Engenheiro recria publicidades de cueca com corpo real e viraliza
“Representatividade importa. Quero homem gordo de cueca”, afirmou Ricardo Sfeir
Os abdômens trincados e os corpos magros representados representantes fiéis dos padrões estéticos da sociedade em que vivemos está presente de forma massiva nas publicidades de qualquer empresa, principalmente nas mega corporações, mas isso não faz, nem de longe, que esse corpo seja real. E foi isso que inspirou o engenheiro paulista Ricardo Sfeir , de 27 anos. Ele recriou campanhas publicitárias da famosa marca de cueca Calvin Klein com a ajuda do artista visual Rhoger Chagas para chamar atenção sobre um tema necessário: A representatividade. O projeto é tão legal que repercutiu nas redes sociais e acabou viralizando.
No último sábado, 1º, Sfeir , começou a publicar as fotos em seu perfil, numa delas ele é categórico: “Representatividade importa. Quero homem gordo de cueca” , escreveu.
Com a repercussão do projeto realizado pelo engenheiro, nós da Catraca Livre conversamos com Ricardo. O papo foi muito legal e você pode ler a íntegra abaixo:
Catraca Livre: Como surgiu a ideia de refazer as propagandas?
Ricardo Sfeir: Eu sempre gostei muito das campanhas da Calvin Klein, em especial as de roupa íntima. A Calvin marcou diversas épocas com suas propagandas provocativas, desde Mark Wahlberg até Pabllo Vittar. Ela constantemente evolui para abraçar os desejos da população e faz um trabalho constante em termos de representação. Passei um tempo nas redes sociais fazendo pesquisa quanto a propagandas de cueca e percebi que quase não havia representação do corpo gordo masculino, especialmente quando falamos de roupa íntima.
A grande inspiração pra mim foi ver a Jari Jones estampada em um Billboard – uma mulher trans, negra e gorda. Foi vendo essas fotos, que realmente me senti inspirado. Quando se passa uma vida sem representação, ver sequer uma propaganda com o corpo gordo, resulta em uma sensação de inspiração, de possibilidade e foi ai que eu percebi quão forte essa pauta era.
Catraca Livre: Qual o objetivo do projeto?
Ricardo Sfeir: O projeto tinha dois grandes objetivos, para ser sincero. O primeiro, era viver o meu sonho de adolescente, e poder me enxergar nas propagandas que eu sempre considerei icônicas. Confesso que poder me ver com o logo da Calvin, reproduzindo o trabalho dos anos prévios, me trouxe uma felicidade inexplicável.
O segundo e principal objetivo era realmente instigar outras pessoas a fazer as mesmas perguntas que eu, quanto à falta de representatividade. Vez após vez, nós que somos plussize nos encontramos em situações desconfortáveis no processo de compra de roupa. Na grande maioria das vezes, somos limitados quanto a que tipos de peças podemos usar e falta tamanho mesmo nas lojas que dizem incluir roupas para o corpo gordo. Mais do que isso, não nos vemos representados, mesmo nessas marcas. Por que?
Catraca Livre: Você acha que sua experiência com gordofobia é o que leva uma ideia sútil ter uma mensagem tão forte de representatividade?
Ricardo Sfeir: Desde que me libertei de julgamentos de terceiros e próprios quanto ao corpo gordo, percebi que tudo que faço em liberdade acaba transmitindo uma mensagem de representatividade. Somos tão condicionados a ter uma conotação negativa quanto ao peso, sobretudo nos casos de excesso, que quando nos livramos dessas preocupações e fobia, o nosso ato de amor próprio acaba tendo conotação política. Não se condicionar ao status quo, por si só, já é um ato de resistência e quando fazemos isso deliberadamente, damos força e incentivamos para que outros possam ter a coragem de fazer isso também. Estou esperançoso, que esse projeto possa ajudar outras pessoas a se sentirem mais confortáveis na sua própria pele.
Catraca Livre: Como você acha que a publicidade dá forma como é comumente realizada impacta na vida das pessoas fora do padrão estético estabelecido na sociedade?
Ricardo Sfeir: Somos condicionados desde cedo a esperar esse tipo de representação. Quantas propagandas você já viu que representavam o consumidor real desses produtos? Crescer vendo esse tipo de publicidade reforça desde cedo que o corpo ideal, aquilo que consideramos bonito, deve se encaixar necessariamente no padrão estabelecido. Ficamos à mercê de corpos inatingíveis pra uma grande parcela da população, reforçado ainda pelas edições no photoshop. Isso acarreta uma série de problemas, desde dismorfia corporal, transtornos alimentares, auto estima comprometida e tantos outros.
No caso de cueca, isso também reforça a ideia de que a representação de homem pela sociedade, é aquele que transmite masculinidade e força física, o que alimenta todo um ideal de machismo. Acredito que falo por mim e por tantos outros, que cansamos de ver esse tipo de propaganda. Não só estamos preparados, como queremos uma mudança. As marcas precisam perceber que os tempos mudaram e que quem está no centro do modelo de negócios deles, são os consumidores.
Catraca Livre: Como foi refazer as fotos, todo esse processo? Conta uma curiosidade pra gente?
Ricardo Sfeir: Olha, precisei ter muita criatividade para reproduzir as fotos dentro de casa, mas foi extremamente divertido! Eu selecionei as campanhas e as fotos que eu mais gostava e a partir dai fui estudando os cantos da casa que eu poderia utilizar. Luz, objetos, poses e cores foram todas pensadas nesse projeto e inclusive passei na Calvin Klein para ver se encontrava os modelos exatos das propagandas – apesar de algumas estarem em falta.
Tive ajuda no processo de edição do Rhoger Chagas para inserir o logo e arrumar alguns fundos, e para tirar as fotos, a minha cunhada e um ring light foram meus fotógrafos profissionais hahaha. Depois desses detalhes, o projeto teve uma certa facilidade e a ordem de postagem foi pensada com a ajuda de amigos próximos. No geral, qualquer pessoa que queira refazer, consegue – o projeto é acessível. Inclusive, adoraria ver outras pessoas reproduzindo suas campanhas prediletas, quem sabe não vira um challenge?
Nós da Catraca Livre apoiamos esta ideia, Ricardo. Quanto mais vermos corpos reais desfilando sua beleza, seja nas ruas ou nas redes, melhor. E aí, quem aceita o desafio? 😄