‘Potencializamos os saberes com protagonismo e participação’
Alejandro Bruni participou do Encontro anual do Programa Escolas Transformadoras Brasil, realizado entre os dias 07 e 09 de novembro em São Paulo como um dos debatedores da roda pública “Protagonismo na educação – por uma sociedade de sujeitos transformadores”.
“Uma prática não é capaz de traduzir o DNA de uma escola transformadora; é importante olhar o contexto” foi assim que Alejandro Bruni, diretor do Centro Educativo La Salle Malvinas, Escola Transformadora da Argentina, deu início à conversa com a equipe do Programa no Brasil.
De fala rápida, o jovem de 37 anos contou o que o motivou a mudar para uma cidade a mais de 600 km de sua terra natal para assumir o comando de uma escola. Na entrevista abaixo, o educador fala sobre o currículo da escola em que trabalha, quais os desafios para driblar as fronteiras entre o ensino religioso e as mudanças sociais e também destaca a importância da obra de Paulo Freire no trabalho de sua escola.
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A conversa revelou que Brasil e Argentina enfrentam desafios semelhantes em relação à justiça social. Temos muito mais em comum do que se imagina.
Conheça a experiência de uma escola sulamericana preocupada em formar cidadãos capazes de agir em prol da transformação de suas realidades:
O que o motivou a fazer parte da construção do Centro Educativo La Salle, e partir de Buenos Aires para ir às Malvinas Argentinas?
Eu fiz o ensino fundamental na rede La Salle em Buenos Aires e fui me adaptando a essa instituição. Lá havia um grupo de trabalho e desenvolvimento social e me entusiasmei com isso. Como adolescente estava sensibilizado a ir às favelas, a fazer trabalho social. Havia estudado arquitetura, mas o social me atravessa completamente. Em algum momento pensei ‘Por que não me dedicar totalmente?’ Eu tinha 19, 20 anos e acreditava que as transformações aconteciam de cima para baixo, com muito dinheiro. Depois disso deixei a arquitetura e ingressei no curso de educação. Minha vocação como educador é posterior a de transformação social.
E como foi a sua chegada às Malvinas Argentinas?
Ao perceber a possibilidade de ir até outra cidade, onde não tinha nada, nem escola, nem casa, nem nada, aquilo me entusiasmou. Chegamos ao bairro em 11 de setembro de 2001, que é dia do professor e feriado na Argentina e dia dos atentados às torres gêmeas em Nova York. Encontramos um bairro semi-urbano e muito comprometido pelo momento político que o país enfrentava, sem acesso à educação.
Os anos seguintes à renúncia do presidente Fernando de La Rúa o país se viu em meio a uma crise profunda. Nesse contexto aprendi com o bairro, na relação de vizinhança; foi na escola que aprendi que sou vizinho da comunidade, que eu tenho isso e você me ensina aquilo. Foi uma transformação pessoal. Somos uma referência pelo reconhecimento das pessoas e não pela imposição. A experiência foi me fazendo mudar, não as teorias.
Aqui no Brasil, toda a obra de Paulo Freire vem sofrendo inúmeras críticas por parte de um movimento chamado Escola sem Partido. Mais do que a obra, o que está em cheque e apoiado pelos movimentos políticos mais conservadores é que a educação é um ato político. Um ato que vai além do aprender determinados conteúdos. Como a obra de Paulo Freire influenciou a experiência político-pedagógica da La Salle Malvinas?
Eu já havia lido muitos livros do Paulo Freire na Universidade. Nossa escola recebeu a visita de educadores de uma escola brasileira do Rio Grande Sul. Eles nos inspiraram pela prática, ao compartilhar os seus saberes. Nós fazemos uma proposta de educação popular em uma educação formal.
Entendemos todo estudante como um sujeito de direitos. Há 14 anos, entre dezembro e fevereiro, percorremos o território, visitamos as famílias, para conhecê-los melhor, conversar sobre a vida e a aprendizagem das crianças e tomar mate. Levantamos as vozes da comunidade, não apenas dos estudantes. As vozes colhidas formam complexos temáticos, um planejamento que o professor faz que não é fragmentado, traz a história toda, todo o universo de saber.
Você poderia nos dar exemplos de como isso acontece?
Os movimentos sociais na argentina, temos que saber como são, de onde são. Estudamos muito a fundo e a partir de diversos pontos de vistas. Ou então, uma frase que faz parte de um complexo temático de 2016 “Estoy sin trabajo, está imposible comprar la papa y los huevos”. Nossa intenção é que os saberes populares sejam parte do saber eleito / escolhido pela escola. Que estejam junto dos conteúdos que queremos e que vamos estudar.
