Em cartas, crianças pedem à Justiça do Rio fim da violência na Maré
"Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo", diz uma das mensagens
Em meio à violência extrema que atinge o Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, mais de 1,5 mil cartas de moradores das favelas foram entregues à Justiça estadual nesta segunda-feira, 12, pedindo que ações para proteger a população sejam retomadas.
Idealizada pela instituição Redes da Maré, a ação cobrava que o Tribunal de Justiça (TJRJ) reavaliasse o arquivamento de processo que estabeleceu medidas para proteger a população das comunidades.
Entre as mensagens escritas por crianças que vivem nas favelas, muitas acompanhavam desenhos mostrando helicópteros sobre casas e policiais atirando em moradores.
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“Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão mortas. Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação. Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo”, diz uma das cartas.
Veja algumas cartas:
“Boa tarde. Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão mortas. Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação. Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo. […] Muito obrigado por ter lido minha carta.”
“(O que) Eu tenho a dizer é que as operações matam muita gente. E essas operações são muito tristes. Uma vez minha mãe saiu para ver minha vó e deu tanto tiro que me escondi atrás da máquina de lavar. É isso que eu tenho a dizer.”
“Gostaria que mudasse a forma que eles entram na comunidade. Tenho pavor de escutar o barulho do helicóptero, as crianças se escondem atrás dos cômodos da casa com medo, a forma de bater na nossa residência já é assustadora. Batem, quase derrubam a porta, fazem uma zona nas casas dos moradores que estão trabalhando e, até mesmo quando nós estamos em casa, somos refém desse esculacho que fazem com a gente que mora na favela. Queremos paz na Maré.”
“Eu não gosto do helicóptero porque ele atira para baixo e as pessoas morrem.”
Justiça proíbe operações policiais
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu operações policiais nas comunidades do Complexo da Maré em horário de deslocamento escolar e fixou a necessidade de haver ambulâncias acompanhando estas ações. A decisão, divulgada nesta quarta-feira, 14, foi tomada após a morte de três jovens nos últimos cinco dias gerarem protestos no estado. As informações são da Agência Brasil.
A determinação atendeu a pedido feito pela Defensoria Pública do Estado em uma ação civil pública movida no ano de 2016, que já tinha sido implementada e suspensa. A decisão prevê ainda o compromisso de haver uma comunicação prévia da ação policial aos hospitais públicos próximos ao local da incursão e obriga a instalação de equipamentos de GPS, de vídeo e de áudio nas viaturas da Polícia Militar e da Polícia Civil.
Essas medidas já haviam sido impostas em liminar concedida em junho de 2017. Há dois meses, porém, a juíza Regina Lucia Chuquer a derrubou, liberando o governo estadual para conduzir as operações policiais sem precisar observá tais obrigações. A Defensoria Pública recorreu e desembargador Jessé Torres restabeleceu hoje a liminar.
Na ação, a Defensoria Pública pleiteou ainda um plano de redução de danos durante as incursões nas comunidades, de modo a evitar violações aos direitos dos moradores. A liminar de 2017 também acolheu esse pedido. No entanto, de acordo com o órgão, as autoridades policiais do estado nunca apresentaram o plano.
Levantamento
A Redes da Maré lançou nesta segunda-feira, 12, um estudo sobre o aumento da violência nas 16 favelas que fazem parte do complexo.
Segundo o levantamento, nos primeiros seis meses deste ano, foram feitas 21 ações policiais na Maré, o que representa mais do que o total em todo o ano de 2018, 16 operações.
Das 21 ações em 2019, oito aconteceram em conjunto com o uso do helicóptero – chamado pelos moradores de “caveirão voador”.
De acordo com a pesquisa, as operações com o uso de helicópteros resultam em mais letalidade, pois ocorreram sete mortes em 2018 e 14 este ano (quando houve o uso de aeronaves).
A instituição também registrou o total de mortes durante as ações policiais: foram 15, quatro a menos do que em todo o ano de 2018. O número de mortes está associado à falta de atendimento de profissionais de saúde durante as operações, como informou a análise do estudo.