Ativista Stephanie Ribeiro comenta a entrevista de Bia Doria

Por: Fernanda Miranda

No último domingo, dia 9, a artista plástica Bia Doria – esposa do prefeito eleito de São Paulo, João Doria, e nova primeira-dama da capital paulista – foi entrevistada pelo jornal Folha de S. Paulo sobre a cidade e as perspectivas do mandato de seu marido nos próximos anos (leia na íntegra aqui).

Com a repercussão de frases como “Sempre me senti uma Evita Perón” e “o Minhocão hoje para que serve?”, a conversa causou reações diversas nas redes sociais. Até então, muita gente desconhecia quem era a primeira-dama. Agora, devido às suas declarações polêmicas, ela tornou-se alvo de atenção, sendo um dos assuntos mais discutidos neste fim de semana.

O futuro prefeito e a nova primeira-dama, João e Bia Doria

Mas afinal: o que é e o que faz uma primeira-dama?

Por definição, o título de primeira-dama se dá às esposas de governantes que ocupam um cargo no poder executivo (presidente, governador ou prefeito). Primeiro-cavalheiro, por sua vez, é um termo que se refere aos maridos das mulheres que atuam no executivo.

A lei não dá nenhuma função oficial às primeiras-damas e aos primeiros-cavalheiros, portanto eles não recebem salários. No entanto, existe uma tradição no Brasil na qual esposas de governantes trabalham voluntariamente na administração de seu marido em programas sociais.

Foi o caso da professora Ruth Cardoso, que criou e foi presidente do programa social Comunidade Solidária durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (presidente entre 1995 e 2002), e da atual primeira-dama Ana Estela Haddad, esposa de Fernando Haddad (prefeito de São Paulo entre 2013 e 2016), que coordenou nos últimos anos na Prefeitura de São Paulo o programa São Paulo Carinhosa, focado na primeira infância.

Oposição: ativista negra opina sobre as declarações de Bia Doria

A convite do Catraca Livre, a estudante de arquitetura e urbanismo pela PUC e ativista feminista negra, Stephanie Ribeiro  –  uma das palestrantes do TEDxSãoPaulo “Mulheres que Inspiram” –, comentou alguns trechos da entrevista da artista plástica.

Ribeiro é uma das militantes feministas mais ativas na internet, onde tem milhares de seguidores. Em sua página no Facebook, a estudante já havia revelado sua opinião sobre a entrevista de Bia Doria: “Ela e o Doria tem discursos idênticos, pois vivem uma vida desconectada com a realidade nacional, onde eles nem sequer vivenciam a cidade. Nem sequer sabem o que é andar de metrô”.

A estudante e ativista Stephanie Ribeiro

João Doria, do PSDB, foi eleito no primeiro turno como Prefeito de São Paulo com 53,29% dos votos válidos. Ele vai tomar posse em 1º de janeiro de 2017.

Abaixo, estão reunidas nas abas algumas das frases mais polêmicas ditas por Bia Doria na entrevista da Folha. Embaixo delas, Stephanie problematiza e interpreta algumas dessas questões.

A reportagem tem como objetivo fazer uma análise construtiva em cima do discurso da nova primeira-dama, a fim de tentar compreender o motivo pelo qual ele foi tão amplamente discutido e criticado nas mídias. Confira:

Stephanie Ribeiro: “O Brasil não tem noção que tem uma porcentagem de 1% da população que é extremamente rica. As pessoas acham que rico é ser da classe média, quando não. A Bia Doria faz parte de uma população mínima no Brasil, de super-ricos, e que convive entre super-ricos. Ela não vive a mesma cidade das outras pessoas, porque sua realidade é outra. Ela não vivencia a cidade. Ela vai de casa para o trabalho e do trabalho pra casa com o vidro fechado.

Ela, diferente de outras pessoas, é extremamente privilegiada e tem o poder de fazer escolhas. E ela faz a escolha de continuar fingindo que não conhece a realidade ou sendo alheia à realidade. A manutenção do privilégio dela também está nessa ignorância.

A ideia da meritocracia do Brasil está nessa fase. Pessoas defendem a ideia da meritocracia pra defender o que elas têm, mesmo que esteja nítido que não é mérito. Essas pessoas podem fazer escolhas. Outras não podem.

A arrumadeira da casa da Bia, por exemplo, é uma que não pode fazer escolhas. Ela tem que trabalhar, tem que ter um salário, tem que pagar as contas no final do mês. E é o ponto de chegarem para uma pessoa dessas e dizer: ‘você só não está no lugar que estou porque não se esforçou’. E esse discurso está ganhando força”, diz Stephanie.

Stephanie Ribeiro: “Ao meu entender, ela não está interessada em ver a funcionária com acesso à universidade e ao ensino superior. Ela tem uma visão assistencialista, quase católica, de que ‘eu dou aos pobres’, de que ‘tenho empatia aos pobres’, mas é uma visão que silencia essas pessoas.

Porque a partir do momento em que a Bia ver que essa pessoa que está a servindo passa a corresponder a ela, toda essa coisa se quebra, porque o que a gente está vendo é o exercício do poder“, opina a estudante.

Stephanie Ribeiro: “Ela é uma artista e qual é a ideia de arte que ela tem? O problema aqui é o incômodo que a Bia tem com a arte que questiona“, diz.

Stephanie Ribeiro: “Como mulher negra de classe média, as pessoas me cobram uma humildade. Eu não posso querer consumir – como o que a Bia está consumindo -, eu não posso querer ir a um restaurante, ter dinheiro para me divertir ou usar uma roupa de marca.

Quando uma pessoa pobre começa a querer consumir nesse sentido, ela é totalmente criminalizada. Te cobram falando sobre humildade, que humildade é viver com pouco. Que é ‘pouco o que elas querem’. Ou seja, parece que eu só posso exercer o papel que me ‘cedem’. Para ser uma funcionária, por exemplo”, comenta.