Habib’s divulga detalhes de apuração da morte de João Victor
Rede diz que garoto foi vítima de 'trágico conjunto de circuntâncias' e que laudo pericial não mostra agressão
A rede de fast-food Habib’s divulgou nota em que afirma ter se mantido em “silêncio” sobre o caso da morte de João Victor Souza de Carvalho, 13 anos, para aguardar a manifestação das autoridades e agora, após a divulgação do laudo pericial, decidiu “levar a público as informações derivadas das investigações” do caso.
O texto diz ainda que a empresa e seus 18 mil funcionários “lamentam profundamente os fatos ocorridos e se comprometem a manter e ampliar seus projetos sociais direcionados às crianças, acreditando num futuro melhor para nosso país”.
A divulgação de um vídeo que mostra João Victor sendo arrastado por dois funcionários da loja, pouco antes de morrer diante de uma loja do Habib’s, no dia 23 de fevereiro, deu origem a uma onda de críticas da opinião pública à rede, seguida por chamados de boicote.
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Segundo laudo necroscópico do Instituto de Criminalística (IC), o adolescente morreu de uma parada cardiorrespiratória causada pelo uso de lança-perfume.
O texto da rede de fast-food afirma que o jovem foi “vítima do mais trágico conjunto de circunstâncias a que
milhares de crianças brasileiras estão vulneráveis nos nossos tempos: falta de assistência social, falta de educação, falta de alimentação, falta de estrutura familiar e a devastadora exposição às drogas”.
Diz ainda que algo poderia ter sido feito para evitar o trágico fim de sua curta história e destaca que o garoto foi abandonado por “instâncias que teriam a obrigação social e moral de lhe estender a mão”. A empresa diz ter se colocado à disposição da família e ter afastado “imediatamente” os funcionários envolvidos.
Boicotes
O texto também cita a reação negativa da opinião pública: “Com tristeza, vimos nossa marca e todos os nossos colaboradores injustamente associados à morte do João Victor. Sofremos boicotes, funcionários foram ameaçados, clientes foram intimidados e recebemos manifestações nas nossas portas, além de acusações, críticas e imputações injustificadas vindas das mais diversas fontes, até que o laudo oficial do Instituto Médico-Legal revelou a real causa da morte: “… a morte ocorreu de forma súbita e teve origem cardíaca, relacionada ao uso de substâncias entorpecentes/ilícitas”.
A nota destaca que o laudo da perícia não identificou sinais de agressão, apesar de as imagens das câmeras mostrarem o garoto sendo arrastado para fora da loja.
A mãe de João Victor, Fernanda Cassia de Souza, diz que o filho sempre ficava na porta do Habib’s para pedir moedas para clientes, mas nunca agrediu ninguém. “Quando ele saía de casa, era certeza que o encontraríamos lá. Ele nunca agrediu ninguém, nunca roubou e, por isso, nunca foi preso. É muito estranho falarem que ele teve mal súbito, pois tinha a saúde perfeita.”
Abaixo, a íntegra do comunicado da rede de lanchonetes:
“João Victor era um menino que possuía o que a vida oferece de mais precioso: o futuro todo pela frente para ser construído. Como todo menino de apenas 13 anos, poderia ir à escola, fazer amigos, crescer, trabalhar, apaixonar-se por alguém, formar uma família e bem lá na frente, concluir seus dias rodeado pelos filhos, netos e outros que o amassem.
No entanto, caiu vítima do mais trágico conjunto de circunstâncias a que milhares de crianças brasileiras estão vulneráveis nos nossos tempos: falta de assistência social, falta de educação, falta de alimentação, falta de estrutura familiar e a devastadora exposição às drogas.
Algo poderia ter sido feito. Fatos anteriores já sinalizavam seu destino. No dia 07 de agosto de 2014 o B.O. nº 8.362, registrado no 13º DP da Casa Verde, descreveu o primeiro envolvimento de João Victor com a polícia, aos 11 anos de idade, num episódio de roubo e ameaça à vítima. No dia 26 de setembro de 2015 o B.O. nº 10.497, registrado no 20º DP da Água Fria, relata que João Victor foi encontrado sozinho no Terminal Cachoeirinha, encaminhado ao Hospital do Mandaqui e após alta hospitalar foi conduzido pela polícia para a delegacia na qual o Conselho Tutelar lhe providenciou abrigo já que a família não foi localizada.
João Victor fazia parte dos 24 mil meninos e meninas em situação de rua nas 75 principais cidades do país, por motivo de discussão com os pais, violência doméstica e uso de álcool e drogas (dados da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal). Ele foi mais uma vítima da dependência química e do abandono de instâncias que
teriam a obrigação social e moral de lhe estender a mão.
Um garoto de apenas 13 anos, sozinho, não tem como vencer tais obstáculos e a realidade, a triste realidade, acaba se impondo da forma como se impôs. No dia 26 de fevereiro o Habib’s, como toda a sociedade, assistiu, chocado, à interrupção da curta vida de João Victor.
Por tudo o que ocorreu, com tristeza, vimos nossa marca e todos os nossos colaboradores injustamente associados à morte do João Victor. Sofremos boicotes, funcionários foram ameaçados, clientes foram intimidados e recebemos manifestações nas nossas portas, além de acusações, críticas e imputações injustificadas vindas das mais diversas fontes, até que o laudo oficial do Instituto Médico-Legal revelou a real causa da morte: “… a morte ocorreu de forma súbita e teve origem cardíaca, relacionada ao uso de substâncias entorpecentes/ilícitas.”
