Após 11 anos, ativista trans e negro vai voltar à universidade

Luciano Palhano, de 31 anos, foi aprovado em primeiro lugar no curso de Letras Italiano da UFSC

Por: Heloisa Aun

“O preconceito e a não aceitação expulsam a gente [transexuais e travestis] do ambiente familiar e universitário”, afirma o ativista trans e negro Luciano Palhano, de 31 anos.

Aos 18 anos, no momento de sua transição para o gênero masculino, Luciano saiu de casa. Em 2005, trancou a graduação no curso de música em Pernambuco, seu estado natal, devido aos preconceitos diários, e agora, após onze anos, ele se prepara para retomar os estudos na Universidade Federal de Santa Catarina.

O ativista relata casos de transfobia e racismo no ambiente universitário

Palhano vive atualmente em Florianópolis e foi aprovado em dois vestibulares: na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ele optou pela UFSC, onde vai estudar Letras Italiano, curso no qual passou em primeiro lugar por meio das cotas para negros.

De acordo com ele, as políticas afirmativas, como o Sistema Único de Seleção Unificada (Sisu) e as cotas, contribuíram muito para que conseguisse uma nova chance no mundo acadêmico. “Sempre estudei em escola particular, mas isso não me impediu de sofrer preconceito”, ressalta.

Racismo e transfobia

Luciano, que é coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), rede nacional de homens trans ativistas, teve sua primeira experiência universitária em 2005, na federal de Pernambuco. “Abandonei o curso porque não respeitavam a forma com que eu gostaria de ser tratado”, conta.

Na época, ainda não havia uma legislação sobre o direito de ter o nome social respeitado. Por ser o primeiro trans da universidade, Palhano era alvo de transfobia e racismo e tinha dificuldades de fazer amizades ou trabalhos em grupos.

Ele chegou a tentar cursar outras duas faculdades particulares, mas por motivos financeiros e falta de políticas de inclusão da diversidade, desistiu dos estudos. “Muitos professores não respeitavam meu nome social e eu era foco de ataques em diversos momentos”.

A escolha de estudar Letras se deu pela vivência como professor de italiano e a experiência no país europeu, onde morou por cinco anos logo depois de perder o pai. “Como sempre quis voltar à universidade, resolvi tirar um ano para estudar e, em 2015, fiz o ENEM pela primeira vez”, relata.

No decorrer dos anos, Luciano sofreu preconceito por ser trans e negro no mercado de trabalho. Mesmo tendo qualificação técnica e falando cinco idiomas, ele diz que cansou de ver vagas fechadas: “A vaga nunca está disponível para um homem trans, gordo e negro”.

“Eu já fiz de tudo: fui garçom, pasteleiro, trabalhava 12 horas por dia. E aprendi muito em todos estes empregos, principalmente em relação à perseverança e humildade”, completa ele.

Expectativas

Antes de ser aprovado na Universidade Federal de Santa Catarina, o coordenador do Ibrat já tinha contato com grupos que discutem identidade de gênero e orientação sexual no ambiente da universidade.

Ainda hoje há poucas pessoas trans na UFSC, mas Luciano espera ter sua identidade respeitada dessa vez. “Tenho boas expectativas em relação ao curso de Letras. Pretendo continuar com minha luta contra o racismo e a transfobia e levar o ativismo para a academia”, afirma.

Na UFSC, travestis, transexuais e transgêneros podem usar o nome social em todos os registros, documentos e atos da vida acadêmica desde 2012. De acordo com o coletivo Diversifica UFSC, a medida visa evitar constrangimentos.

“O reconhecimento do nome social é uma forma de garantir a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a igualdade de condições de acesso e permanência no ensino, entre outros direitos afirmados pela Constituição da República Federativa do Brasil”, defende o portal.