Memórias da Síria incentivaram refugiada a empreender no Brasil

Há seis anos no Brasil, a professora Muna Darweesh resgatou tradições da cozinha árabe para pagar as contas e recomeçar a vida

“A pessoa que foge da guerra não consegue trazer bens materiais, mas leva consigo memórias”, assim a síria Muna Darweesh, de 38 anos, define não apenas sua trajetória mas também a de outros 70 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas seja pela guerra, por questões políticas, econômicas ou pela orientação sexual atualmente, segundo dados do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).

Formada em literatura inglesa, Muna chegou ao Brasil em 2013 junto com o marido e os quatro filhos pequenos para viver em São Paulo. “Meu marido era engenheiro naval na Síria, e eu, professora de inglês. Mas não conseguimos trabalho por causa da revalidação do diploma e precisávamos de alguma coisa rápida para conseguir viver. Para continuar a vida.”

Deixaram Lataquia, cidade ao oeste da Síria, uma das muitas atingidas pelo conflito que, há oito anos, já obrigou cerca de 5,6 milhões de pessoas a buscarem refúgio mundo afora.

Das recordações dos mais de 30 anos vividos na Síria, Muna encontrou forças para recomeçar. Nos ensinamentos da cozinha, através das raízes milenares da gastronomia árabe, encontrou o caminho para empreender.

“Comida para dois é suficiente para três, e comida para três é suficiente para quatro”, frase do profeta Maomé traduz sentimento de coletividade à mesa da cultura árabe, conta Muna, síria que hoje mora no Brasil – Pulsa/Reprodução 

Começou a vender doces pela região da rua 25 de Março e da rua Santa Ifigênia, no centro, inicialmente, para comerciantes árabes_já que na época não falava português.

Com o sucesso dos primeiros meses da empreitada, Muna foi aconselhada a ampliar o cardápio de opções e, assim, passou a investir em novas receitas, como quibes, esfirras, falafel e charutos de folha de uva. “Eu amo cozinhar e descobri que os brasileiros adoram a comida árabe. Foi o que eu precisava para ajudar a sustentar minha família.”

Das ruas para as redes sociais 

Após algum tempo vendendo comida pelas ruas de São Paulo, o negócio de sucesso da ex-professora de inglês ganharia um espaço promissor. Desta vez, nas redes sociais, com o lançamento da marca Muna – Memórias & Sabores árabes. 

Nesta nova fase, Muna contou com o apoio de diferentes grupos: entre os próprios sírios, coletivos feministas e grupos de pequenos empreendedores, quando aprendeu as primeiras lições para administrar suas vendas na internet.

Hoje, Muna trabalha sob encomenda para eventos e feiras, preparando receitas árabes, onde conquistou o reconhecimento do público. Mais que pagar as próprias contas de casa, o trabalho da refugiada síria a projetou para um protagonismo entre empreendedores refugiados.

Reviver as memórias do passado faz parte dos planos de Muna para o futuro. Ao menos é o que pretende ao idealizar o sonho de abrir o próprio restaurante. “Faz parte da nossa cultura preparar grandes mesas. Na Síria, todas as sextas, reuníamos nossos familiares e servíamos um grande banquete. Por isso gosto muito de preparar diversos pratos e reunir um grande número de pessoas. É um jeito de reviver nossa cultura aqui.”

Empreendedorismo como alternativa para refugiados

O estudo Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil, divulgado em maio deste ano pelo Acnur e pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), detalha a relação dos estrangeiros com o mercado de trabalho.

Participaram da enquete 487 refugiados de oito estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Distrito Federal e Amazonas).

A pesquisa identificou que 57,5% dos entrevistados trabalham, 19,5% estão à procura de emprego e 5,7% não estão empregados nem procurando emprego.

A vontade de investir em um projeto empreendedor foi outro elemento trazido pela equipe de pesquisadores. Essa disposição foi afirmada por 79,3% dos entrevistados. Os impedimentos para empreendeer no país são a falta de recursos financeiros (78,2%), a falta de apoio técnico (24,3%) e o desconhecimento de procedimentos burocrático-legais sobre como abrir um negócio (19,7%).