Exposição imersiva mostra os efeitos das mudanças climáticas

Fizemos uma entrevista exclusiva com Felipe Lobo, um dos curadores da exposição O DIA SEGUINTE. Confira!

Em parceria com Instituto Clima e Sociedade
27/09/2019 13:02 / Atualizado em 01/10/2019 14:47

Pela primeira vez no Brasil, uma exposição interativa e gratuita busca sensibilizar pessoas de todas as idades sobre as causas e consequências das mudanças climáticas. De 10 de outubro a 10 de novembro, a Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, recebe a exposição O DIA SEGUINTE.

O objetivo da exibição, que conta com 700 metros quadrados dividido em dois pavimentos, é mostrar as possibilidades de futuro para as cidades e a importância do combate às mudanças climáticas.

Idealizada para todos os públicos, de todas as idades e gerações, o trajeto pelos módulos promete uma experiência imersiva, lúdica, sensorial e forte. Inteiramente gratuita, O DIA SEGUINTE é uma produção da empresa carioca Na Boca do Lobo.

Para entender melhor sobre os bastidores da exposição, conversamos com o jornalista, publicitário e um dos curadores da exposição, Felipe Lobo. A entrevista é exclusiva. Confira!

 

Exposição O DIA SEGUINTE chega ao Rio de Janeiro no dia 10 de outubro
Exposição O DIA SEGUINTE chega ao Rio de Janeiro no dia 10 de outubro

1- Emergência climática e o futuro das cidades são as palavras-chave norteadoras da exposição O DIA SEGUINTE, que promete uma experiência imersiva ao público de todas as idades. Como surgiu esse desejo de se apropriar de espaços lúdicos, sensoriais e interativos para a conscientização de que é preciso construir um novo futuro?

Esse desejo vem de longa data, para ser sincero, já de alguns anos. Pessoalmente, trabalho com comunicação relacionada à sustentabilidade e mudanças climáticas há 13 anos, e de um tempo para cá vinha me questionando sobre o real impacto dessa mensagem na vida das pessoas. Já fui a inúmeros workshops sobre o tema, debates, vi uma série de reportagens, e tudo isso é super importante – fundamental, eu diria, cada vez mais.

Porém, comecei a ter a impressão de que a mensagem acabava sempre chegando nas mesmas pessoas, aquelas que já se importam com o assunto, conhecem um pouco e sabem da urgência climática. E então, junto com minha sócia, Tiza Lobo, nosso diretor de arte, Udi Florião, e equipe, ficamos pensando como poderíamos falar sobre um assunto técnico em sua essência de uma forma mais lúdica, orgânica, palatável.

E identificamos que espaços imersivos, interativos e sensoriais poderiam entregar o resultado que sonhávamos: mostrar que mudanças do clima são muito mais próximas de nossas vidas do que imaginamos, porque se conectam e impactam a nossa segurança, segurança alimentar, a energia que usamos, o acesso à água e ao saneamento, a qualidade de vida, a equidade social, a igualdade de gênero, o jeito que nos movemos pela cidade, e assim por diante.

Em resumo, falar sobre clima e sua relação com cidades é emergencial, como nunca na história. Juntar isso ao entretenimento foi a maneira que encontramos de tentar falar com o máximo possível de pessoas, com o intuito de que elas interiorizem a relação indissociável entre clima e nossas vidas e gerem transformações positivas na sociedade.

2- O debate sobre mudança de clima faz parte de uma agenda de desenvolvimento, embora uma parte significativa população brasileira não se sente dentro desse debate. Segundo uma pesquisa realizada pelo DataFolha, em 2010, 34% dos brasileiros diziam estar bem informados sobre a temática de aquecimento global. Em 2019, o percentual caiu para 28%.  Qual a sua expectativa em relação a essa realidade? Qual o movimento que você espera dos espectadores da exposição, tanto na dimensão individual quanto coletiva?

Esse é um dos principais objetivos da exposição: mostrar que, independentemente da sua classe social, religião, raça ou gênero, o debate sobre mudanças climáticas é um reflexo da sua vida. Nós somos causa e sofremos as consequências – as populações vulneráveis, mulheres, idosos e crianças muito mais do que outros, porém os efeitos tendem a ser ainda mais catastróficos no futuro se seguirmos no ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, o que aproxima os impactos da humanidade como um todo.

Por isso, espero, e sonho com isso todos os dias, que os espectadores percebam essa relação e, principalmente, os seus papeis de protagonistas nessa história, e saiam de lá minimamente com uma faísca acesa para pesquisar mais e se envolver mais, seja em busca de novas políticas públicas, seja em gestos simples em casa, seja reverberando a mensagem.

3- Uma das propostas do escopo da exposição é a discussão sobre o papel das cidades frente ao cenário atual das mudanças climáticas. Você pode mencionar alguns exemplos a respeito da relação direta do clima com igualdade de gênero, redução das desigualdades, educação, infraestrutura, etc?

