Negro, advogado é barrado em boate por ‘parecer segurança’

O advogado Juliano Trevisan afirma que foi impedido de entrar em casa noturna por preconceito e discriminação de seguranças

Por: Jonas Carvalho
O advogado Juliano Trevisan

Não é novidade alguma que, no Brasil racista em que vivemos, as pessoas negras sofrem com a questão em lojas, shoppings (independente da cidade), na escola ou nas redes sociais, por exemplo. No último final de semana, mais um caso, em uma casa noturna de Curitiba, conseguiu alcançar o noticiário.

Uma camisa manga curta de cor preta, gravata preta, calça social e sapato marrom podem ser a vestimenta de qualquer profissional. Mas para seguranças do James Bar de Curitiba, se os itens forem usados por uma pessoa negra, ela se parecerá com um segurança – e não poderá frequentar o local.

Foi o que aconteceu com Juliano Trevisan, advogado de 27 anos que foi à casa noturna na última quinta-feira, 13. Ele relatou a situação constrangedora que passou em seu Facebook:

“Imaginem a seguinte situação: Um homem é informado que não poderá entrar em uma casa noturna, por que não esta com roupas adequadas. Qual seria esta tal roupa inadequada?”, escreveu. Ao contrário do que se pode imaginar (regata ou chinelo), Juliano respondeu à pergunta com a descrição de vestimenta do começo deste texto. A “coincidência” fica a cargo da cor de pele negra de quem estava vestido com os trajes.

Na fila do estabelecimento, ele foi abordado por um segurança que o levou até outro funcionário da casa. “O funcionário me olhou dos pés a cabeça e informou que pelo meu estilo, com ‘a roupa que estava usando eu não poderia entrar’. Olhei para minha roupa tentando entender o por que, e ele continuou ‘roupa preta gravata e tal, você vai ser confundido com segurança lá dentro, assim não pode entrar'”.

O advogado continua o relato: “o segurança que estava do lado e tinha um rabo de cavalo ainda completou: ‘e não tem como você falar do seu cabelo, pois eu também tenho cabelo comprido, olha'”.

Juliano afirmou ter ficado chocado e sem reação, e que apenas conseguiu ir embora da boate. Ele também disse como se sente: “humilhado, olhei mil vezes minha roupa, até entender que o problema não é minha roupa, não é meu estilo, não sou eu. E preciso sim, expor esta situação a vocês e demonstrar qual grave ela é”.

“Conheço várias pessoas que vão lá de camisa e gravata e nem por isso foram barradas (…) Pra que um problema social seja resolvido, ele primeiro deve sempre ser apontado. Isto por que parte da sociedade insiste em relutar contra as inúmeras situações passadas hoje por negros, mulheres, gays e demais grupos de minoria, insistindo em dizer que o preconceito e a discriminação hoje em dia são ‘mimimi'”, completou.

https://www.facebook.com/julianotrevis/posts/1878621672400000

Retratação pública

O James Bar publicou, também pelo Facebook, uma retratação pública a Juliano e aos que se solidarizaram a ele.

“Estamos muito chateados e envergonhados”, afirmam no texto. “Essa foi uma atitude errada e que não condiz com o que acreditamos”.

“Por mais que tentemos nos colocar no lugar do Juliano, não vamos conseguir entender a sensação de humilhação que ele sentiu no momento. Mas imaginamos algo muito triste e distante do que sempre queremos para todos”, segue a postagem.

O estabelecimento diz ainda que os funcionários envolvidos no caso foram desligados e que trabalham por um local onde as pessoas “se sintam à vontade para expressar a essência de cada um: tudo com base no respeito, na diversidade e na tolerância”.

https://www.facebook.com/novoJamesBar/posts/1596917583665878

O caso acontece no mesmo estado que, em novembro de 2016, foi palco de uma excelente demonstração do racismo institucional que permeia diversas esferas da sociedade.

O Governo do Paraná publicou um teste envolvendo profissionais de RH. São mostradas para dois grupos algumas imagens de pessoas em diversas atividades.

No primeiro grupo, as imagens são de pessoas brancas. No segundo, são de pessoas negras. E apesar dos retratados estarem fazendo a mesma coisa, as opiniões escancaram o racismo – assim como foi o caso de Juliano.

Assista:

Teste de imagem

Chega de fingir que é normal.

