Após demissão, professora denuncia transfobia em colégio particular de SP

Luiza Coppieters começou a dar aulas no colégio Anglo-Leonardo da Vinci, em São Paulo, quando ainda era Luiz, ou professor Luizão, como era conhecida pelos alunos. Nessa história em quadrinhos, produzida pelo Catraca Livre, você pode conhecer melhor a trajetória de Luiza.

A HQ mostra a relação dos alunos com a professora

Apesar do apoio de boa parte dos alunos, ela afirma ter sido vítima de diversas formas de discriminação depois de assumir publicamente sua transexualidade. Após ser demitida sem justa causa da instituição, Luiza decidiu entrar com uma ação no Ministério Público do Trabalho.

A ação será movida com apoio de várias entidades, dentre elas o Sindicado dos Advogados de São Paulo e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT).

No relato abaixo, reproduzido na íntegra, a professora Luiza Coppieters fala sobre sua relação com o colégio e o processo de demissão.

“Venho registrar com profunda tristeza e indignação a discriminação ocorrida comigo, professora de Filosofia do Ensino Médio do Colégio Leonardo da Vinci, ao  ser injustamente dispensada ao retornar de licença saúde, cuja patologia foi desencadeada por problemas  no ambiente de trabalho.

Explico.

Fui contratada em 1 de agosto, inicialmente sem registro na CTPS, para trabalhar como professor/a para as classes do Ensino Médio do referido Colégio como professor/a de Oficina de Ciências Humanas, com o acerto de que no ano seguinte eu ficaria com as aulas de Filosofia, que seriam iniciadas em função da obrigatoriedade da disciplina. Em 2010 passei a lecionar em todas as unidades e turmas, com exceção dos 1os e 2os anos de Osasco, que ficaram com outro professor. Lecionava, pois, para aproximadamente 500 alunos.

Trata-se de escola renomada, com várias unidades e que presta ensino de qualidade aos alunos.

No início do contrato de trabalho, sequer existia no âmbito da escola  a disciplina de Filosofia, pois como o foco é voltado para o vestibular, centram o ensino na área de Exatas.

Aos poucos, com muita dedicação, fui conquistando meu espaço e a disciplina de Filosofia ganhou peso e destaque, a ponto de em 2014 contratarem um plantonista para auxiliar os alunos. Ou seja, a matéria pode ser aplicada com o mesmo rigor e alcançou o mesmo status de dificuldade que uma matéria de exatas – algo incomum em qualquer escola.

O pagamento era por meio de depósitos em conta que não correspondiam ao valor  registrado. Recebia “por fora” os pagamentos referentes às unidades de ensino que não constavam do registro.

Sempre fui muito participativa e envolvida com as atividades da escola, desenvolvendo vários trabalhos, montando e coordenando grupos de debates, visando a formação humana e crítica dos alunos, de modo a propiciar  e divulgar meu conhecimento, e, sobretudo, contribuir no desenvolvimento de cidadãos conscientes e participativo.

No final de 2012, comecei o tratamento com hormônios, pois cheguei ao limite da minha existência e do sofrimento, de modo que senti a necessidade de assumir minha identidade feminina.

Como tinha receio da reação da escola e da família, usava roupas para esconder o corpo em mudança pela hormonização, pois já sentia o fantasma da discriminação e preconceito.

Em 2013, minha aparência estava se transformando, as pessoas percebiam o emagrecimento e mudança no modo de vestir – recebendo sempre muitos elogios. Passei a usar camisas e não mais camisetas,  além de uma camiseta modeladora de elástico, tentando esconder a transição do corpo.

O reconhecimento profissional sempre foi algo que me motivou. Em 2013 fui paraninfo da turma do 3º ano. Sempre participei das reuniões de planejamento, conselhos de classe, enfim trabalhava com prazer, até decidir por assumir minha condição de transexual/feminina.

Em 2014, comecei a contar para os colegas e professores mais próximos o momento de transformação que estava passando.

 Em abril de 2014, a notícia de minha transformação chegou à direção da escola e soube, em junho de 2014, que os proprietários, por evidente preconceito, já pediram minha demissão.

No segundo semestre de 2014 retiraram minhas aulas dos 3os anos de Osasco alegando problemas no horário. Mas continuaram me pagando essas aulas.

A relação que era harmônica até o início da exposição da minha transição passou a ser  difícil, pois existia pressão psicológica, ameaça velada de dispensa: eu deveria ser perfeita, não poderia errar, não podia discutir nada relativo a gênero ou sexualidade.

