviço:
Mátria – Êxodos Contemporâneos
Instalação no Museu da Imigração – de Eva Castiel, Fanny Feigenson e Fulvia Molina
De 23 de outubro a 26 de dezembro de 2021
Museu da Imigração
Rua Visconde de Parnaíba, 1.316 – Mooca – São Paulo/SP
Tel.: (11) 2692-1866
Funcionamento: de terça a sábado, das 9h às 18h, e domingo, das 10h às 18h (fechamento da bilheteria às 17h).
R$10 e meia-entrada para estudantes e pessoas acima de 60 anos | Grátis aos sábados
Acessibilidade no local – Bicicletário na calçada da instituição
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