Entenda por que Milton Ribeiro deixou o Ministério da Educação

O ministro entregou uma carta de demissão a Bolsonaro. Nela, ele nega irregularidades em seu mandato no MEC

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, será exonerado do cargo após pedir demissão em meio ao escândalo que revelou a existência de um “gabinete paralelo” no Ministério de Educação (MEC) comandado por dois pastores evangélicos, que não tem nenhum cargo oficial no governo.

Entenda por que Milton Ribeiro deixou Ministério da Educação
Créditos: Isác Nobrega/Agência Brasil
Entenda por que Milton Ribeiro deixou Ministério da Educação

A decisão foi tomada em reunião entre o ministro e o presidente Jair Bolsonaro, nesta segunda-feira, 28, no Palácio do Planalto.

O ministro entregou uma carta de demissão a Bolsonaro. Nela, ele nega irregularidades em seu mandato no MEC. “Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade (confira a íntegra no final desta matéria)”.

Porém, tornou-se público nesta segunda, em reportagem publicada pelo Estadão, que exemplares de Bíblias com fotos do ministro de Ribeiro, e dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura foram doados em um evento organizado pelo Ministério da Educação (MEC) na cidade de Salinópolis, no Pará.

Os dois religiosos são suspeitos de pedirem propina em barra de ouro para intermediar reuniões com o MEC e conseguir a liberação de verbas.

ENTENDA O ESCÂNDALO QUE LEVOU RIBEIRO A PEDIR DEMISSÃO DO MEC

De acordo com informações obtidas pelo Estadão, as Bíblias foram doadas em 3 de julho de 2021 durante um encontro entre prefeitos e secretários municipais do estado do Pará, com a presença de Milton Ribeiro e dos pastores Gilmar e Arilton.

Os textos nas Bíblias distribuídas com as fotos dos pastores e do ministro,  apontam que ela foi ‘patrocinada’ pelo prefeito da cidade de Salinópolis, Carlos Alberto de Sena Filho, conhecido como Kaká Sena (PL), que também teve fotos suas publicadas nos exemplares do livro religioso.

Segundo relatos de quem participou do evento ao Estadão, Kaká foi o anfitrião do evento na cidade e pagou pela impressão de mil Bíblias, a R$ 70 cada exemplar.

A edição do livro foi feita pela Igreja Ministério Cristo para Todos, ramificação da igreja evangélica Assembleia de Deus, cujo presidente é o pastor Gilmar Santos, que se sentou ao lado de Milton Ribeiro e Marcelo Ponte, presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) durante o evento.

A igreja chefiada por Santos é dona de uma gráfica em Goiânia.

Após o evento com a distribuição das Bíblias, em Salinópolis, Milton Ribeiro aprovou a construção de uma escola no município no valor de R$ 5,8 milhões, sendo R$ 200 mil empenhados no fim de dezembro de 2021.

Na Bíblia distribuída no evento diz: “O professor e pastor presbiteriano e atual Ministro da Educação Milton Ribeiro têm construído uma comunhão especial com o pastor Gilmar Santos. Juntos tem realizado muitos seminários em diferentes regiões levando adiante vários projetos de melhoria da Educação Básica, o que tem permitido muitos prefeitos a implementar melhorias no ensino e nas condições muitas vezes precárias nas escolas”.

O prefeito não comentou a distribuição dos livros, mas o ministro Milton Ribeiro, depois da publicação da reportagem, negou, em suas redes sociais que tenha autorizado o uso de sua imagem nas Bíblias distribuídas no Pará.

“Descobri no final de outubro de 2021 que Bíblias com minha imagem foram distribuídas em outros eventos sem a minha autorização. Novamente agi com diligência e de forma tempestiva para evitar o uso indevido de minha imagem. Imediatamente, em 26 de outubro de 2021, enviei ofício desautorizando esse tipo de distribuição”, disse o ministro.

O ESQUEMA

Professor Kelton (Cidadania), prefeito de Bonfinópolis, em Goiás, disse ao Estadão que durante um encontro, no início de 2021, o pastor Arilton Moura pediu R$ 15 mil para pagar seus gastos em Brasília e a aquisição de Bíblias para conseguir a liberação de recursos no MEC.

“Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta. Você vai comprar mil Bíblias, no valor de R$ 50, e vai distribuir essas Bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, teria afirmado Arilton, de acordo com o prefeito de Bonfinópolis.

“Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no ministério.” Professor Kelton declarou não ter aceitado o pedido do religioso.

Vídeo

O Estadão ainda obteve um vídeo em que o prefeito de Kaká Sena agradecendo ao pastor Gilmar Santos pelo encontro. “Obrigado, pastor, por ter me ajudado a chegar neste momento. (…) Este momento é um momento ímpar, para que a gente possa aproveitar e sugar o máximo o MEC, o FNDE”, declarou, completando que Ribeiro tinha “terceiro maior orçamento” do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Milton Ribeiro agradeceu Gilmar Santos, o chamou de “amigo”, e elogiou Bolsonaro.

