‘Bolsonaro é o que é; Alckmin não é o que parece’, diz Haddad
Candidato a vice na chapa de Lula, o ex-prefeito participou do “O Brasil visto de Baixo”, organizado pela Casa do Baixo Augusta e pela Catraca Livre
O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi o primeiro a participar do evento “O Brasil visto de Baixo”, ciclo de bate-papos com presidenciáveis organizado pela Casa do Baixo Augusta e pela Catraca Livre. Haddad foi entrevistado nesta segunda-feira, 13, por Gilberto Dimenstein, Alê Youssef, Djamila Ribeiro e Marcelo Rubens Paiva.
O petista respondeu a perguntas dos quatro entrevistadores e também a outras enviadas por leitores da Catraca antes e durante a transmissão ao vivo do encontro. A sabatina começou com questionamentos a respeito da candidatura de Lula, e depois trouxe à tona outros temas, como segurança pública, direitos das mulheres negras, aborto, cortes na educação, cultura e desemprego.
Veja abaixo as respostas de Haddad sobre diferentes assuntos:
Chapa de Lula
Logo no início, o ex-prefeito de São Paulo foi perguntado sobre o apoio ao ex-presidente Lula e o suposto anúncio de que, se for candidato, mudaria o nome na urna para Fernando Lula Haddad. “Nunca pensei em uma coisa dessas. O Lula vem sendo vítima de um processo e eu não consigo encontrar o fundamento da condenação. Falo isso como advogado, que leu as principais peças do processo. Nós não vamos abrir mão do Lula porque o eleitorado, o cidadão, não abre mão dele”, declarou Haddad.
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O petista ainda disse acreditar que há chances do ex-presidente ser candidato e tomar posse. “A própria lei da Ficha Limpa tem um dispositivo que garante que o candidato pode recorrer a outras instâncias para garantir sua candidatura”, afirmou. Em seguida, comentou o fato de o PT tentar fazer desta eleição uma defesa de Lula: “Acredito que isso não possa nos influenciar porque qualquer cidadão merece solidariedade estando na mesma situação que ele. Não posso admitir que naturalizemos isso”.
Apoiaria Alckmin ou Bolsonaro em um possível segundo turno?
Fernando Haddad: “Seria um pesadelo para nós ter que escolher entre Alckmin e Bolsonaro. O Bolsonaro é o que é. Alckmin não é o que parece. O Alckmin faz parte de um partido que arquitetou o impeachment e que deu margem a uma crise sem precedentes na história do país. Ele representa hoje a continuidade do projeto de Michel Temer”.
Quais são as propostas para reverter esse cenário assustador em relação aos direitos das mulheres?
Fernando Haddad: “Primeiro de tudo, é preciso recuperar uma agenda perdida no governo Temer. Antes disso era algo transversal, a nossa política, e nós vamos resgatá-la. Tínhamos como pauta a questão da mulher em políticas públicas, como o Bolsa Família, em que a mulher era a titular do benefício.
A mulher avançou muito no campo da educação, onde antes não tinha presença. O que planejamos agora é avançar no mundo do trabalho. Há programas de outros países que estamos estudando para colocar em prática. Para isso, começamos a mapear a interface da saída da educação, a fase do estágio até a entrada no mercado profissional”.
Qual a sua opinião sobre a descriminalização do aborto?
Fernando Haddad: “Do ponto de vista jurídico, o direito fundamental pode ser protegido pelo Supremo. Defendemos que a decisão sobre a descriminalização do aborto deve ser feita pelo STF. Minha opinião pessoal é a de que o encarceramento não resolve o problema: você tem mais abortos e mais mulheres vítimas, que morrem no parto”.
O Brasil teve 63 mil homicídios em 2017. Qual o plano da chapa para transformar essa realidade especialmente no que diz respeito à melhoria da segurança pública e direitos humanos?
Fernando Haddad: “Só 8% dos homicídios são esclarecidos no Brasil. Ao invés de preservarmos a vida, encarceramos homens e mulheres negras por conta de um combate ineficaz ao crime. Uma política baseada em estatística de ‘quantas pessoas prendemos no mês’.
Queremos reforçar o contingente da Polícia Federal no combate ao crime organizado, assim liberamos as polícias militar e civil do que hoje tem sido a marca de suas atuações: o encarceramento em massa de pessoas que estão portando pequenas quantidades de droga. Quando você chama para o plano federal o combate ao crime, você libera as policias para proteger o cidadão”.
Embora exista a reserva de vagas nas universidades para alunos negros e de escolas públicas, um grande problema é a permanência deles nessas instituições por causa dos cortes de verba que os mantêm. Qual sua opinião a respeito?
Fernando Haddad: “Existe espaço para aumentar a eficiência do serviço público sem gasto nenhum. O bom gestor público sabe disso. Nós poderíamos ter mais alunos nas federais, por exemplo, com pouco gasto além do atual. O resultado de um pouco de dinheiro a mais pode ser extraordinário”.
Como vocês farão para ampliar o acesso à internet e garantir a democratização das mídias?
Fernando Haddad: “Vamos fazer um programa nos moldes do ‘Luz para Todos’ para expansão da internet banda larga. Um programa de acesso digital.
