Como é a vida de um homem trans que está grávido?
Danny Wakefield viralizou nas redes sociais ao comemorar seus oito meses de gestação, e contou à Catraca Livre alguns detalhes de sua rotina
Danny Wakefield, de 34 anos, é um homem trans que mora em Duvall, Washington (EUA), e hoje exerce a função de cuidador de animais. Ele, que em breve será um fotojornalista itinerante, ficou internacionalmente conhecido ao comemorar 8 meses de gestação no começo do mês de outubro através de suas redes sociais.
Em entrevista exclusiva à Catraca Livre, Danny falou um pouco sobre o dia a dia de um homem transgênero grávido e também sobre quais cuidados ele precisou ter para que não houvesse complicações na gestação, sobretudo quando se teve que passar grande parte desse período em quarentena.
Durante a conversa, ele também falou sobre as dificuldades que teve ao decorrer de sua transição, que iniciou há 10 anos, quando ele tinha 25 anos.
A transição de gênero
Danny, assim como grande parte da população trans no mundo, passou por poucas e boas por simplesmente ser quem é. Para ele, ser uma pessoa trans significa superar obstáculos constantemente.
“Sou muitíssimo grato por ter uma família solidária e por ter criado uma comunidade maravilhosa de amigos. Eu de forma desafiadora perdi amigos ao longo do caminho e enfrentei muita discriminação, mas sou um privilegiado em comparação com mulheres trans pretas”, disse.
Mas, ele alerta para um situação bem constrangedora: mesmo sendo um cidadão americano, teve atendimento médico negado. “Fui ridicularizado enquanto estava em salas de emergência. Eu fiquei endividado para ter acesso a cirurgias e cuidados de afirmação de gênero”. Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos não possuem um sistema de saúde público, como o SUS.
Acompanhamento médico durante a gestação
Toda pessoa que fica grávida precisa tomar muitos cuidados, afinal esse período necessita de atenção. Com Danny não foi diferente. Quando descobriu que estava grávido, procurou por médicos que tivessem conhecimento e experiência em cuidados obstétricos trans.
“Comecei meus cuidados de gravidez com uma parte combinada de um obstetra e também de uma parteira. Mudei para cuidados de uma parteira completamente na 28ª semana. Agora, se tudo correr bem, continuarei meus cuidados de pós-natal com minha parteira e sem médicos adicionais”, diz.
A vontade grande de ser pai
Felizmente com os recursos e ações que temos hoje, qualquer pessoa pode se tornar um pai ou uma mãe, basta procurar qual a melhor solução para o cada caso específico. Danny, por exemplo, sempre quis ter um filho, antes mesmo de transicionar. Mesmo com os riscos que poderia ter, principalmente por conta da harmonização – o que tornou esse processo mais difícil -, ele queria carregar seu filho em seu corpo.
“Para que meu bebê se sentisse em casa no meu corpo, eu precisava primeiro me sentir em casa nele [também]. Não poderei amamentar, mas planejo usar leite de um doador. Tive momentos em que gostaria que a opção ainda estivesse lá, mas também sei que, se não tivesse feito uma cirurgia de ponta há dez anos, talvez não estivesse vivo para ter um bebê. Faria tudo de novo”, relatou.
Para ele, a vida de um homem trans grávido costuma ser uma jornada assustadora que constantemente vai contra o que a sociedade diz que é possível. Danny levantou uma questão importante: não são apenas mulheres cisgênero que podem gerar um filho, afinal, ele como pessoa trans, é a prova vida disso.
“Não acredito que criar um filho seja algo que só as mulheres fazem, e eu sou a prova disso. Embora eu tenha nascido com órgãos reprodutivos que permitem minha reprodução, isso não me torna mulher. Agora que estou em um lugar de amor-próprio, posso criar meu filho para que ele também possa ver e sentir a importância de amar a si mesmo”, fala.
Gravidez durante a pandemia
Danny foi um dos 7 milhões infectados pela Covid-19 nos Estados Unidos. Ele testou positivo em 10 de março, na época nem imaginava que estava grávido, descobriu isso um mês depois do teste positivo do coronavírus.
“Foi muito chocante não saber se eu viveria para descobrir que agora estou realmente criando uma vida. Tem sido muito difícil ser um homem trans grávido durante a pandemia. Tive uma gravidez muito difícil, o que levou a quatro visitas ao pronto-socorro durante um período em que o governo estava ativamente tentando privar meus direitos aos cuidados de saúde”, relatou.
Danny ainda contou que por estar no meio de uma pandemia, teve que ir ao pronto-socorro sozinho algumas vezes, sendo essa uma das partes mais difíceis da gravidez.
“Parecia um gatilho ter que voltar para aquele ambiente sozinho enquanto me sentia tão mal. Também tem sido muito desafiador para uma pessoa solteira que mora sozinho não poder receber pessoas em minha casa e me ajudar a me preparar para o bebê, além de não ter celebrações pessoais em preparação para este pequeno milagre”, revela.
Apesar de não estar recebendo ninguém em sua casa, ele está planejando realizar uma exibição virtual do bebê que permitirá a participação de pessoas de todo o mundo.
Como é fazer parte de uma revolução?
Inegavelmente, Danny é um dos caras que estão na linha de frente desta grande revolução de gênero que acontece pelo mundo. Só por fazer parte da comunidade LGBTQIA+ por si só já um grande sinônimo de resistência nos dias de hoje.
Mas, ser um homem trans e estar grávido, quase parindo, é muito mais que resistência, é uma contestação física e real contra pessoas conservadoras que não acreditam e renegam a geração de novas vidas fora de um relacionamento cisgênero e heteronormativo, considera o “normal” para muitas pessoas.
“Para mim, como uma pessoa trans grávida, minha visibilidade não é sobre a fama, mas sim a sobrevivência da minha comunidade. Já tive transcendentes que trilharam esse caminho antes de mim para que eu pudesse ver que este sonho também era uma realidade para mim”, ressalta.
Wakefiel tem um objetivo em documentar sua jornada como um homem trans para fazer com que pessoas da comunidade saibam que existem outras maneiras de começar uma família.
“Um propósito secundário para ser tão visível durante esta revolução é educar aqueles que podem nunca ter tido o privilégio de conhecer e amar alguém que é transgênero”.
Ele ainda levanta a questão relacionadas aos privilégios que tem em ser uma pessoa que se passa por um homem branco e como isso pode ajudar ele a conscientizar mais pessoas.
“Mulheres trans negras estão sendo assassinadas a uma taxa devastadora em todo o mundo. Ser visível e usar minha voz é uma responsabilidade que tenho para com aqueles que não têm voz. Não vem sem luta e muitas vezes é exaustivo ser visível, mas a esperança supera em muito o ódio”, finaliza.