Em vídeo ao lado de ativistas negros, mãe de João Pedro cobra justiça
“É urgente rever a maneira que eles invadem as casas nas favelas”, desabafa Rafaela Pinto; caso completou quatro meses na semana passada sem esclarecimento
“Ele tinha sonho de ser advogado, ele tinha sonho de ser jogador de futebol”, lembra Rafaela Pinto, mãe do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morto durante operação das polícias Civil e Federal no Rio de Janeiro, no dia 18 de maio. A declaração consta de um vídeo gravado à plataforma de abaixo-assinados online Change.org, que hospeda uma petição com mais de 3 milhões de assinaturas por justiça ao menino.
O vídeo, divulgado nas redes sociais da organização na semana passada, faz parte de uma campanha lançada pela Change.org para ampliar a visibilidade de mobilizações surgidas na plataforma com a temática antirracista. Três importantes nomes do movimento negro do Brasil – a rapper Preta Rara, a militante Preta Ferreira e o escritor Ale Santos – participam.
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“Não dá mais para a sociedade brasileira olhar e apenas assistir tudo isso de braços cruzados”, pontua no vídeo o escritor e pesquisador Ale Santos. “Exigimos justiça para João Pedro”, acrescenta a militante Preta Ferreira. A campanha espera intensificar o debate sobre o racismo estrutural no Brasil, além de gerar mais pressão na sociedade por mudanças.
O abaixo-assinado que pede justiça a João Pedro foi criado nos Estados Unidos e só viralizou no Brasil mais de uma semana depois do crime, quando a atriz americana Viola Davis compartilhou no Twitter, como reflexo dos protestos decorrentes da morte de George Floyd.
Famosos e políticos repercutem morte do menino João Pedro
O vídeo relembra como aconteceu o crime que tirou a vida do adolescente. Nele, a mãe do garoto critica a forma de atuação da polícia nas comunidades. “É urgente rever a maneira que eles invadem as casas nas favelas tratando todos como se fossem bandidos. Isso é inaceitável”, diz Rafaela. Ao lado dela, a rapper e historiadora Preta Rara pede que mais pessoas se engajem no abaixo-assinado para que a morte não fique impune.
A petição “Justiça por João Pedro” faz parte do movimento “Vidas Negras”, que concentra em um hotsite da plataforma Change.org mais de 90 abaixo-assinados e 7,8 milhões de apoiadores em torno que pautas que buscam justiça racial. O projeto tem parceria da Coalizão Negra Por Direitos, que reúne 150 organizações, entidades, grupos e coletivos do movimento negro no Brasil. Confira a página: changebrasil.org/vidasnegras
“É urgente que haja uma ação antirracista no país onde a polícia mata 17 vezes mais pretos que nos Estados Unidos. E onde a cada 23 minutos um jovem negro é violentamente assassinado”, declara a diretora-executiva da Change.org no Brasil, Monica Souza, explicando que essa necessidade levou a organização a lançar uma campanha contra o racismo.
Racismo estrutural
O adolescente João Pedro foi atingido por um tiro de fuzil durante uma operação das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo informações divulgadas, ele foi baleado dentro de casa, enquanto brincava com os primos. As paredes do imóvel ficaram marcadas por mais de 70 de tiros.
Familiares passaram horas sem notícias do adolescente. Depois de inúmeras buscas, conseguiram localizar o corpo da vítima no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.
O caso segue em investigação pela Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. A pedido da Defensoria Pública, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP/RJ) também abriu um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) independente.
No último dia 18, o crime completou quatro meses sem esclarecimentos. Três policiais investigados pela morte foram afastados das ruas. No final do mês passado, o MP pediu à Polícia Federal uma nova análise de confronto balístico para tentar identificar a arma de onde partiu o tiro que matou João Pedro, já que o laudo feito pela Polícia Civil foi inconclusivo.
O Atlas da Violência 2020 mostrou que a taxa de mortes de pessoas negras cresceu 11,5% entre 2008 e 2018, chegando a 37,8 casos por 100 mil habitantes. Já a de não negros caiu 12,9% no mesmo período, ficando com uma taxa de 13,9 no ano de 2018. O relatório é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Das 27 unidades federativas do Brasil, o Rio de Janeiro ficou com a 10ª mais alta taxa de homicídios de pessoas negras: 50,6 a cada grupo de 100 mil habitantes, bem acima da nacional (37,8) e mais que o dobro da de não negros no Estado, que ficou em 20,6.
A população negra também é o maior alvo das mortes decorrentes de intervenção policial no país. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 – o mais recente – mostra que das 6.220 das pessoas mortas pela polícia no Brasil, em 2018, 4.690, ou 75,4%, eram negras.
Para tentar reerguer a família, a mãe do João Pedro lançou uma vaquinha. O objetivo é conseguir recursos para se mudarem do local onde o menino foi morto e que representa um trauma, comprarem uma casa em outro lugar e ter apoio para criar a irmã do garoto. A meta de arrecadação é de R$ 100 mil, mas até agora foram doados apenas cerca de R$ 2 mil. Para ajudar a família do adolescente, acesse o link da vaquinha online: http://vaka.me/1259571
As investigações
A Change.org entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Polícia Civil do do Rio de Janeiro para saber sobre o andamento desses quatro meses de investigações e para ter uma resposta às mais d e 3 milhões de pessoas que se juntaram ao abaixo-assinado.
A instituição respondeu que, de acordo com a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), a investigação está em andamento. “Os policiais civis que participaram da operação prestaram depoimento. Também foram ouvidos os pilotos da aeronave, o bombeiro socorrista e duas testemunhas”, diz a nota enviada pelo órgão. “Os laudos de necropsia e de local foram anexados ao inquérito”, completa a resposta.
O Ministério Público do Rio de Janeiro também foi procurado, por meio de sua Coordenadoria de Comunicação Social, e enviou nota. Nela, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) esclarece que, no Procedimento de Investigação Criminal (PIC), já foram ouvidos os parentes de João Pedro e todas as testemunhas do fato, e que neste momento estão sendo ouvidos os policiais federais que participaram da operação.
Além disso, o grupo ressalta que irá acompanhar a reprodução simulada dos fatos a ser designada pela Polícia Civil nos autos do inquérito da Delegacia de Homicídios. “O GAESP reafirma que está tomando todas as medidas e realizando todos os esforços para que a investigação atenda os ditames da Corte Interamericana de Direitos Humanos e que os fatos sejam cabalmente esclarecidos no melhor interesse da verdade e da Justiça”, destaca a nota.