Combate à cultura do estupro: como essa escola trouxe a igualdade de gênero para o centro das atividades

09/06/2016 17:00

Precisamos ensinar novas masculinidades para os meninos, para que eles se apropriem da sensibilidade, do respeito à vontade do outro, da empatia. Além disso, continuar emponderando meninas é um trabalho paralelo, um não funciona sem o outro. Na prática é possível e já está acontecendo.

Verdadeiras ‘máquinas de aprender’, como disse Alisson Gopnik, Psicóloga e professora da Berkeley University , em depoimento ao documentário “O Começo da Vida”, as crianças desenvolvem grande parte de suas conexões cerebrais nos primeiros anos de suas vidas a partir de todas as suas experiências, daquilo que observam, que sentem, vivem e descobrem. Nesse sentido, o combate à cultura do estupro começa, também, desconstruindo com as crianças os estereótipos de gênero e preconceitos.

Escola do Ser, no interior de Goiás, destacada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) como instituição pioneira no país a trabalhar com crianças pequenas, a partir de 6 anos, temas como feminismo e desconstrução do machismo entre os meninos, possui como diretriz o objetivo de promover equidade entre os gêneros.

O prédio da escola, na verdade é uma casa, com pomar, redes de descanso, biblioteca, cozinha, colchonetes para soneca, cama elástica, sala de informática e cinema. O espaço tem até um animal de estimação, uma gata chamada Katniss, adotada pelos alunos. Ali, não existe sala dos professores nem descanso de quinze minutos para a equipe pedagógica. Todos lancham juntos e há uma relação de igualdade entre educadores e alunos. Ali, todos, alunos e professores, participam das tarefas fundamentais de manutenção do espaço.

Quando a menina brinca com carrinhos, lego, futebol, ferramentas, aprende que pode ser o que quiser quando crescer e supera o estereótipo da princesa para se apropriar do próprio destino.
Quando a menina brinca com carrinhos, lego, futebol, ferramentas, aprende que pode ser o que quiser quando crescer e supera o estereótipo da princesa para se apropriar do próprio destino.

Lavar louça, limpar banheiro, cuidar do pomar, aguar as plantas, fazer o café da manhã, cuidar da Katniss, receber visitas: todas as tarefas são exercidas pelo coletivo. Não existe merendeira nem faxineira. Nesse contexto, a equidade entre os gêneros no cotidiano chama atenção. Meninos lavando louça, passando café, trocando fralda do filho da professora. Meninas jogando futebol, abrindo computadores e construindo prédios de lego.

Quando um menino sente que pode chorar e expressar seus sentimentos, torna-se mais sensível. Quando brinca de boneca, aprendem a ser um pai participativo. Quando executa tarefas na cozinha, entende que tarefa doméstica é de quem suja a casa, não da mulher.  Ali, quando alguém faz uma comida ou um café gostoso, ninguém fala: “hum…já pode casar”. As crianças falam: “ Uau, já pode morar sozinho hein?” ou “Caramba, já pode cozinhar pros amigos”, “Mas que delícia, já pode fazer intercâmbio!”. Essa ideia nasceu da aluna Laura, que alertou todo mundo que não se cozinha apenas pra casar, mas que tem muitas opções na vida além do matrimônio.

O projeto pedagógico conta com oficinas que abordam as questões de gênero: Educação Sexual, Relações de gênero e Direitos Humanos. Na primeira, crianças e adolescentes estudam sobre seus sentimentos, biologia dos corpos, puberdade, como os bebês são feitos, além de trazer conteúdos que ensinam às crianças sobre seus corpos e limites, para enfrentamento da violência sexual. Na segunda oficina, dirigida para crianças de 6 a 12 anos,  a escola desenvolve um trabalho por meio das princesas e príncipes para proporcionar a reflexão sobre a cristalização dos estereótipos de gênero.

As atividades levantam entre as crianças questionamentos como “Meninos podem dançar balé?”, “Os príncipes e as princesas tem amigas(os)?”, “O que o príncipe faz além de procurar a princesa?”. Pretende-se por meio dessa abordagem atuar na prevenção da violência de gênero discutindo desde cedo que as diferenças biológicas entre meninos e meninas, homens e mulheres não justificam a persistente desigualdade entre os gêneros presente em nossa sociedade.

As estratégias da escola têm atingido seus objetivos. Henrique, um estudante de 11 anos, relata que um colega de classe chamou uma amiga de gostosa: “eu achei isso um ato machista, por que se fosse com ele ou alguém da família dele ele não iria gostar. Por que ele acha que minha amiga gostaria? Fui lá e falei tudo isso para ele”.

#OMachismoJáMeAtingiuQuando…

Em uma das atividades, a escola propôs aos alunos que, usando a tag: #OMachismoJáMeAtingiuQuando…, relatassem seus casos e se fortaleceram ao apoiarem uns aos outros após as declarações de quem já havia sofrido com isso.

* Colaboraram Nathália Borges Santos, Pollyana Schervenski, Laureane Marília de Lima Costa e Caroline Arcari

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