Posted by Governo do Estado do Paraná on Thursday, November 17, 2016

Leia o texto do advogado Juliano Trevisan e a retratação do James Bar

CARTA ABERTA AO JAMES BAR

Imaginem a seguinte situação: Um homem é informado que não poderá entrar em uma casa noturna, por que não esta com roupas adequadas.
Qual seria esta tal roupa inadequada?
A primeira imagem que viria na cabeça da maioria de vocês (e até mesmo para mim se alguém me contasse isto) seria de alguém com regata, talvez calção, talvez chinelo, talvez sem camisa e por aí vai. MAS NÃO.
O homem que cito aqui, ERA EU.
A roupa em questão, era EXATAMENTE A ROUPA DA FOTO (camisa manga curta preta, calça social, sapato marrom, e gravata preta).
Parece brincadeira o que vou contar, mas aconteceu.
Ontem (13/07), saindo de um evento para advogados, do qual participo da organização, combinei com amigos de ir ao James Bar, como saímos tarde do evento, resolvemos ir com a mesma roupa.
Poucos minutos após chegar e ficar na fila do James, fui abordado por um dos seguranças que me chamou para conversar com um funcionário de cargo relevante na balada.
No que cheguei, o funcionário me olhou dos pés a cabeça e informou que pelo meu estilo, com “a roupa que estava usando eu não poderia entrar”. Olhei para minha roupa tentando entender o por que, e ele continuou “roupa preta gravata e tal, você vai ser confundido com segurança lá dentro, assim não pode entrar”.
O segurança que estava do lado e tinha um rabo de cavalo ainda completou: “e não tem como você falar do seu cabelo, pois eu também tenho cabelo comprido, olha”.
Na hora a situação me chocou tanto, que fiquei bobo. Não quis discutir, não quis “acabar com minha noite e de meus amigos”, então simplismente falei que iria embora.
No que entrei no carro para ir embora foi que caiu a ficha.
Como militante, vivo expondo situações de preconceito e discriminação e os vários viés. Mas quando acontece comigo, ainda fico chocado sem ação.
Me sinto humilhado, olhei mil vezes minha roupa, até entender que o problema não é minha roupa, não é meu estilo, não sou eu. E preciso sim, expor esta situação a vocês e demonstrar qual grave ela é, e o que ela representa sacialmente falando nos dias de hoje.
“parecendo um segurança”
Conheço várias pessoas que vão lá de camisa e gravata e nem por isso foram barradas. A verdade mesmo é que, por mais que estivesse parecendo com segurança da casa, isto não justifica barrar entrar no local. Roupa social não é uniforme exclusivo de empresas de segurança, o que dizer de formaturas onde os seguranças estão vestidos igual aos convidados?
Esta atitude só demonstra a parcialidade do funcionário, e o amadorismo por parte da empresa de segurança, que já vem sendo notada por varias outras situações ocorridas na casa.
Pra que um problema social seja resolvido, ele primeiro deve sempre ser apontado. Isto por que parte da sociedade insiste em relutar contra as inumeras situações passadas hoje por negros, mulheres, gays e demais grupos de minoria, insistindo em dizer que o preconceito e a discriminação hoje em dia são “mimimi”.
Tenho a esperança de que um dia as casas noturnas tenham um treinamento profissional adequado para que ninguém mais passe por situações como esta e que apliquem as medidas legalmente cabíveis aos envolvidos quando ocorrerem fatos como este.

RETRATAÇÃO – JAMES BAR

Olá. Gostaríamos de fazer uma retratação pública ao Juliano Trevisan — e a todos vocês, que corretamente se solidarizaram com ele.

Infelizmente, ocorreu um episódio do qual devemos nos retratar e esclarecer o que aconteceu. Estamos muito chateados e envergonhados. Na noite de quinta-feira (13/07), o Juliano foi equivocadamente informado que não poderia entrar no bar por conta do que estava vestindo. Essa foi uma atitude errada e que não condiz com o que acreditamos.

Por mais que tentemos nos colocar no lugar do Juliano, não vamos conseguir entender a sensação de humilhação que ele sentiu no momento. Mas imaginamos algo muito triste e distante do que sempre queremos para todos. Toda vez que vocês pisam no James, desejamos que se sintam especiais, acolhidos e livres.

Ontem falhamos nessa missão por causa de uma atitude arbitrária dos funcionários envolvidos. Nossa decisão, portanto, foi desligá-los de nosso quadro, para que isso nunca mais ocorra.

Damos muita importância à participação de vocês — críticas e elogios — para que possamos evoluir e melhorar. Aprendemos muito com isso e estamos trabalhando para sempre oferecer um local seguro e justo, com a descontração de sempre. Que seja um lugar onde vocês se sintam à vontade para expressar a essência de cada um: tudo com base no respeito, na diversidade e na tolerância.

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