Inspirado nas clínicas públicas de Freud, projeto Favela de Psicanálise populariza formação terapêutica

Objetivo é a promoção de seminários e aprimoramentos clínicos com supervisão e atendimento familiar em distrito de São Paulo

Conteúdo por Lupa do Bem
06/08/2024 16:25

Maíra Carvalho

Inspirado nas clínicas públicas de Freud, projeto Favela de Psicanálise populariza formação terapêutica
Inspirado nas clínicas públicas de Freud, projeto Favela de Psicanálise populariza formação terapêutica - Favela de Psicanalise

Entender como o inconsciente atua pode ser uma importante ferramenta para tratar dores e sofrimentos individuais. A partir dessa premissa, o projeto Favela de Psicanálise busca popularizar o acesso ao atendimento clínico em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo. Inspirado na ideia das clínicas públicas de Freud, o projeto articula e mobiliza profissionais e pacientes em torno de seminários e aprimoramentos clínicos no território. 

O objetivo é oferecer uma formação de base popular em psicanálise, que seja capaz de romper com a noção elitizada que foi criada em torno do tratamento da mente no Brasil. O projeto, que começou em 2022, partiu de Raul Araújo, psicólogo com formação complementar em educação, estudos de paz e filosofia:

“Eu estudei psicologia e sempre tive contato com crianças e adolescentes em situação de rua e com homens e mulheres encarcerados. E sentia falta de um lugar para discutir e pensar a psicanálise fora da bolha da riqueza”, conta. 

Assim, depois de trabalhar em vários lugares do Brasil e do mundo, Raul convidou colegas de profissão para elaborar e implementar a formação. Através de ciclos de debates mensais e contando com convidados que são referências nos temas, o grupo e a discussão vão tomando força. 

Assim como nas clínicas públicas de Freud, o projeto Favela de Psicanálise tem como objetivo oferecer uma formação plural e democrática. Trata-se de um espaço em construção, mas com uma ideia bem estabelecida, diz Raul Araújo. “Queremos pensar a psicanálise e a clínica fora dos lugares tradicionais onde aparecem”, afirma.

O projeto Favela de Psicanálise tem como objetivo oferecer uma formação plural e democrática.
O projeto Favela de Psicanálise tem como objetivo oferecer uma formação plural e democrática. - Favela de Psicanálise

Perguntas sobre como lidar com a questão da fome, do desterro, do deslocamento e da violência apontam um caminho de como esse espaço está sendo construído. Não é uma formação individual e institucionalizada, avisa Raul, mas um espaço de formação coletiva para o analista da classe trabalhadora atender a classe trabalhadora. 

Dessa forma, os ciclos de debates visam promover uma reflexão sobre aspectos da psicanálise a partir das demandas populares. “Quando o grupo está discutindo um tema, é possível se indignar com situações e a partir da indignação construir um campo de afirmação de direitos. Isso tem muito a ver com a pedagogia de Paulo Freire, a gente tem um pouco essa pegada também”, aponta o psicólogo. 

Os ciclos de debate são abertos à população. Participam dos encontros desde psicólogos do CAPS e do Fórum até servidores da justiça e da assistência social, de diferentes regiões da cidade: Grajaú, Cidade Ademar, Parelheiros, São Miguel Paulista, Itaquera, Guaianazes, União de Vila Nova e outras, incluindo cidades próximas como Campinas. 

Com isso, os temas dos seminários variam e atendem às demandas colocadas pelos próprios participantes. “Um tema que surgiu durante os encontros, por exemplo, foi a questão das drogas, por conta do surto de k2 na comunidade, também conhecida como maconha sintética. Nós discutimos essa questão a partir da perspectiva da redução de danos, da psicanálise e do direito”, lembra Raul. 

Já para o aprimoramento clínico, é preciso ter formação em psicologia e já ter atendido pelo menos uma vez durante a trajetória profissional.

As clínicas públicas de Freud

O médico Sigmund Freud, considerado o criador da psicanálise, foi quem identificou que o inconsciente poderia ajudar a explicar o comportamento humano. Para Freud, a mente opera através de decisões conscientes e inconscientes e, através de análise terapêutica, é possível entender os motivos inconscientes que levam o indivíduo a agir de determinada maneira. 

Seu ativismo surgiu em um momento de efervescência política progressista em Viena, na Áustria, na década de 1920. Nesse contexto, implementou as clínicas gratuitas de psicanálise. Sua proposta estava diretamente associada à defesa da emancipação e da responsabilidade social, com o direito à assistência de saúde acima de tudo. 

Os ciclos de debates visam promover uma reflexão sobre aspectos da psicanálise a partir das demandas populares.
Os ciclos de debates visam promover uma reflexão sobre aspectos da psicanálise a partir das demandas populares. - Favela de Psicanalise

A terapia ativa, dizia, poderia contribuir com o fortalecimento da democracia. Os centros ambulatoriais, ou a aplicação em massa da terapia, ajudariam a restaurar a individualidade e a participação social em um período marcado pelo fim da primeira guerra mundial. 

De volta a São Miguel Paulista, em São Paulo, o projeto Favela de Psicanálise inicia suas atividades com base justamente no livro “As clínicas públicas de Freud: Psicanálise e Justiça Social”, de Elisabeth Danto. O livro traz as circunstâncias históricas e pessoais que levaram Freud a defender a terapia pública no período entre guerras na Europa. Ao mesmo tempo, mostra como o fascismo acabou com a ideia da psicanálise como um direito social que deveria ser amplamente acessível à população.  

Quer apoiar essa causa?

Todo o trabalho envolvido na Favela de Psicanálise tem sido feito de forma voluntária. O projeto também está montando uma biblioteca através de doações de livros. 

Para mais informações, entre em contato pelo e-mail: [email protected].  

 

Maíra Carvalho – Lupa do Bem

Causadora de Educação