O Brasil do ponto de vista da comunicação tem, em alguns estados, uma família comandando. Isso não pode, não é democrático. Censor é quem quer manter a concentração e não quer dar voz às pessoas.
E o que é a TV Cultura? Você nunca sabe quem será o ancora. Parece que é o governador quem escolhe o ancora. Você vai lá e não sabe se vai sair vivo”.
Uma das críticas mais contundentes e corretas em relação ao Bolsonaro é a falta de convicção sobre a democracia. Não seria uma posição longe do desejável, pra dizer o mínimo, o que PT encara, se relaciona, com países como Venezuela e Nicarágua. O PT numa nova gestão, iria repensar esse tipo de cosa?
Fernando Haddad: “Em primeiro lugar, os governos do PT, no plano federal, nunca tomaram partido quando há conflito, aberto ou não, em países da região. Eu acho essa posição correta do ponto de vista da chancelaria. Nosso Ministério das Relações Exteriores não tem que tomar partido quando há um conflito.
Esses países que você citou estão à beira de uma guerra civil. A Nicarágua teve mais de 400 mortos. A Venezuela também.
Na Venezuela, a tradição golpista se impôs. Não existe estabilidade institucional. Tentaram dar o golpe no Chavez, que tentou dar o golpe pra chegar ao poder. Depois sofreu um golpe, se manteve, fechando o regime. Se o Brasil quiser ajudar, não deve tomar lado. Acho que deve reconhecer o estado de conflito aberto.
Você não pode caracterizar que existe uma democracia num conflito aberto. A sociedade não tá conseguindo por meios institucionais chegar a um denominador comum. Se chama uma eleição, não consegue realizar. O papel do Brasil é fazer o que o Lula fazia muito bem, organizar o debate interno, como amigo da Venezuela, amigo da Colômbia, amigo da Bolívia”.
Você acha que o Brasil está preparado para uma pauta mais progressista. Tipo liberar a plantação de maconha para uso pessoal ?
Fernando Haddad: “No nosso programa é claro em relação à lei de 2006. O uso é uma coisa e tráfico é outra. Combater o tráfico e descriminalizar o uso. Se você ler o programa de governo do PT, ele é explícito em relação a isso. Propõe um política nova em relação às drogas e resgata o debate que foi feito em 2006 – que, infelizmente, foi aplicado de forma indevida, porque não deixou claro o que é consumo e o que é tráfico.
Ficou ao bel prazer da autoridade definir a quantidade e hoje a pequena quantidade é considerada tráfico.
O que sabemos que não é assim. Então fica assim ‘vou com a cara do cidadão’, não vou, então prende. Ou então corrupção, o que é pior ainda, porque o usuário rico não vai preso nunca, porque ele faz a interpretação de acordo com o tamanho da propina. Se a gente continuar encarcerando as pessoas dessa maneira, o sistema carcerário que já explodiu, vai se transformar numa coisa ingovernável. E pior, vai recrutar mais gente pro crime organizado, uma escola pro crime nesse país”.
Como vocês pretendem conciliar um projeto de desenvolvimento nacional, que englobe fortalecimento da indústria, formação do mercado consumidor, a busca pelo emprego, com essa questão do empreendedorismo que, muitas vezes, é utilizada pra justificar a destruição dos direitos sociais, justificar a precarização das relações de trabalho?
Fernando Haddad: “Em primeiro lugar, dizer que essa lei trabalhista é um fiasco. Ela induz à pejotização, a pessoa deixar de ser empregado de carteira assinada, para ser um falso empreendedor. Que na verdade ele só presta serviço pra aquela empresa, recolhendo menos impostos e prejudicando a previdência, inclusive.
O problema do empreendedor é o sistema de crédito, um sistema bancário oligopolizado que cobra do microempreendedor capital de giro de 30%, 40% ao ano. Se ele entrar no cheque especial, vai pagar mais de 100. O que nós estamos prevendo: quanto mais o banco cobrar de spread mais ele vai pagar imposto. Nós vamos induzir a redução do imposto. Vai doer no bolso do banqueiro cobrar juros alto.
Essas reformas trabalhistas aí são todas contra-reformas, é tudo pra trás. Nada é avançado, é tudo precarização, não é pela modernização das relações de trabalho”.
Assista na íntegra:
‘O Brasil visto de Baixo’
Os próximos bate-papos com os presidenciáveis ainda não têm datas definidas.
Guilherme Boulos (PSOL) confirmou a participação e o dia será divulgado em breve. Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) aceitaram o convite, mas a data de participação não foi definida. Álvaro Dias (Podemos) e Geraldo Alckmin (PSDB) ainda não confirmaram presença. Henrique Meirelles (MDB) afirmou que não poderá participar. Jair Bolsonaro(PSL), convidado pela Catraca, não respondeu até o momento.
A proposta das sabatinas é aproximar os candidatos à Presidência das dúvidas reais do eleitor e também destacar as propostas, valorizando a democracia. O tom é de conversa, com música antes e depois do evento, num formato que privilegia a informalidade sem, no entanto, deixar de lado os assuntos mais relevantes para o Brasil nos próximos anos.