O medo da birra não pode impedir passeios, diz psicóloga
Sabe o dia daquela festa especial ou simplesmente o dia em que planejaram um passeio em família ao museu? E, de repente, o dia começa com uma sequência de birras. Segundo a psicóloga e especialista em Psicologia da Educação, Ana Salgado, o medo da criança não se comportar adequadamente em determinado espaço não deve impedir os pais de levá-la para sair.
Em entrevista ao portal português Educare,a psicóloga afirma que o fato de a criança não conseguir autorregular o seu comportamento completamente não deve ser um impeditivo para tirá-la de casa, porque assim se perdem oportunidades de estímulo e de autorregulação.
Os primeiros anos de vida da criança são os mais difíceis e exigentes. Comportamento e desenvolvimento infantil são questões que preocupam quem tem a complexa tarefa de educar.
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De acordo com a psicóloga, cabe aos adultos – pais, avós, educadores e professores – darem pistas sobre o que a criança pode ou não fazer. Ou seja, fazer uma regulação externa. Com o passar dos anos, espera-se que a regulamentação externa seja internalizada. Trata-se de um processo.
“Os marcos nem sempre estão bem definidos e muitas vezes temos adolescentes e adultos que ainda precisam desta regulação externa”, afirmou.
“A educação também se faz pelo exemplo. Nos primeiros anos de vida, a criança não precisa mais do que relações positivas, adultos de referência e estímulos diversificados”, exemplificou a psicóloga.
Além disso, a especialista reforça a necessidade de tomar cuidado com a superestimulação.
“É muito fácil ver crianças com 3 anos que saltam do desenho para os “Legos”, para as bonecas, para o tablet, tudo em 30 minutos. É importante treinar a criança a ficar na tarefa, a colocar nela mais esforço e investimento.”
Leia alguns trechos da entrevista abaixo.
Como podemos ensinar a criança a controlar o seu comportamento? É pelo exemplo?
Ana Salgado – As crianças quando nascem têm os seus níveis de consciência menos desenvolvidos. A consciência social do que é uma norma, uma regra ou uma expectativa varia com a cultura e o contexto onde crescem, mas vai sendo desenvolvida ao longo dos primeiros anos de vida. Significa que no início a criança terá mais dificuldade em controlar o seu comportamento. Cabe aos adultos – pais, avós, educadores e professores – darem pistas sobre o que a criança pode ou não fazer. Ou seja, fazer uma regulação externa.
À medida em que o tempo passa, espera-se que esta regulamentação externa passe a ser interna. Pelo meio, surge a questão de regular pelo exemplo.
Como faz o pai? Se no supermercado ajuda a senhora mais idosa a levar as compras, a criança terá esse exemplo de vida e provavelmente vai querer ajudar os outros. Se o pai não grita com a mãe, provavelmente a criança não vai gritar com a mãe, nem com os amigos. A educação também se faz pelo exemplo.
Que fatores comportamentais podem afetar as aprendizagens?
Ana Salgado – Existem fatores de risco e fatores protetores. A investigação tem-nos mostrado que pais com habilitações superiores tendem a conseguir apoiar melhor os seus filhos na escola. Até dar outro tipo de oportunidades em termos de progressão acadêmica. Mas há exceções.
Estudiosos também dizem que, nos primeiros anos de vida, a criança não precisa mais do que relações positivas, adultos de referência e estímulos diversificados.
E as oportunidades de aprendizagem?
Ana Salgado – Os estímulos diversificados já são as oportunidades de aprendizagem. Mas até os três anos não importa tanto se a mãe da criança tem o 4.º ano de escolaridade ou o doutorado. Importa sim que a mãe esteja disponível para cuidar, para ser a base segura de vinculação e para ser um adulto de referência que dê confiança, segurança à criança e a estimule.
Até aos três anos os pais não devem estar preocupados que as crianças aprendam os números, as letras ou até Inglês?
Ana Salgado – Sabemos que, em termos de processamento cognitivo, as crianças são capazes de aprender idiomas. Muitas crianças até conseguem ser bilíngues quando têm pais de diferentes nacionalidades. Mas fazer a criança falar um segundo idioma não deve ser, nestas idades, uma preocupação para os pais.
Nos primeiros anos, a multiplicidade de experiências é o mais importante. Levar a criança a um concerto ou ouvir um CD em casa. Fazê-la ter contato com as artes, a música, o teatro, a dança. Também levá-la ao parque da cidade, à fazenda para perceber de onde vêm as maçãs ou para colher um tomate.
Esta multiplicidade de experiências, às vezes até muito sensoriais, vai permitir às crianças explorar o que elas são, o mundo e por sua vez também a autorregular o seu comportamento. As crianças vão perceber que, em determinados contextos, podem sentar-se no chão ou pegar em montes de folhas secas e atirar ao irmão. E noutros contextos têm de fazer silêncio, porque estão num ritual.
Há experiências que são desaconselhadas. Não levar a criança a certos sítios para evitar as birras
Ana Salgado – Levar uma criança de quatro ou cinco anos um concerto de música clássica é muito exigente em termos de autorregulação. Mas os pais não devem impedir uma criança mais nova de ir ao concerto do irmão mais velho, porque há risco de ela fazer uma birra. O fato de a criança não conseguir autorregular o seu comportamento completamente não deve ser um motivo impeditivo. Porque assim se perdem oportunidades de estímulo e de autorregulação.
Não vamos exigir de uma criança de três anos o mesmo tipo de comportamento e regulação de um jovem de 15. Os pais podem levar a criança ao concerto, mas vão os dois, para um deles poder sair com a criança em caso de necessidade.
Os pais precisam deixar as crianças testarem a si próprias e perceberem quais são os limites. Uma queixa frequente dos pais é que as crianças não sabem lidar com a frustração e que perante qualquer obstáculo pensam que o mundo vai acabar. Se estivermos sempre protegendo as crianças, obviamente que estamos cuidando delas, porém, dentro de uma ‘gaiola’.
É com experiências assim que a criança aprende?
Ana Salgado – Se pensarmos no sentido lato de aprendizagem, estamos aprendendo quase involuntariamente em qualquer segundo da nossa vida. Os pais vão no carro ouvir música na rádio, a criança ouve e mesmo que a letra seja em inglês, muitas vezes aprende e consegue cantarolar. O que aconteceu? Uma aprendizagem involuntária. Houve um estímulo, captou a atenção da criança, o input foi processado pelo cérebro, a memória ativou e a letra ficou lá. O fato de a aprendizagem poder ser voluntária tem um potencial gigantesco e um risco muito grande, porque temos o outro lado da moeda. Mas, para a criança aprender, não basta ter um ambiente enriquecedor, é preciso motivação.
Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.
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