Daniel Becker: ‘As crianças brasileiras são mais educadas por publicitários do que por professores’
Como vivem as crianças e suas famílias? O que determina seus hábitos de consumo? Qual é o impacto da publicidade? A trajetória profissional do médico pediatra Daniel Becker, do Rio de Janeiro, permitiu que ele acompanhasse de perto a força dos apelos para o consumo sobre crianças, adolescentes e suas famílias. Também palestrante e consultor, o médico escreve na página Pediatria Integral sobre questões como saúde, desenvolvimento saudável, alimentação, mídia, comportamento, relacionamento entre pais e filhos, e também sobre consumismo. Na entrevista para o portal Rebrinc – Rede Brasileira de Infância e Consumo, Daniel Becker fala sobre do poder da publicidade sobre adultos e crianças.
Rebrinc: Como você avalia o poder da publicidade sobre as famílias?
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Daniel Becker: A publicidade é um dos maiores condicionantes do comportamento humano, nos dias de hoje. Ela também tem influência sobre os valores morais que conduzem o comportamento individual e coletivo na nossa sociedade. Ela é muito prevalente na vida das famílias, principalmente das que assistem muito à TV e que são ainda a maioria no país. Crianças brasileiras assistem cinco ou cinco horas e meia por dia porque passam pouco tempo na escola. São mais educados por publicitários do que por professores. Isso é incrível! E as famílias em geral passam também muito tempo na televisão, seja TV aberta ou TV por assinatura, ambas repletas de publicidade.
Rebrinc: E a publicidade está cada vez mais presente na vida das pessoas
Becker: A publicidade é onipresente nas ruas, nos jornais e na mídia impressa e eletrônica. Ela é muito poderosa e inteligente e se sofistica cada vez mais, agora usando ferramentas da neurociência, como o neuromarketing. Ela utiliza muito o merchandising, e na sua forma mais moderna que é profundamente disseminada nas redes sociais. Está oculta e eclipsada por nós mesmos como novos “marqueteiros” involuntários. Estava escrevendo sobre isso outro dia e fui verificar nas páginas de grandes marcas e empresas, como refrigerantes, fast food e bancos. As suas páginas no Facebook têm milhões de seguidores. Isso significa que nos tornamos anunciantes dessas marcas, nos tornamos publicitários involuntários pela adesão que a gente tem a elas e pela possibilidade delas usarem nossos nomes para fazer propaganda. Uma outra forma de propaganda oculta, muito frequente e eficaz, são os vídeos bonitinhos vinculados a algum tipo de marca. São vídeos emocionantes e que viralizam, sendo vistos por milhões de pessoas. E é claro que a gente vê o vídeo e a marca de refrigerante está lá também. E a gente até se emociona e compartilha, esquecendo o mal que esses produtos fazem para as crianças e os adultos, como obesidade, diabetes, câncer e outros problemas.
Rebrinc: Se a publicidade já exerce tanto poder sobre os adultos, o que dizer da publicidade infantil?
Becker: A publicidade infantil é mais perversa, pois é dirigida para crianças que são seres que ainda não têm capacidade de discernimento e que misturam fantasia com realidade. As crianças recebem as mensagens publicitárias de forma acrítica, (como aliás muitos adultos também o fazem, infelizmente). As crianças são completamente incapazes de discernir e por isso a publicidade dirigida a elas é covarde. Ela apela geralmente à fantasia e ao amor das crianças por personagens. Os anúncios usam situações como a convivência familiar, o brincar com o amigo, o jogar bola, o contato com a natureza para vender produtos que caminham na direção oposta a esses valores. Usam a família, a natureza e a saúde quando, na verdade, estão vendendo produtos intoxicantes, açucarados em excesso, com conservantes, corantes, edulcorantes, espessantes… Ou seja, são produtos químicos que fazem mal comprovadamente, que engordam, que intoxicam, que podem provocar doenças crônicas a longo prazo. Além disso, a publicidade infantil vende futilidade, consumismo e materialismo para as crianças. Ela deveria ter um teor mais educativo, voltado para o coletivo, para o cuidado com o outro, com a natureza ou no mínimo de produtos que não fossem maléficos nem para criança nem para o planeta. Finalmente, em última instância, a publicidade de consumo deveria, na minha opinião, ser dirigida para o adulto e não para a criança.