A importância da luta LGBT para os grupos que compõem a sigla
Às vésperas da Parada LGBT de São Paulo, a Catraca Livre conversou com representantes do movimento para falar sobre a luta por direitos
O ano era 1997 e, pela primeira vez, acontecia a Parada LGBT na cidade de São Paulo, que reuniu cerca de 2.000 pessoas, com o tema “Somos muitos, estamos em várias profissões”.
Até então, o evento era chamado de Parada do Orgulho Gay. Em 1999, a ONG Associação da Parada do Orgulho GLBT (APOGLBT), organizadora da mobilização, alterou o nome do evento para Parada do Orgulho GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros).
Nove anos depois, em 2008, a instituição mudou novamente a sigla para LGBT, com o objetivo de dar mais visibilidade às lésbicas dentro do movimento e de padronizar o nome do protesto com o de outros países. Assim, passou a se chamar Parada do Orgulho LGBT.
No decorrer desses mais de 20 anos, a manifestação cresceu muito, incluiu novas causas, agregou diferentes públicos e se consolidou enquanto um dos eventos mais importantes da cidade. Segundo a SPTuris, a Parada é o evento que atrai mais turistas internacionais à capital paulista e é considerada uma das maiores do mundo.
De acordo com os organizadores, a edição de 2011 teve o maior número de participantes da história, com aproximadamente 4 milhões de pessoas. Em 2018, a produção do evento informou que cerca de 3 milhões de pessoas estiveram presentes na celebração. Uma das principais reivindicações atuais do evento, principalmente desde 2006, é o combate à LGBTfobia.
Com o tema “50 anos de Stonewall”, a 23ª Parada LGBT de São Paulo vai sair às ruas no próximo domingo, 23 de junho. A Rebelião de Stonewall, de 28 de Junho de 1969, representou um marco importante na luta pelos direitos e visibilidade da comunidade LGBTQI+ no mundo.
O evento deste ano acontece dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada crime.
Visibilidade para além do ‘G’
Se no início a parada reunia e representava, em grande parte, homens gays, no decorrer dos anos as reivindicações mostraram que era preciso incluir os demais grupos que estão na luta: as lésbicas, os bis e as trans e travestis.
Segundo Claudia Regina, primeira mulher lésbica a assumir a presidência da Associação da Parada do Orgulho LGBT, conforme o movimento foi alterando as letras da sigla, a Parada se adequou para dar visibilidade e incluir também as outras pessoas.
A Catraca Livre conversou com representantes do movimento LGBT para falar sobre o que o evento representa atualmente e a importância da inclusão de todas as letras da sigla na luta por direitos. Confira abaixo:
Claudia Regina Garcia – primeira lésbica a assumir a presidência da Associação da Parada do Orgulho LGBT (APOGLBT)
“A importância de abranger todos os grupos representados pela sigla LGBT é a comunidade. A Parada é um grupo misto, ainda que insistam chamá-la de Parada Gay, assim como Stonewall, onde cada uma das letrinhas estava envolvida na revolta. O evento tem a obrigação de representar, dentro do possível, todas as siglas, porque nosso papel é viabilizar e dar voz. Claro que ainda há dificuldades em aumentar a participação de alguns grupos que não se sentem representados, mas a gente tenta contemplar todos eles. É a nossa obrigação.”
Toni Reis, gay e ativista há 35 anos
“Eu participei da primeira Parada em São Paulo, da primeira em Curitiba e da primeira no Rio de Janeiro. Participei, também, da primeira Parada no exterior, em Viena, em 1989. A importância de um evento como esse é a visibilidade: mostrar que nós somos muitos, estamos em muitos lugares e em todas as famílias. É o momento de assumir-se e mostrar que temos dignidade e orgulho de quem somos.
Esse movimento é fundamental para a resistência. Mostrar que nós estamos organizados, estamos prontos para as batalhas e que hoje temos várias instituições do nosso lado, como o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Defensorias Públicas estaduais… Enfim, hoje nós temos uma articulação de muitos. Infelizmente, há algum setor resistência, de algumas religiões, e mesmo estes já reconhecem que nós existimos.”
Ivone de Oliveira, bissexual e blogueira do Gata de Rodas
“Me tornei militante e ativista LGBT quando, em 2016, fui pela primeira vez na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo só para conhecer e percebi que faltava a representatividade da pessoa com deficiência.
Apresentei a minha ideia de levar acessibilidade e a inclusão da pessoa com deficiência LGBT ao evento na primeira reunião da APOGLBT e ela foi aceita de imediato sem questionamento. O resultado da minha ideia se concretizou em 2017, quando, pela primeira vez, as pessoas com deficiência abriram a Parada LGBT de São Paulo. Feito esse que se repetiu em 2018 e vai se repetir em 2019. Agora, além de ser a maior, também é a mais inclusiva do mundo.
A parada é uma ação afirmativa de política social que contempla a diversidade sexual. Por isso, quando inclui somente a letra ‘G’ dos gays, deixa sem representatividade todos os outros segmentos, como das lésbicas, dos bissexuais, dos transgêneros, dos intersexuais, entre outros, que lutam por visibilidade.
A mulher faz parte história da mobilização. Martha Shelley, na época da Revolta de Stonewall, foi a idealizadora da marcha que hoje chamamos de parada. A semente plantada por essa mulher, militante e ativista lésbica, continua dando frutos mesmo 50 anos depois, pois cada vez mais segmentos buscam representatividade e visibilidade.
Mesmo que o atual governo venha se mostrando um tanto conservador, machista e homofóbico, a presença da mulher com deficiência na Parada do Orgulho LGBT só reforça que o ‘sexo frágil’ não foge à luta mesmo estando em cadeira de rodas. O ‘Stonewall’ da pessoa com deficiência no Brasil começou justamente em 2017, quando abrimos o evento em meio a 3 milhões de pessoas e batemos de frente com o tabu da sexualidade, mostrando a nossa força como cidadãos e agentes de mudança e transformação social.”
Leona Jhovs, mulher trans
“Desde que me percebi como fora da norma por ser uma mulher trans, me tornei um corpo político. Viver no país que mais mata trans e travestis no mundo é um ato político. Todos esses corpos dissidentes estão lutando para viver, então nada mais justo que a Parada seja reconhecida como LGBTQIA+, e não só gay, para dar visibilidade a outros campos.
A Parada LGBT é importante pra mim, enquanto mulher trans, porque é uma data onde a gente dá visibilidade à nossa luta, que é diária. Para nós, mulheres trans, é um movimento importantíssimo para mostrar que estamos vivas e lutando. Temos que estar ali e fortalecer o movimento, ainda mais agora, que será a primeira Parada após a eleição de Bolsonaro, no qual com certeza as represálias serão maiores. É justamente nesse momento que precisamos mostrar que não vamos ceder e não daremos nenhum passo para trás.”