Estado e igreja estiveram sempre muito próximos e atuantes do controle social na América Latina. Apesar da figura carismática do Papa Francisco, do reconhecimento de erros ao longo da história e mais atualmente alguns esforços pela paz no mundo, a Igreja Católica ainda exerce um forte papel na mentalidade e comportamento das pessoas. Como o Centro Educativo La Salle Malvinas lida com as diferenças religiosas, de gênero e sexual?
A parte pastoral da escola é a mais fraca, digo, como proposta explícita. A dimensão política é muito mais forte. Isso se traduz no corpo docente, muito politizado, e na proposta que transmitimos, de forma muito veemente. Há uma retroalimentação com a rede de escolas La Salle – propomos reflexões para eles também. Não é uma rede de imposição, de que se tem que catequisar, de conteúdos pré-definidos e cada escola tem seus projetos próprios.
Muitos dos alunos têm uma vida religiosa muito ativa fora da escola. São evangélicos e falam da bíblia e de deus mais do que nós mesmos.
Temos entre nossos professores evangélicos, católicos, aqueles que acreditam na natureza. Entre os estudantes temos travestis, transexuais.
“Nós últimos anos, um material do governo Argentino nos ajudou nessa discussão de gênero. Enquanto muitas escolas recusaram, para nós foi muito importante”
Por exemplo, certa vez o Conselho Tutelar fez uma atividade na escola sobre direitos das crianças e dos adolescentes e tinham duas figuras de um homem e uma mulher. Uma criança de 6 anos ao ver disse as imagens disse que podiam ser dois homens casados. A profissional do Conselho Tutelar surpresa tentou argumentar com a criança que não. Mas isso é algo que a escola e os educadores podem dialogar muito bem.
Outra coisa que é própria de nossa comunidade é a relação entre o que faço, o que creio e o que sinto. Não preciso falar de Deus, isso é implícito, está no fazer. No meu trabalho eu exercito minha fé.
Após esses 14 anos, o que vocês conseguem avaliar como impacto? E o que pretendem nos próximos anos?
Por ser uma escola experimental, desde o inicio, abrimos as portas para universidades, para que venham e façam suas praticas e pesquisas. Temos alguns livros publicados sobre nossa escola. As instituições que formam docentes às vezes não tem lugar para fazer seus estágios e nós recebemos todos. Somos conhecidos no âmbito educativo de Córdoba, o que não quer dizer que tudo é replicável.
Nascemos como uma escola que queria ser diferente e tivemos muitos golpes com isso. Nosso primeiro complexo temático, sua frase central era ‘meu filho sofreu muito para ir à escola, tem que caminhar muito, não aprende, o tratam mal, é discriminado, etc’. Pensamos, nossa escola tem que ser a do não sofrimento das crianças. Era um caos no começo e não uma escola. Abrimos mão da autoridade, no bom sentido, tínhamos toda a teoria do Freire e as crianças faziam tudo o que queriam. Demorou anos para acomodar, não meses. Pode ser uma ideia romântica muito linda, mas se não faz parte da práxis se dilui.
Agora, vamos inaugurar o ensino secundário (o que no Brasil equivale aos anos finais do ensino fundamental e médio) o que nos permite ter sete anos a mais com as crianças. É um sonho possível, antes nos sentíamos incompletos. Ao criar toda uma dinâmica de pertencimento, do sentido, do diálogo os conteúdos às vezes ficavam empobrecidos. Outras instituições que recebiam esses estudantes diziam que eram empreendedores, desinibidos, cheios de opinião, mas que sabiam pouco os conteúdos. Foi duro para nós. Nos últimos anos potencializamos a dimensão dos saberes com protagonismo e participação, mas tem que ler e escrever bem se não esses estudantes não conseguem acessar outros espaços, não conseguem transformar, pois não possuem os elementos para.
Aspiramos, como todo projeto de educação popular transformar um indivíduo em um sujeito empoderado, capaz de transformar o seu bairro, seu território. Não são apenas as minhas ideias, são as nossas ideias. De toda a escola.
“Ser uma escola transformadora é um ponto de chegada, não um ponto de partida, é uma busca”
Para saber mais sobre o Encontro anual do Programa Escolas Transformadoras Brasil e assistir à roda pública sobre Protagonismo na Educação – por uma sociedade de sujeitos transformadores clique aqui.
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Com informações do Programa Escolas Transformadoras Brasil