Estudantes acusam policiais por agressão e invasão de propriedade em república universitária

Incidente envolvendo policiais militares e estudantes universitários deixa seis jovens feridos em Bauru (SP)

Quem policia a polícia? Neste caso, a Polícia Militar do Estado de São Paulo, gerida, estruturada e bancada – financeira e juridicamente – pelo governo paulista de Geraldo Alckmin (PSDB).

A pergunta se faz necessária em meio à série de abusos cometidos por oficiais da corporação, denunciados dia após dia – nas redes sociais ou eventualmente na mídia – casos de agressões, prisões arbitrárias, coação e, claro, mortes: Luana Barbosa dos Reis, um dos casos mais recentes que será lembrado pelo uso excessivo da força contra uma mulher, agredida brutalmente até a morte por três policiais militares na periferia de Ribeirão Preto (SP).

E diante de inúmeros relatos que escancaram, para o Brasil e ao mundo, a sádica postura a “ferro e fogo” de parte da instituição, um novo testemunho divulgado no Facebook explicita a questão da violência policial, veementemente ignorada quando não estimulada por setores da mídia, política e sociedade.

A consequência desses fatores você confere no texto abaixo, divulgado pelo estudante Michael Barbosa que relata um incidente envolvendo policiais militares e moradores de uma república universitária em Bauru, no interior paulista, no último domingo, 19.

“Isso é um relato pessoal, só isso. O que eu vi, ouvi e senti nessa última noite de domingo. Fazíamos um churrasco em casa, acordei cedo, ajudei a juntar o dinheiro dos meninos de casa – 20 reais cada um – e fui no mercado fazer as compras com outros amigos. Começamos por volta das quatro da tarde num total de 16 pessoas e, no ápice, éramos em aproximadamente 30. Churrasco. Não era festa.

O churrasco estava no seu último ato, um abacaxi que estávamos assando e que foi levado para a cozinha para ser cortado. A polícia apareceu por volta das 22h45. A informação chegou no fundo da casa, Desliga o som! Desliguei. Fui para a frente ver o que acontecia e ajudar com o abacaxi. Coloquei a cabeça para fora e vi um dos meninos que mora comigo sendo puxado para fora por um policial militar enquanto outro amigo tentava separar. Vi esse primeiro sendo trazido para dentro da casa enquanto o policial soltava um chute.

Saí de casa e comecei a conversar com um segundo PM. O primeiro policial, num estado de ânimo e exaltação inacreditável, esguelava, Eu quero aquele moleque!, hoje vocês vão conhecer a Polícia Militar do Estado de São Paulo! Enquanto eu e outros amigos tentávamos argumentar vi uma menina amiga nossa ser agredida com o cacetete por um dos PMs. Perguntei se era hábito deles a covardia e a agressão gratuita a mulheres. Tomei o primeiro soco, na cabeça.

Atordoado, cometi a inocência de correr para dentro de casa, na ilusão de que eles não invadiriam a nossa casa. Capaz. Dois entraram na minha cola, me derrubaram já dentro de casa contra o portão da garagem, e então o espancamento. Uma porrada com cassetete no braço esquerdo e outra no ombro direito, um chute na coxa, mais tantas porradas que eu não sabia de onde estavam vindo e nem onde estavam pegando. Me encolhi no chão em posição fetal tentando proteger o estômago enquanto me mandavam deitar com o rosto no chão.

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Ali deitado ouvi o primeiro disparo. A menos de um metro de distância um dos PMs mirou e atirou com sua arma de bala de borracha na canela de um amigo que estava com os braços abertos, indefeso. Um segundo disparo e um terceiro enquanto eu era algemado. Um deles ricocheteou na mesma amiga que apanhara ainda no começo disso tudo. Namorada, amigas e amigos implorando para que parassem a barbárie. Reforço. Um total de 11 viaturas para um churrasco de domingo.

Bomba de efeito moral e gás de pimenta comendo solto. Já algemado e na viatura, um jab frontal bem no nariz, a bermuda suja de sangue, o cuspe vermelho; a espera angustiante na viatura em frente à casa que me acolheu e que eu residi nos últimos cinco anos. No caminho à delegacia, o medo. Para onde vão me levar?, o que vão fazer comigo?, eu vou virar estatística? E ai os flashs constrangidos de calma, Eu não, nem pobre, nem preto e nem isso aqui é favela, eu sou universitário, isso é bairro de classe média, não vão fazer nada comigo, não é capaz. Mais uma hora na viatura em frente à delegacia. Do lado de fora meus espancadores apontam e dão risada enquanto eu ouço o rádio da polícia e suas chamadas de “desinteligência”.

Vagabundo, lixo, maconheiro, saí da viatura, lava o rosto, vai pra salinha, chá de cadeira; o amigo que também foi detido e espancado pede uma ligação, Não, não tem ligação. Ameaças, advogado, mais espera e incerteza. Acusações: desacato, pertubação da ordem, resistência e desobediência.

Já fora da delegacia, recebo abraços e informações, O estado dele é grave, vai precisar ser internado, o olho dele tá destruído, ele pode perder parte da visão, não tem oftalmologista de plantão no Hospital de Base. Desencontros, chega um e outro com curativo. Leio a primeira matéria que saiu sobre o caso, um anti-jornalismo nojento do Jornal da Cidade, não se prestaram a entrevistar ninguém do nosso lado da história, um tal tenente foi a única fonte. Tento dormir com a incerteza do estado de saúde de um amigo que há dois anos mora comigo. Dia seguinte, IML, tem que fazer exame de corpo de delito, Parece que o seu nariz tá quebrado, o médico disse.

Pronto-socorro, mais espera, volto para casa ainda sem saber se, afinal, quebraram ou não o meu nariz. Vejo-o pela primeira vez, dou um abraço, vem, só agora, a vontade de chorar, olhando para o que sobrou do olho dele. Vou para o quarto chorar. Impotente, resignado, puto.

Não houve copo de cerveja sendo arremessado. Não teve nenhum policial agredido. Não teve – óbvio! – ninguém tentando tirar arma de policial. Teve uma cena de guerra na Risca-Faca, teve uma instituição militar lidando com despraparo e violência com um churrasco que envolvia, se muito, 30 pessoas – churrascos aos domingos mais comuns, inclusive, a um de nossos vizinhos que a nós. Teve muita mentira, teve viatura parando no caminho para dar mais uns tapas, teve tiro com arma de borracha à queima roupa, teve mulher e homem apanhando, teve gás de pimenta, bomba de efeito moral, invasão de propriedade sem flagrante ou mandado, ofensas e ameaças de toda a sorte, uma mídia porca. Mas eles avisaram, era dia para a gente conhecer a polícia militar do Estado de São Paulo. A gente teve uma amostra.

* O meu estado de saúde e de todos os amigos envolvidos é estável. Nosso amigo que mais apanhou [foto] não corre risco de ter a visão comprometida. Estamos amparados emocionalmente e juridicamente. Contamos com todo o apoio de colegas, amigos e professores, especialmente na cidade Bauru”.

Polícia alega que estudante atirou copo de cerveja em oficial 

Na edição da última terça-feira, 19, o jornal Folha de S. Paulo divulgou a justificativa da polícia militar: “Em nota, a corporação afirmou que os estudantes se recusaram a abaixar o volume da música e ofenderam os PMs, chamando-os de “fascistas”. Um dos estudantes chegou a atirar um copo de cerveja contra um policial, ainda segundo a corporação. A polícia também afirmou que, após resistência de um deles à voz de prisão, um grupo partiu para cima dos policiais, que tiveram de chamar reforço”.