Minha carga horária foi drasticamente reduzida, sem que houvesse diminuição do número de alunos. Meu salário que era de aproximadamente R$ 6.000,00 passou a R$ 2.000,00 mensais.

Os alunos –  cerca de 400 do primeiro ao terceiro colegial – compreenderam perfeitamente a situação e se sensibilizaram, manifestando irrestrito apoio em redes sociais. Mas não foi suficiente  para vencer o preconceito dos diretores da  escola, o que aos poucos foi minando minha estrutura  psíquica e emocional .

Em 28 de dezembro de 2014, recebi minha grade horária, quando verifiquei que foram retiradas todas as aulas que ministrava aos primeiros anos do Ensino Médio – a exceção de Taboão da Serra, local mais distante e com maior dificuldade de acesso –, sob a falsa justificativa de que haveria mudança de grade e carga horária, mas no íntimo  eu sabia que era preconceito pela  minha condição.

Em março de 2015 o site Catraca Livre fez uma reportagem em quadrinhos (“Minha professora é trans, e daí?”*) com minha história e depoimentos de alunos, que compartilharam com total apoio e carinho a minha condição e ao meu valor como professora.

Entretanto nada venceu o preconceito da direção da escola, que havia reduzindo minha carga horária e salário, imaginando que eu não suportaria e pediria demissão. A redução de aulas e de salário ocorreu sem o meu consentimento e ao arrepio da lei. Houve uma conversa com o coordenador geral em que reforcei que não aceitava a redução salarial e ele, a contragosto pois ia contra o histórico da instituição, disse que não reduziria. No entanto, em março, quando entra em vigência o salário das aulas de 2015, tive a surpresa da redução.

Em virtude da situação ocorrida passei a desenvolver quadros depressivos, inclusive com tentativa de suicídio diante do preconceito e discriminação ocorrida no ambiente de trabalho.

Devido ao quadro depressivo instalado (síndrome do pânico), precisei me afastar temporariamente do  trabalho. Todavia, às vésperas do meu retorno às aulas, fui comunicada de que estava sendo dispensada sem justa causa e que deveria assinar o aviso prévio.

Aqui fica registrada a minha indignação contra o preconceito e discriminação de que fui vítima e solicito providências, pois entendo não ser correta a postura dos dirigentes da escola. Durante todo o período em que trabalhei, aproximadamente 6 anos,  fui  profissional digna e responsável, independente de minha identidade de gênero.

Depois de assumir a condição de mulher transexual passei  a ser vítima de assédio moral, sendo clara a discriminação que desaguou na dispensa efetuada, na modalidade “sem justa causa”. Entretanto está clara a “causa’ da dispensa: ser transexual.

 Prof. Luiza Coppieters”

Em nota, Wagner Dias, supervisor do Ensino Médio do Anglo-Leonardo da Vinci, nega que tenha havido discriminação. Confira o posicionamento do colégio abaixo.

“A demissão da professora Luiza foi decorrente de problemas de ordem profissional ligadas ao cotidiano de aulas, compromissos e relações éticas de uma escola.

Como mostrou matéria de Catraca Livre no ano p passado, a profª estava bastante satisfeita com o ambiente de acolhida que recebeu de todos, alunos, professores e funcionários, quando expôs publicamente sua mudança.

Desde o momento em que procurou os responsáveis pelo andamento da escola, por volta do início do ano passado, foi criado um plano de acolhimento, que envolveria todos os membros do ambiente escolar.

A parte mais difícil foi em relação aos pais, pois alunos, professores, coordenadores e funcionários se manifestaram solidários à sua escolha. Quanto aos pais reticentes foram atendidos individualmente e tranquilizados quanto ao trabalho pedagógico e de formação de seus filhos. A profª inclusive participou de viagens de estudo do meio, comemorações e reuniões de pais, sem qualquer constrangimento.

No entanto, desde maio deste ano ficou ausente da escola e, exceto quando solicitado, não fez aviso formal de seus problemas de ordem emocional.

Enfim, o fato infeliz de sua demissão não carrega qualquer carga de oposição à sua opção transgênero, mas sim ao cumprimento de obrigações didático-pedagógicas.

Nossa escola carrega em sua história uma opção clara pela valorização da diversidade humana e foram inúmeros os casos em que houve acolhida a estes casos e crítica contundente à qualquer tipo de conduta intolerante.”