Pastor Hermes Fernandes: crítico ferrenho de religiosos fundamentalistas
Pastor Hermes Fernandes acredita que o púlpito da igreja não é lugar de fazer campanha eleitoral
Em 2018, diante da iminência de um país que elegeria Jair Messias Bolsonaro como próximo presidente, e inconformado com o grande apoio de igrejas evangélicas ao político, pastor Hermes Fernandes escreveu uma carta aberta. No texto, ele questionou o que estaria por trás do discurso ultraconservador do então candidato e responsabilizou os pastores bolsonaristas: “O sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos”, escreveu.
Ao longo de mais de 30 anos de ministério, pastor Hermes diz que seu maior desafio é não se deixar corromper pelo poder
Aos 50 anos, o pastor que também é psicólogo, escritor e está à frente da Igreja Comunidade Reina, em Engenho Novo, no Rio de Janeiro, acredita que o púlpito da igreja não é lugar de fazer campanha eleitoral para quem quer que seja, mas sim de se fazer política em seu sentido mais amplo.
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“Nenhum líder religioso tem procuração para pensar e decidir pelos seus fiéis. Seu dever é investir na autonomia de pensamento, incentivando-os a cultivar um olhar crítico do cenário político e de seus atores. Mas jamais apontar candidatos ou negociar os votos de seus fiéis. Quem assim o faz, trai a Cristo e os interesses de sua comunidade”, diz.
Nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, neto e filho de pastores, ele tem se dedicado ao ministério pastoral desde os 17 anos e, sentiu sua missão ganhar novo rumo, a partir do nascimento de uma de suas três filhas. “Meu ministério sofreu uma guinada quando tive uma filha especial, Rayane, que me levou a rever muitos dos meus conceitos e valores, bem como a questionar alguns dos dogmas da igreja”, conta.
Bem articulado, pastor Hermes chama atenção por sua visão progressista sobre o evangelho. Ele é um ferrenho defensor dos direitos humanos, da democracia e do Estado laico e, muito coerentemente, não se exime de fazer críticas ao fanatismo religioso, conservadorismo, intolerância e também à política. Para ele, é papel da igreja oferecer um ponto de vista crítico às injustiças sociais e cobrar para que o Estado garanta o bem comum:
“A igreja tem um papel profético a cumprir que é o de denunciar os abusos do poder, a corrupção, os jogos de interesses e cobrar do Estado o cumprimento do seu papel na promoção do bem comum, na distribuição equitativa de suas riquezas, na garantia e preservação de direitos e na administração honesta da coisa pública. Para manter sua isenção profética, líderes religiosos jamais deveriam assumir qualquer compromisso político-partidário. Caso contrário, a igreja terá que ser conivente com os que estiverem no poder, fazendo vista grossa a seus desmandos e arroubos autoritários”, explica.
Ele não teme as polêmicas quando o objetivo é gerar reflexões e garantir um olhar humano àqueles que mais precisam de apoio. Acha que manter determinados temas na marginalidade e clandestinidade é contraproducente e até hipócrita, pois não é aceitável fazer vista grossa ao sofrimento desumano a que tantos são submetidos quando destinados à margem da sociedade.
“A descriminalização das drogas, o aborto, os direitos dos homossexuais e prostitutas não podem ser mantidos na penumbra, varridos para debaixo do tapete dos falsos escrúpulos e da religiosidade de fachada. Enquanto mantemos nosso discurso anacrônico, as clínicas clandestinas de aborto se multiplicam, o narcotráfico fica cada vez mais poderoso, a prostituição segue galopante e os homossexuais se distanciam cada vez mais da mensagem do evangelho por nos considerarem seus arqui-inimigos”, afirma.
Para ele, líderes religiosos comprometidos com pautas sociais e identitárias devem conduzir seu povo a uma reflexão sincera e honesta que não recorra a clichês, nem reforcem estereótipos. “Dogmas precisam ser contextualizados. Doutrinas devem ser revistas à luz da própria evolução do pensamento”, diz.
Segundo ele, por motivações políticas, pastores fundamentalistas usam e abusam de pautas morais e de costumes e, ao invés de atacar a raiz do problema, atacam suas consequências.
“Em vez de atacar a desigualdade social que produz a violência, apoiam o genocídio da população negra. Antes se dizia que bandido bom é bandido convertido ou ressocializado. Hoje dizem que bandido bom é bandido morto. Em vez de atacar a cultura de estupro, atacam quem recorre ao aborto para se livrar do fruto da violência sexual. Em vez de atacar o preconceito contra a população LGBTQI+, opõem-se ao que chamam de “ideologia de gênero”, disseminando fake news como a que diz que professores estariam ensinando alunos a se masturbarem. E por aí vai… Tudo não passa de política e projeto de poder”, diz.
Bastante preocupado com questões sociais, realiza através de sua igreja – com apoio de fieis – um trabalho intenso junto à população do ex-aterro sanitário de Jardim Gramacho, distribuindo cestas básicas, roupas, calçados, brinquedos e material escolar para mais de cem famílias todos os meses. “Durante a pandemia, intensificamos o trabalho incluindo material de prevenção ao Covid-19, como máscaras e álcool em gel, além de produtos de higiene pessoal”, diz.
Como psicólogo e escritor, também desenvolve um trabalho de conscientização contra a intolerância religiosa. É autor de mais de cinquenta livros, dentre eles, “Intolerância Zero” que já vai para a sua segunda edição – e o mais recente: “Homossexualidade: Da sombra da lei à luz da graça” no qual aborda a temática de maneira franca e honesta, sem preconceito e discriminação.
Ao longo de mais de 30 anos de ministério, pastor Hermes diz que seu maior desafio é não se deixar corromper pelo poder.
“Não é fácil sofrer o assédio de gente poderosa (e asquerosa), oferecendo-nos mundos e fundos, e ainda assim, manter-nos coerentes com os nossos princípios éticos que norteiam o nosso ministério. Mas até aqui, Deus nos tem dado força para resistir. Nada do que fazemos tem vinculação política. Nosso compromisso é, antes de tudo, com a nossa consciência e com o poder genuinamente subversivo do evangelho de Jesus. Minha alma não está etiquetada. Quem tem preço, abriu mão do valor”, finaliza.