Homens negros denunciam organização de Fórmula 1 por racismo

Funcionária teria pedido diversas vezes os crachás de seguranças/gestão de acesso para os homens negros do grupo, no entanto, todos eram clientes pagantes

Três homens negros registraram boletim de ocorrência, no último dia 19 de novembro, contra a organização da Fórmula 1 por racismo. Lucas Xavier Ferreira, Felipe Xavier Ferreira e Alex Sandro Santos Corrêa relataram um ato racista que teria sido praticado por uma das funcionárias do evento, que aconteceu no Autódromo de Interlagos, zona sul da capital paulista.

Homens negros denunciam organização de Fórmula 1 por racismo
Créditos: Arquivo Pessoal / Alex Sandro Santos Corrêa
Homens negros denunciam organização de Fórmula 1 por racismo

De sexta-feira, 12 de novembro, a domingo, 14 de novembro, em um grupo de cinco pessoas, eles foram assistir à etapa de São Paulo do calendário da Fórmula 1. Com ingressos comprados para o setor R, acompanharam os treinos, sprint e a corrida nos três dias.

Segundo os amantes de esporte a motor, a experiência de estar no local poderia ter sido perfeita, caso não tivesse ocorrido um ato racista com eles, vindo de uma funcionária da própria organização do evento.

De acordo com o relato do grupo, a situação aconteceu justamente no primeiro dia, na sexta-feira, 12 novembro. Eles assistiam aos treinos dos pilotos quando foram abordados pela funcionária, que automaticamente exigiu que eles mostrassem as credenciais de profissionais de segurança/gestão de acesso do autódromo. No entanto, todos eles estavam no lugar como clientes pagantes. Apenas um dos amigos, o único branco entre eles, não foi abordado.

“Nesse momento todos percebemos o caráter extremamente racista da agressão cometida por tal funcionária”, diz o texto enviado por e-mail para a equipe da Fórmula 1.

Discussão com a funcionária

Após a abordagem sem fundamento, o grupo iniciou uma discussão com a mulher. Ela teria recuado, mas só depois de solicitar diversas vezes pelos crachás de “staff” – que eles não tinham, já que estavam no local como clientes. A funcionária teria dito que foi realizar a abordagem a pedido de um funcionário da segurança. “Não sabemos a verdade, pois, tanto ela, como ele, deixaram o autódromo pouco tempo depois”, diz a denúncia.

Descontentes com a situação, o grupo foi tentar explicar o que aconteceu para outras pessoas que trabalhavam no local, no entanto, foram “jogados de um lado para outro”, sem nenhuma solução ou tentativa de identificação da funcionária.

“Tentaram relativizar o ocorrido e ainda, uma outra funcionária da staff nos disse que a abordagem foi feita por que estávamos de preto”, diz no boletim de ocorrência. “Ou seja, além de sermos agredidos por uma funcionária, fomos ainda hostilizados por outra em nossa busca por justiça e solução do caso”, complementa.

Ainda de acordo com o relato, eles afirmam que eram o único grupo composto por grande parte de pessoas pretas – 4 das 5 – na área da arquibancada e que foi o único grupo abordado pela funcionária.

“Além disso, havia várias outras pessoas ao redor que testemunharam o racismo escancarado nas ações e falas dessa funcionária”, diz o relato do e-mail enviado ao GP de São Paulo.

Lucas Xavier Ferreira, Felipe Xavier Ferreira e Alex Sandro Santos Corrêa com amigos durante o evento
Créditos: Arquivo Pessoal / Alex Sandro Santos Corrêa
Lucas Xavier Ferreira, Felipe Xavier Ferreira e Alex Sandro Santos Corrêa com amigos durante o evento

Desrespeito e humilhação

Conforme dito pelos denunciantes, a violência foi tamanha que não passou pela cabeça da funcionária que eles eram clientes pagantes apenas aproveitando o evento. Ela automaticamente acreditou que eles faziam parte da equipe de trabalhadores.

“Ela pensou que éramos funcionários vagabundos, de caráter duvidoso, que estávamos nas arquibancada vadiando de maneira escondida ao invés de estarmos trabalhando”, contam eles. “Vocês têm noção do ódio, da humilhação e da exposição a qual fomos submetidos?”, questionam.

Para o grupo, a situação fica ainda mais agravante quando coloca-se em roga que esse ano muito se falou sobre diversidade no evento da Fórmula 1.

“Num ano em que um dos pilotos (Lewis Hamilton) na disputa pelo campeonato é negro e ativista pró-causas negras, sofrer ataques racistas de funcionários do GP Brasil foi de um horror e ironia sem igual”, diz o final da reclamação.

O e-mail em questão foi enviado para a equipe do GP de São Paulo de Fórmula 1 no dia 17 de novembro. O texto relata o incidente com uma de suas funcionárias, mas até a publicação desta matéria, o grupo que faz a denúncia não obteve nenhum tipo de resposta da organização do evento.

Pronunciamento do GP de São Paulo de Fórmula 1

“Por meio de um dos canais de comunicação que disponibilizamos para nossos públicos de relacionamento, recebemos denúncia que envolve possível prática de discriminação racial por parte de prestador de serviço do GP São Paulo de Fórmula 1. Desde então, iniciamos rigoroso processo de apuração dos fatos para que possamos adotar as providências cabíveis, inclusive, caso necessário, sob o aspecto legal.

O GP São Paulo de Fórmula 1 tem firme compromisso com as pessoas e com o respeito às diferenças. Não toleramos práticas de discriminação por conta de raça, gênero, credo, orientação sexual. Também repudiamos práticas de assédio moral e/ou sexual. Essa postura está expressa em normativos que são divulgados para nossos públicos de relacionamento, dentre os quais colaboradores, fornecedores e prestadores de serviço.

Cada vez mais, em todo o mundo, as pessoas, corretamente, cobram das empresas e das instituições o respeito e a valorização da Diversidade. Não há mais espaço para manifestações de preconceitos, sejam elas explícitas ou implícitas.

Qualquer prática de discriminação em nossos eventos por parte de integrantes de nosso staff constitui transgressão de nossas normas, e como tal será encarada. Todas as ocorrências que chegarem ao nosso conhecimento serão objeto de rigorosa apuração”.

Racismo é crime. Denuncie!

Uma forma de conter o avanço do racismo no Brasil é sempre denunciar o agressor. Afinal, racismo é crime previsto pela Lei 7.716/89.

A denúncia pode ser feita tanto pela internet, quanto em delegacias comuns e nas que prestam serviços direcionados a crimes raciais, como as Delegacias de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que funcionam em São Paulo e no Rio de Janeiro.