Festival BR135 ocupa centro de São Luís conectando música, afeto e ancestralidade

Tem lugares que, quando a gente vai, um pedacinho fica. São Luís é definitivamente um desses lugares. Ainda que eu não tenha me banhado no mar ou ido até os Lençóis, bastou a conexão entre almas, embalada pela música, para que a cidade ganhasse meu coração para sempre.

Jamaica brasileira sim, ilha do amor com certeza. Não por acaso o Festival BR135 é um dos meus favoritos por esse Brasilzão. Um respiro antes do ano acabar, ali está uma oportunidade de ver a cultura de rua e a música da cidade se mostrando em toda sua beleza.

BR135 volta a ocupar o centro de São Luís, desta vez em edição instrumental
Créditos: Laila Razzo
BR135 volta a ocupar o centro de São Luís, desta vez em edição instrumental

De graça, embrenhado pelas ruas e praças do centro histórico, se misturando com o patrimônio arquitetônico mais rico e preservado que se pode pensar, o BR consegue inovar sempre. Sob o comando certeiro de Lu Simões e Ale Muniz, com uma equipe de milhões que a cada ano mostra mais ainda a que veio, o festival é um abraço.

Nesta terceira passagem pela cidade, mais uma vez fui surpreendida pela programação, desta vez toda dedicada à música instrumental. Ainda que pesquise diariamente novos sons e propostas dentro da música brasileira, é no BR que me deparo com nossa riqueza – e quantas descobertas!

A programação pulsante não passa nem perto dos lugares-comuns dos festivais que se constroem ao longo do ano. Sem o comprometimento com a venda de ingressos, o line up transita livremente para entre o ancestral e o transcendental.

A festa evoca as tradições, os quilombos, as resistências, enquanto abre espaço para o experimental e para as trocas. Presença garantida em muitas edições e literalmente a cara desta de 2022, o personagem cazumbá, do bumba-meu-boi, deixou sua marca brincante enquanto desfilava com cazumbinha entremeando público e palco.

Créditos: laila razzo

Uma noite que começa com toda a sabedoria do DJ Doctor Reggae e segue com o Bloco Afro Akomabu, o primeiro de resistência negra da cidade, emanando a potência de seus 38 anos de história, e abre caminhos para o primeiro show da orquestra de acordeons Sanfônicos.

Neste ano, a performance ficou por conta do coletivo Maranhão Kunty e uma apresentação que levou a cultura ballroom e o vogue para a praça. Revistas de moda exibindo o padrão em punho, bateção de cabelo. A categoria é representatividade.

Coletivo Maranhão Kunty em performance de ballroom
Créditos: Laila Razzo
Coletivo Maranhão Kunty em performance de ballroom

De São Paulo, veio a psicodélica Ema Stoned, deixando a praça em transe. Um power trio formado por mulheres que transitam entre o jazz, o indie rock, noize e improvisações. Já a Nômade Orquestra teve a prova de que o maranhense ama reggae. Com o último álbum totalmente dedicado à cultura jamaicana, a big band dominou o palco e garantiu o baile – coladinho, claro!

Ema Stoned mandando ver nas psicodelias
Créditos: Laila Razzo
Ema Stoned mandando ver nas psicodelias

Camarones Orquestra Guitarrística fechou a noite com uma porrada na plateia que formou rodas enquanto nem as cordas das guitarras aguentavam o peso do som. Ana Morena dominando o baixo, Anderson Foca esmerilhando duas cordas, Capile e Yves segurando a cozinha é uma performance musical que você precisa ver!

Se cazumbá não deixava esquecer que preciso voltar para a festa do bumba-meu-boi, o Tambor de Crioula Brinquedo de São Benedito lembrava que a ancestralidade estava intrínseca naqueles metros quadrados de história.

Tambor de Crioula Brinquedo de São Benedito

De um lado os tambores deram o tom, do outro foram os metais que ecoaram. O recente projeto de Lu Simões, Las Pupilas Dilatadas, levou as mulheres ao palco com sopros de renovação. Experimentando a mistura do eletrônico e do reggae, abriram os trabalhos para o Samambaia Jazz Trio fechar as apresentações maranhenses no festival.

Lu Simões encarna Lu del Fuego acompanhando Las Pupilas Dilatadas

Mas foi a Parahyba Ska Jazz Foundation que deixou o chão do palco molhado de suor depois de 40 minutos de pura energia. A sensação era que o público tinha dobrado de tamanho, ocupando a praça em clima de baile.

Parahyba Ska Jazz Foundation

Do Pará, vieram Layse e os Sinceros, com o brega que cura onde dói ecoando no centro de São Luís. A banda de desdobrou ainda em outra apresentação que certamente fica para a história, formando o Clube da Guitarrada que acompanhou os mestres Curica e Aldo Sena na apresentação final deste BR135.

Mestres Curica e Aldo Sena com o Clube da Guitarrada

Como disse Aurea Maranhão, desta vez comandando as apresentações no palco, fica a meta de vida de ter a energia de Mestre Curica, aos 71 anos, no palco. Objetivos traçados, podemos seguir reenergizadas para esse fim de ano. Se eu pudesse dar um conselho seria: se programe para 2023. Vai valer cada segundo!