“Eu tenho tido apoio total e irrestrito do senhor presidente da República. Quero dizer aos senhores que estão aqui nesta reunião que nós podemos qualificá-lo com muitos adjetivos ruins, ele tem defeitos como eu tenho, mas eu sou testemunha de que nós não temos mais na Presidência da República um corrupto, um desviador de merendas de escola pública e que só pensa nele.”

E completou: “Eu que decido todo dia (um orçamento de) R$ 480 milhões de reais. Em nenhum momento recebi ligação do presidente pedindo proteção para A ou B”.

Gilmar Santos ainda elogiou Milton Ribeiro e relacionou o trabalho do amigo com o “ministério” de Jesus Cristo.

“Como ministro do Evangelho, pela Graça de Deus, eu consigo nesta tarde visualizar e fazer um paralelismo com o que está acontecendo aqui e o que Cristo fez.”

“O ministério de Jesus Cristo apoiava-se em três pilares”, comentou o pastor. “E ia ele por todas as cidades, povoados e aldeias, ensinando e pregando o Evangelho do Reino e curando os enfermos.”

DENÚNCIAS ANTERIORES

Além do escândalo das Bíblias, o MEC já vinha sendo apontado como esquema de propina e vantagens indevidas no governo Bolsonaro. Segundo uma reportagem, também do Estadão, o gabinete do ministro, Milton Ribeiro, pelos pastores que determinam as agendas para “alinhamento político” e decidem até a distribuição de verbas federais destinadas à educação do país.

Os pastores andam em voos públicos com aviões oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) e são liderados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Nos últimos 15 meses os dois estiveram presentes em 22 compromissos oficiais no MEC, 19 deles com a presença do ministro. Algumas das reuniões são descritas como “alinhamento político”.

Segundo a reportagem, o gabinete atua como um lobby, e tem palpite na decisão de destinação de recursos da pasta, além de intermediar encontros com autoridades de governo estaduais e empresários.

Especialistas em direito público ouvidos pelo jornal apontam irregularidades como tráfico de influência e usurpação da função pública pelos pastores. “Qualquer pessoa pode levar determinados pleitos a algum representante do poder público. É legítimo. Agora, a partir do momento que passa a ser uma prática, um exercício de uma atividade pública (por alguém que não faz parte da administração), configura o crime”, afirma o advogado Cristiano Vilela.

Na primeira reportagem denunciando o esquema, o Estadão já havia levantado que no dia 7 de agosto, do ano passado, os pastores levaram o ministro para uma agenda com prefeitos em Coração de Maria (BA), de 28 mil habitantes, governada por Kley Lima (Progressistas).

Ao discursar no evento, o pastor Arilton Moura agradeceu a presença de Milton Ribeiro, deixando claro que ele havia patrocinado a visita do ministro.

“Houve o maior interesse de trazer o ministro, nosso irmão, nosso amigo, para cá”, disse o religioso. “Esse é o nosso governo. É o governo do presidente Jair Bolsonaro.” Ribeiro, por sua vez, saudou “meus amigos Arilton e Gilmar”. “As coisas aconteceram também pela instrumentalidade dos senhores”, disse o ministro.

Os pastores atuam especialmente na intermediação entre a pasta e prefeitos do Progressistas, do PL e do Republicanos. O bloco de partidos comanda o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão que concentra os recursos do ministério é presidido por Marcelo Ponte, ex-assessor do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, chefe do Progressistas. De um orçamento de R$ 45 bilhões do MEC em 2022, o FNDE possui R$ 945 milhões.

Leia íntegra da carta Milton Ribeiro:
 
Desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas na mídia foram levantadas suspeitas acerca da conduta de pessoas que possuíam proximidade com o Ministro da Educação.
Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.

Eu mesmo, quando tive conhecimento de denúncia acerca desta pessoa, em agosto de 2021, encaminhei expediente a CGU para que a Controladoria pudesse apurar a situação narrada em duas denúncias recebidas em meu gabinete. Mais recentemente, em _, solicitei a CGU que audite as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja duvida sobre a lisura dos processos conduzidos bem como da ausência de poder decisório do ministro neste tipo de atividade.

Tenho três pilares que me guiam: Minha honra, minha família e meu país. Além disso tenho todo respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil.

Assim sendo, e levando-se em consideração os aspectos já citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção.

Não quero deixar uma objeção sequer quanto ao meu comportamento, que sempre se baseou em pilares inquebrantáveis de honra, família e pátria. Meu afastamento do cargo de Ministro, a partir da minha exoneração, visa também deixar claro que quero, mais que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas deste Ministro de Estado de interferir nas investigações.

Tomo esta iniciativa com o coração partido, de um inocente que quer mostrar a todo o custo a verdade das coisas, porém que sabe que a verdade requer tempo. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica.

Meu afastamento é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política, que exige de mim um senso de país maior que quaisquer sentimentos pessoais.

Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta, para ajudar meu país e o Presidente Bolsonaro na sua difícil mas vitoriosa caminhada.

Brasil acima de tudo!!! Deus acima de todos!!!”

A relação de Milton Ribeiro com evangélicos já era conhecida quando ele foi nomeado. Confira abaixo: