Ana Animal: a ex-moradora de rua que virou atleta profissional
Ela deixou as ruas e as drogas para se tornar a atleta número 1 das corridas em sua categoria
Uma mulher transformada pelo esporte: esta é a história de Ana Animal, ex-moradora de rua e ex-usuária de drogas. Hoje, aos 55 anos, ela é corredora profissional e acumula com orgulho as medalhas e os troféus que conquistou na modalidade.
O passado
Desde criança, enfrentou as dificuldades de uma vida sem privilégios. Quando nasceu, foi abandonada pela mãe em uma caixa de sapato. Passou pela antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM) – atual Fundação Casa – e por lá ficou até completar 16 anos. “Eu sofri muito. Apanhava muito”, recorda.
Quando saiu, teve a oportunidade de ganhar uma família adotiva, mas recusou. Sozinha desde muito cedo, considera que sua vida foi feita para ser compartilhada apenas consigo mesma.
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A oportunidade de crescer veio com uma vaga de emprego, no entanto, a vida assalariada durou poucos meses – até decidir sair e fazer das ruas o seu lar.
Ela não sente vergonha de seu passado. Assume com firmeza ter cometido pequenos delitos e feito uso de drogas. Foi nas ruas que ganhou o apelido de Animal, que aprova e mantém até hoje.
Descobrindo-se atleta
“Eu estava um dia na rua Sete de Abril [centro de São Paulo] com os meus amigos de rua assistindo à televisão e passou o filme ‘Carruagens de Fogo’. Eu dormi e veio a música “pa-na-na-na-na-na/ pa-na-na-na-na”. Aí eu falei: Se eu corro da polícia, posso correr na rua!”
Depois de 34 anos pelas calçadas da capital paulista – sem saber – Ana tomou uma decisão que mudaria sua vida por completo. Determinada, pediu que um amigo roubasse um par de tênis, um shorts e uma camiseta porque ela ia correr. Criou coragem e encarou uma maratona de 42 km sem preparo físico.
“Eu tenho que correr. Eu tenho que terminar”, era o único pensamento em sua cabeça, afinal, como ela mesma se recorda, tinha que provar para seus colegas de que era capaz.“Fiquei cinco dias com dor no corpo. Dor nas pernas. Dor nos braços. Não podia nem andar”, conta, rindo, ao se lembrar de sua primeira competição.
Pouco tempo depois, foi abordada pelo então secretário de Esporte, Fausto Camunha, que a convidou para entrar em um programa de incentivo à prática esportiva. “Ele tirou da rua eu e os meninos. Eles voltaram.” Ana ganhou um espaço para morar e uma rotina de treinos, junto com tratamentos para superar a dependência química.
Da rua para o mundo
Ela abraçou a oportunidade e, com persistência e incentivo de pessoas queridas, trocou as drogas pelas medalhas – muitas alcançadas no exterior. Cheia de orgulho, ela cita os países que já visitou para competir: “Inglaterra, Japão, Estados Unidos, Argentina, Cuba, Chile, Colômbia, México...”
Animal conquistou o primeiro lugar nos 800m, nos 1.500m, nos 10km e nos 5km do Grand Prix Mercosur no Paraguai. Também foi campeã do New Balance Mile Challenge na categoria 52-60 anos. Repetiu o resultado na Nat Geo Run e na Gay Games de Paris. Nesta última, ela ficou consagrada como a primeira brasileira a conquistar uma medalha de ouro na competição. “Se não fosse o esporte, acho que eu estava na cadeia ou morta”, declara.
Seu jeito autêntico e “sem cerimônias” ajudou-a na superação de preconceitos. No entanto, reconhece que a infância dura fez com que ela se tornasse uma pessoa fechada na demonstração de carinho. Apensar disso, Animal talvez não perceba seu sorriso caloroso – que esteve sempre presente em sua face entre uma fala e outra.
Sumit 2019
Ana Animal compartilhou suas experiências em um dos painéis do no Sumit 2019, evento promovido pelo espnW, portal de notícias da ESPN com foco no público feminino.
Olga Rodrigues, mulher trans e jogadora profissional de Counter-Strike: Global Offensive – um dos esportes eletrônicos (eSports) mais populares do mundo – também participou do encontro. Na ocasião, ela falou sobre as dificuldades que enfrentou em sua transformação, assim como os desafios na consolidação de seu espaço no esporte.