Exatamente, as cidades ocupam hoje cerca de 2% da superfície terrestre, mas são lar de mais de 50% da população mundial – número esse que só tende a crescer. Temos alguns exemplos impressionantes sobre a relação direta entre clima e esses tópicos mencionados. Comecemos pela igualdade de gênero. Na África Subsaariana, onde 25 países sofrem com a escassez hídrica (que, em muitos casos, se relacionam ao clima e regularidade das chuvas), as mulheres coletivamente levam 16 milhões de horas por dia coletando água – enquanto os homens gastaram 6 milhões (UN Water – Leaving No One Behind). Não apenas isso.

Depois que o Furacão Katrina passou pelo Mississipi em 2005, as agressões sexuais contra mulheres aumentaram em 45% (Revista Planeta, UNESCO). A redução das desigualdades se mostra claramente quando percebemos que, de acordo com o IPCC, 5% das mortes por desastres naturais ocorrem em países desenvolvidos, enquanto 95% são registradas em países em desenvolvimento – cuja população, historicamente, contribuiu muito menos para as mudanças do clima.

Com relação às infraestruturas, estamos falando basicamente de adaptação. Dois terços das cidades costeiras com mais de 5 milhões de habitantes estão em zonas costeiras baixas. É preciso repensar estradas, infraestruturas como cabos de energia e modelos de construção para um mundo de 2ºC a 4ºC a mais. E as crianças sofrem as consequências de ter que buscar água, ajudar a família trabalhando pós climático extremo e perda de casas ou bens, ou mesmo precisar superar quilômetros de distância até a escola com o sol cada vez mais forte.

4- A exposição está estruturada em seis módulos, que envolvem o trajeto cronológico – de, em média, 50 minutos – que os participantes da exposição vão percorrer. Você pode compartilhar os bastidores da elaboração desses módulos, considerando o objetivo central da exposição? Eles são complementares e interconectados, mas não esgotam o processo de sensibilização da temática climática – entre suas causas, desdobramentos, consequências e questões políticas envolvidas. Qual foi o critério fundamental para essa seleção de módulos?

Nós, desde o começo, quisemos contar essa história de forma a sugerir que o visitante siga uma narrativa específica – acreditamos que dessa forma ele/a será capaz de compreender melhor tudo o que desejamos mostrar.

Por isso, nossa intenção foi separar a exposição nas seguintes áreas: introdução, para que a experiência como um todo comece a ser entendida; choque, para causar comoção de que os climáticos extremos são super sérios e podem se tornar cada vez mais frequentes; sensibilização, para que as pessoas percebam que a mudança do clima já impacta a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, nas mais diferentes áreas, e que para falar de futuro precisamos necessariamente falar de agora; informação, para contar a história do mundo, da revolução industrial e como chegamos até aqui, a essas redes super complexas que são as cidades, além de telas touchs interativas com muita informação sobre o tema, um acompanhamento histórico das reuniões da ONU e possíveis soluções já existentes; e por fim a esperança, o momento em que mostramos que é possível sim acreditar em um futuro melhor, e que há caminhos para isso, reais e factíveis, não utópicos – mas que anseiam por transformação.

Módulos ilustrativos da exposição O DIA SEGUINTE em 3D
Módulos ilustrativos da exposição O DIA SEGUINTE em 3D

5- A exposição é gratuita, possibilitando que muitas pessoas, independentemente da classe social, vivam essa experiência imersiva nos efeitos das mudanças climáticas. Isso é bastante inclusivo quando pensamos em entretenimentos excludentes e elitistas. Porém, se você pudesse escolher um público-alvo prioritário, qual você escolheria e por quê?

Desde que tivemos a ideia de fazer esse projeto, antes mesmo de termos definido os módulos, o tipo de linguagem e etc, já tomamos a decisão: ele teria que ser gratuito! O tema é fundamental a tal ponto que precisamos alcançar o maior número possível de pessoas, e por isso a entrada franca é tão importante.

Mais do que isso, nossa exposição é para todas as faixas-etárias, com recomendação para crianças a partir de 7 anos. De toda forma, se for preciso escolher um público-alvo, fico com dois: famílias e populações mais vulneráveis, que vivem em zonas de risco, que sofrem antes de todos as consequências e que precisam, por questão de direito e de humanidade, ter acesso a essas informações e, a partir daí, desenvolver capacidades de liderança e cooperação.

Por fim, agradeço o espaço e convido a todos para a exposição O DIA SEGUINTE, em cartaz na Cidade das Artes, Barra da Tijuca (Avenida das Américas, 5300), Rio de Janeiro, bem coladinho na Estação Alvorada. De 3ª a 6ª entre 14h e 20h e sábados e domingos entre 10h e 20h.

Por Andréia Coutinho Louback | Instituto Clima e Sociedade