Musas do Carnaval denunciam assédio em escolas de samba

Reportagem da Revista AzMina reúne relatos das musas do Carnaval sobre assédio sexual e a conivência de agências

A Revista AzMina publicou uma reportagem com relatos das “musas” do Carnaval sobre casos de assédio sexual em escolas de samba e a conivência das agências em relação a essa questão. De acordo com as mulheres entrevistadas, elas são frequentemente desrespeitadas por homens e, além disso, aconselhadas pelos organizadores dos eventos a “serem simpáticas” com os abusadores.

A reportagem faz parte da campanha #CarnavalSemAssédio, idealizada pelo Catraca Livre, em parceria com a Revista AzMina, os movimentos #AgoraÉQueSãoElas e Vamos Juntas?, o Bloco Mulheres Rodadas, a advogada de direitos humanos Andrea Florence e a arquiteta e urbanista Marília Ferrari.

Vivi, rainha de bateria

Leia a reportagem abaixo:

Ela é uma mina boa-praça, calma, cristã – até acredita no princípio de “dar a outra face”. Mas quando o camarada evoluiu de colocar pau de selfie embaixo da saia dela e das colegas de trabalho para tentar tocá-las sem permissão, atingiu o limite de sua paciência. A modelo Pércia Meneses, 30, ajeitou a direita, acertou um golpe no meio da cara do abusado e quebrou o nariz dele sem sentir remorso algum. Algumas pessoas pedem.

Desde cedo na vida, Pércia chamou a atenção por suas curvas acentuadas e rosto de boneca. Começou a trabalhar como “musa” em eventos, desfiles e presença VIP em camarotes há 12 anos, mas nunca se acostumou a ser tratada como se não tivesse alma por trás da beleza. Neste ano, ela, que é musa do Corinthians, desfila como destaque de sua escola de samba de coração, a Gaviões da Fiel, e já se prepara pra julgamentos e assédios que são praxe para quem, como ela, ganha a vida com a beleza, sendo modelo, musa de eventos e camarotes ou desfilando no Carnaval.

Em seus 10 anos de musa carnavalesca, Viviane Santos, 38, a Vivi Brilho, rainha da bateria da Leandro de Itaquera, já assistiu e viveu situações revoltantes. Ela conta que muitos homens fingem que vão tirar fotos e usam a oportunidade para tocá-la sem permissão, que chegam pra dançar e a encoxam, convidam-na para programas e dizem coisas vulgares sem que ela dê liberdade. “Algumas pessoas confundem as coisas. Meu trabalho tem a ver com sensualidade e não com vulgaridade”, reclama.

Vivi e Pércia não são estereótipos carnavalescos, mas pessoas únicas e complexas. Pércia é locutora de rádio de um programa esportivo e vai à igreja evangélica com frequência. Vivi ganha a vida como professora infantil e gosta de passar finais de semana com a família. “Algumas pessoas adoram encher a boca pra falar que somos vagabundas, mas isso não tem nada a ver”, protesta Vivi.

O mais triste da realidade de mulheres como Vivi e Pércia não é apenas o assédio, mas a conivência de agências de modelos e escolas de samba com situações de abuso. Segundo Vivi, muitas mulheres já deixaram suas agremiações após serem assediadas por homens importantes do Carnaval, como diretores e ritmistas. Começaram a se sentir inseguras nos ensaios e abandonaram os cargos sem que ninguém as defendesse. “Esse tipo de comportamento é uma falta de profissionalismo. E as escolas deviam defender essas mulheres, chamar as partes pra uma conversa!”, opina.

Na semana passada, por exemplo, o excesso de assédios sexuais levou a carnavalesca Fernanda Raisa a deixar seu trabalho na Unidos da Ponte, escola do Grupo B do Rio de Janeiro. Desrespeitando sua vontade e sua orientação sexual – ela é lésbica e levava a namorada a ensaios – um dos colegas passou a mão em partes íntimas de seu corpo. Nenhum membro da diretoria da escola se pronunciou em sua defesa. “Eles vão abafar o caso, como sempre fazem. Fiquei sabendo que a ordem foi não tocar no assunto, deixar morrer”, diz ela, desapontada.

Não era a primeira vez que o colega tentava aproveitar-se dela: certa vez, aproximou-se enquanto Fernanda estava bêbada, achando que ela estava muito alterada para se lembrar do que ele fazia. Além de não protegê-la, os membros da escola excluíram seu nome dos créditos do samba enredo no material divulgado à imprensa. A carnavalesca está convencida de que a atitude foi uma retaliação por ela não ter abaixado a cabeça diante do abuso. Do sonho de começar a construir uma carreira no mundo do Carnaval sobrou apenas desgosto e medo do agressor tentar se vingar de sua denúncia.

“Hoje, no Carnaval, mulheres não são apenas dançarinas, mas intérpretes, compositoras e carnavalescas. Mesmo elas enfrentam preconceito e assédio”, atesta Vivi.

No mundo das musas, pouco importa quem você é – nem mesmo se é menor de idade. A estudante de arquitetura Stephanie Ribeiro, 22, trabalhou como modelo e bela em eventos por 4 anos durante a adolescência. Conta que insinuações sexuais eram comuns mesmo antes que ela completasse 18 anos. “Além de ficar de pé por muitas horas e ganhar mal, os caras também nos assediavam pesado. Uma vez, num desfile, um dos modelos famosinhos ficou falando pra eu ir pra casa dele.”

Confira o texto na íntegra na Revista AzMina.