Direitos: STF decide sobre grávidas e mães em prisão provisória

20/02/2018 14:41

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir hoje, 20 de fevereiro, se as mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que ainda não foram condenadas e estão em prisão provisória poderão deixar a penitenciária para responder em regime domiciliar.

Uma lei em vigor desde 2016 já estabelece que as detentas nessas condições podem pedir a prisão domiciliar justificando “assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem como prioridade absoluta”. No entanto, há uma resistência por parte dos juízes em conceder o benefício.

O STF irá decidir hoje, 20 de fevereiro, se grávidas e mães de crianças com até 12 anos poderão responder em regime domiciliar.
O STF irá decidir hoje, 20 de fevereiro, se grávidas e mães de crianças com até 12 anos poderão responder em regime domiciliar.

“Hoje, os juízes argumentam que não ficou comprovado (pela defesa dessas mulheres) que a mãe é insubstituível, o que é infundado. A mãe é sempre insubstituível, e esperamos que isso não precise ser comprovado caso a caso. Outro argumento é de que a defesa não conseguiu comprovar que a mãe está em situação degradante na cadeia, quando sabemos que o sistema penitenciário inteiro está em absoluta calamidade no Brasil”, disse Nathalie Fragoso, advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), à BBC Brasil.

Os ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votarão um habeas corpus coletivo defendendo que o confinamento no sistema prisional precário compromete o atendimento de saúde e pré-natal dessas mulheres, além de privar as crianças de condições adequadas ao desenvolvimento, configurando assim um tratamento cruel, degradante e desumano.

Segundo o CADHu, estima-se que gestantes e/ou mães de crianças pequenas representam hoje um terço da população carcerária feminina, composta por 42 mil mulheres. Sendo aprovada a medida de prisão domiciliar, aproximadamente 14 mil detentas serão contempladas. Ainda não é possível saber se o habeas corpus, caso acatado, terá efeito imediato ou não.

  • O nascer nas prisões

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mapeou detentas gestantes ou mães de bebês pequenos em penitenciárias de 24 Estados brasileiros entre 2011 e 2014: “A maioria tem entre 20 e 29 anos, é preta ou parda, de baixa escolaridade e muita vulnerabilidade social. E 62% delas já tinham de dois a quatro filhos”, declarou à BBC Brasil Maria do Carmo Leal, médica e pesquisadora da Fiocruz e coordenadora de uma pesquisa chamada “Nascer nas Prisões”, cujos dados serão apresentados ao STF durante a votação de hoje.

Hoje, no Brasil, ao ser presa, a mulher não perde a guarda dos filhos, mas ela fica suspensa até o julgamento definitivo do processo. A suspensão persiste se houver condenação a pena superior a dois anos. “Os irmãos são separados para viver em abrigos ou serem cuidados por parentes ou vizinhos. E bebês de até seis meses ficam com as mães na prisão na maioria dos Estados, enquanto são amamentados. Mas é um período de grande sofrimento, porque a mãe não sabe o que vai acontecer com a criança em seguida. Daí, de um dia para o outro esse bebê simplesmente deixa de ver a mãe, algo inominável para o desenvolvimento e a saúde infantil”, completa Maria do Carmo.

Cerca de 14 mil mulheres no Brasil seriam contempladas com a aprovação da medida que garante prisão domiciliar a grávidas e mães de crianças com até 12 anos.
Cerca de 14 mil mulheres no Brasil seriam contempladas com a aprovação da medida que garante prisão domiciliar a grávidas e mães de crianças com até 12 anos.

Um ponto que coloca em dúvida a decisão é se essas mães, por serem potencialmente criminosas, não colocam em risco os próprios filhos. Pedro Hartung, advogado do Instituto Alana, grupo de defesa dos direitos infantis, defende que os dispositivos legais já preveem que essas crianças sejam acompanhadas pelo Conselho Tutelar, que pode intervir caso o convívio com a mãe se converta em um risco. “Abusos ou violência podem resultar na perda do benefício da prisão domiciliar para a mãe”, observa.

Quando se olha para a população carcerária feminina no Brasil, a quinta maior do mundo, números apontam para uma preocupante explosão: cresceu 698% em 16 anos, segundo dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça. Do total de mulheres presas, 80% são mães e principais ou únicas responsáveis pelos cuidados dos filhos, motivo pelo qual os “efeitos do encarceramento feminino geram outras graves consequências sociais”, defendeu o Depen à Agência Brasil.

  • Caso recente

Recentemente, este debate público foi levantado após a jovem Jéssica Monteiro, de 24 anos, ter sido mantida presa ao ser detida grávida e dar à luz no dia seguinte, em São Paulo – conforme matéria publicada aqui no Catraquinha.

Também este ano, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, negou habeas corpus à mãe de uma criança de um mês de vida, impedindo-a de cumprir pena domiciliar. A prisão foi feita após a acusada ter sido encontrada com 8,5 g de maconha dentro de um bolo que ela levava ao marido na prisão.

Decisões como essas contrastam com o benefício concedido a Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, presa na Operação Calicute (desmembramento da Lava Jato), que é mãe de duas crianças – uma de 11 e outra de 15 anos, e que recebeu o direito à prisão domiciliar em dezembro, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF.

“O habeas corpus (em votação nesta terça) ressalta a forma seletiva como a Justiça trata as mulheres presas (…) e o quão contratantes são as decisões envolvendo mulheres de diferentes classes sociais. Por essa perspectiva, oferece uma oportunidade para que o STF corrija injustiças e revogue a prisão de todas, e não apenas de um grupo seleto de mulheres”, defende o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.

Essa é uma realidade que fica bastante clara na pesquisa da Fiocruz: “Mais da metade delas (detentas que aparecem no estudo) não tinha companheiros e um terço se declarou chefe de família. A maioria foi presa por delitos menores, como levar drogas para o marido na cadeia, vender pequenas quantidades da droga ou envolver-se em brigas. É a baixa democracia brasileira: prender mães pobres, (impondo-lhes) um castigo desse tamanho”, conclui Maria do Carmo Leal.

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