Lei de importunação sexual foi mais acionada no mês do Carnaval
Primeiro ano da legislação fez crescer denúncias, mas número ainda é menor do que a realidade de ocorrências
No dia 24 de setembro de 2018, foi sancionada a lei 13.718/18, que criminaliza a importunação sexual. Encoxadas não desejadas, beijos roubados, ejaculação em corpos de terceiros sem permissão e outros atos libidinosos contra alguém e sem consentimento, passaram a ser punidos de 1 a 5 anos de reclusão. No Carnaval, ações como essas costumam ser mais naturalizadas e o deste ano será o segundo com a norma em vigor.
O Carnaval de 2019, portanto, foi o primeiro em que a lei estava implementada. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o mês de março, período em que aconteceu a festa, foi o que mais registrou ocorrências do crime no Estado: 319 no total. No Rio de Janeiro, de acordo com as informações do Instituto de Segurança Pública (ISP), foram computados 122 casos durante o mês, mas apenas 15 de 1º a 6 de março, intervalo em que ocorreu o Carnaval. Conforme o levantamento do G1, o crime de importunação sexual também foi registrado em outros 12 estados do Brasil nos seis dias de folia, como Minas Gerais (41), Pernambuco (8) e Bahia (6).
Entre setembro de 2018 e o mesmo mês de 2019, totalizando um ano da criminalização da importunação sexual, São Paulo registrou 3.090 ocorrências. Segundo o Tribunal da Justiça do estado paulista, de outubro de 2018 para setembro 2019, houve 67 autos de prisão em flagrante, 52 ações penais, 16 inquéritos policiais e 5 medidas protetivas de urgência ligados a importunação sexual. Nos quatro primeiros meses de vigência da norma, não houve registros. Já o Rio de Janeiro computou mais de 156 casos de setembro de 2018 a junho de 2019, de acordo com o Tribunal de Justiça fluminense.
As ocorrências registradas, no entanto, são menores do que o número real de casos. Em 2019, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou a pesquisa Visível e Invisível, que busca informar sobre a percepção da violência contra a mulher. Nesse estudo, foram divulgadas perfis das vítimas, as formas de agressão mais comuns e as atitudes tomadas frente à violência. Um dos dados divulgados foi de que, dentre as mulheres mais afetadas, as jovens são as mais vulneráveis e mais de 50% permanece em silêncio.
“O silêncio é um dos fatores que representa o baixo índice [de casos registrados], porque para além da necessidade do reconhecimento de um crime e a previsão de sua punição, é preciso criar um ambiente em que as vítimas não sejam culpabilizadas e tenham suas vozes reconhecidas”, afirma Fabíola Sucasas, Promotora de Justiça do Estado de São Paulo.
Segundo a Promotora, há diferentes razões para não ocorrerem as denúncias. “O silêncio pode representar medo de ser estigmatizada e ter sua conduta moral colocada à prova, vergonha, falta de crença nas respostas institucionais, falta de conhecimento em relação ao procedimento, ou até mesmo o não reconhecimento de que sofreu uma violência, por acreditar que aquela conduta é banal ou insignificante, romântica, patologizante ou que faz parte da cultura”, explica.
Ainda assim, ela frisa que é essencial tocar nessa ferida e que deve-se admitir que o assédio é, infelizmente, parte da cultura do país. “A questão está em deixar de problematizar essa realidade, pois contribui para a desigualdade, isolamento social e adoecimento”, assegura.
A importância da norma de importunação sexual, portanto, é clara. Como sua implementação determina que atos libidinosos contra terceiros e sem consentimento não serão mais tolerados, as mulheres se sentem mais escutadas e seguras de que não haverá impunidade para tais comportamentos.
“A lei preenche um vácuo legislativo, aplaca a impunidade de abordagens sexuais não consentidas e vistas como banais pela sociedade brasileira, problematiza abordagens violentas tidas como parte da masculinidade, questiona a cultura do estupro, educa e conscientiza sobre os perigos dos estereótipos de gênero, provoca reflexões sobre o que é consentimento, proporciona conhecimento estatístico para estabelecer novas políticas públicas, incentiva o rompimento de silêncio e aumenta as denúncias, além de prevenir a violência sexual de um modo geral como nas ruas, festas, bailes funk e até no Carnaval”, conclui Fabíola.