Votação da PEC que pode barrar aborto é adiada mais uma vez
A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181/2015 na Câmara dos Deputados foi adiada mais uma vez nesta quarta-feira, dia 4. O projeto poderá vetar a interrupção da gravidez até mesmo nos casos em que é permitida — após estupros, quando há risco à vida da gestante e no caso de fetos anencéfalos.
A proposta, inicialmente, discutia apenas estender a licença-maternidade para até oito meses em caso de parto prematuro. Segundo o texto, no caso de nascimento prematuro, a licença de 120 dias concedida à gestante será ampliada à quantidade de dias de internação do recém-nascido, não podendo exceder 240.
Ao mesmo tempo, o parecer do deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP), relator da PEC 181/15, alterou dois artigos da Constituição. O artigo 1º passaria a ter a expressão “desde a concepção” quando fala da “dignidade da pessoa humana”. O termo também foi incluído no artigo 5º, que pode garantir “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.
Segundo a advogada Mariana Serrano, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas, a proposta é um ataque direto aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “Isso porque, embora precisemos ampliar esse entendimento e descriminalizar o aborto em sua totalidade, existem conquistas que já foram feitas e que não podem retroceder”, afirma.
A votação da PEC será feita em uma comissão especial formada por 28 deputados – 24 deles publicamente contrários à legalização do aborto e dos quais apenas três são mulheres.
A comissão foi criada em dezembro de 2016, após decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionado pela bancada religiosa. A medida ocorreu em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que definiu que a prática não deveria ser considerada crime no primeiro trimestre da gravidez.
Direitos das mulheres
Para a advogada, o que dificulta a garantia de plena liberdade aos direitos reprodutivos vai muito além da legislação penal ou das discussões jurídicas. “Isso parte de um sistema já pronto, que foi pensado, elaborado e mantido sob uma lógica de dominação sobre o corpo da mulher. É preciso fazer a reflexão desse tema com um pouco mais de profundidade”, ressalta.
Embora a Constituição Federal defenda a igualdade de gênero, as leis e as políticas públicas não estão em consonância com isso. Na prática, a realidade demonstra que existe um grande abismo entre esse ideal e o que efetivamente acontece na vida das mulheres.
“Por que o crime de aborto é exclusivo da mulher se, nos casos em que as mulheres desejam abortar, houve a participação de um homem nessa gestação? Por que existem tipos penais (crimes) que dependem do fato de ser mulher, mas não existe tipo penal que dependa do fato de ser homem?”, questiona a especialista.
Historicamente, os Códigos Penais do Brasil sempre tiveram crimes que dependiam de ser mulher para que fossem configurados. Antigamente, eram crimes de sedução, adultério, posse sexual mediante fraude, entre outros. Hoje, são o aborto e o infanticídio. No entanto, não existe um tipo penal que envolva a condição de homem.
“Isso demonstra que nosso sistema jurídico reproduz a lógica de que a responsabilidade pelo cuidado de filhos é exclusiva da mulher e a lógica de dominação sobre o corpo feminino por intermédio da lei. Além da lógica excludente, por meio da qual apenas as mulheres pobres não tem acesso à interrupção da gravidez, demonstrando, mais uma vez, que o crime é ser pobre”, conclui.
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