Além disso o laudo também confirma que nenhuma agressão foi observada, contrariando os julgamentos precipitados. Mesmo que nos primeiros momentos o silêncio nos prejudicasse, atendemos a esse clamor da forma mais responsável possível. Diante de um fato grave como esse, envolvendo a morte de um menor, era necessária a apuração dos fatos. Aguardamos a manifestação das autoridades envolvidas e do poder público, colocamo-nos à disposição da família para ajudá-la e afastamos imediatamente os funcionários envolvidos. Enquanto buscávamos entender o que de fato aconteceu, o tribunal das redes sociais e da opinião pública já havia emitido seu veredito. Não é a toa que a palavra do ano, segundo o Dicionário Oxford, é “pós-verdade”.
Diante de tanta polêmica, consideramos importante levar a público as informações derivadas das investigações, dos relatos, dos documentos oficiais, dos laudos e dos fatos que se desenrolaram nos últimos dias:
1. Há registro de telefonema feito pelos funcionários da loja para a Polícia Militar, antes do acontecimento, solicitando ajuda policial e relatando o comportamento de João Victor perante os clientes dentro da loja.
2. As imagens entregues à Polícia Civil mostram João Victor com dois pedaços de pau na mão ameaçando pessoas, funcionários e danificando o carro de um cliente.
3. Após ocorrer o mal súbito há imagens – que reprovamos – envolvendo dois funcionários que foram afastados e prestaram depoimento à Polícia do porquê agiram dessa forma.
4. Há registro de telefonema feito pelos funcionários da loja ao Samu imediatamente após perceberem o mal súbito, solicitando ajuda e recebendo orientações de como proceder o atendimento até a chegada da ambulância.
Nem tudo ainda está 100% claro para nós, assim como não está para a sociedade. O que sabemos é que as cenas chocantes dos funcionários retirando João Victor do meio da rua movimentada — somadas à sua falta de experiência em situações de resgate — tornou-se assunto maior que o problema social existente no país e ainda maior que as causas que originaram sua morte, descritas pelos socorristas, pelos médicos do hospital e pelo médico legista do Instituto Médico-Legal.
Ainda que tudo não esteja claro, há que se apontar alguns fatos relativos ao tema agressão.
5. Em nenhum dos momentos distintos ocorridos os policiais militares, socorristas, médicos e autoridades envolvidos apontam qualquer sinal de agressão a João Victor e isso está claramente indicado nos documentos oficiais.
6. O laudo do Instituto Médico-Legal descreve a ausência de qualquer agressão:
– Couro cabeludo sem lesões … calota craniana sem fratura.
– Internamente ausência de lesões traumáticas.
– Ausência de lesões ou sinais hemorrágicos em região cervical.
– Ausência de lesões traumáticas em parede toráxica.
– Sem outras alterações e/ou lesões de interesse médico-legal.
7. Em sua discussão e conclusão, o laudo ainda relata:
– Alterações cardíacas agudas e crônicas.
– O exame complementar toxicológico nº 3527/2017 evidenciou a presença de cocaína … Isto indica uso crônico de análogos da cocaína.
– Estas substâncias (cocaína e solventes) são miocardiotóxicas e estão associadas a morte súbita de origem cardíaca.
– … cuja causa mortis, baseando-se nos achados, ocorreu em decorrência de cardiopatia precipitada e agravada por uso de substâncias entorpecentes/ilícitas.
Estamos chocados com a morte de João Victor porque não há algo que simbolize tanto a vida como um garoto de 13 anos de idade. Todas as 18.000 pessoas que fazem o Habib’s estão abaladas, tristes e enlutadas. Como organização e como conjunto de pessoas que também são filhos de alguém e pais de alguém, o Habib’s conhece os riscos a que nossas crianças estão expostas.
Não é de hoje que, não por palavras mas por ações, o Habib’s tem trabalhado para impedir tragédias dessa natureza. O Projeto Ciranda Urbana, fundado há 10 anos e mantido integralmente pela empresa é uma das faces desse trabalho. No coração da comunidade de Vila Andrade, na cidade de São Paulo, 250 crianças são assistidas por esse projeto. Nele recebem educação, alimentação, assistência psicológica e outros recursos. Essa assistência se estende aos seus pais com oficinas para geração de renda e até mesmo apoio financeiro. Tudo isso condicionado à frequência escolar comprovada. É assim que o Habib’s mantém crianças longe das ruas e das suas ameaças, estimula o estudo e promove a união familiar.
Mas há mais. Patrocinamos eventos como o “Só Fica Fera Quem Não Mexe Com Drogas”, que reúne a Polícia Militar do Estado de São Paulo, o Rotary Club e centenas de crianças, justamente para afastá-las das drogas. Para nós esse é um trabalho sem data para acabar. É um compromisso permanente.
O Habib’s e seus 18.000 funcionários lamentam profundamente os fatos ocorridos e se comprometem a manter e ampliar seus projetos sociais direcionados às crianças, acreditando num futuro melhor para nosso país.”
- Leia nesta reportagem os detalhes do laudo da morte de João Victor divulgado pelo Insituto de Criminalística.
- Um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos no Brasil. Em 2016, outro caso chocou o país: policiais militares confundiram um saco de pipoca com drogas e mataram um adolescente no Rio de Janeiro. Relembre o caso aqui.