O assédio sexual no trabalho é mais comum do que você imagina

Por Fernanda Miranda, Heloisa Aun e Mariana Pastore

A acusação de assédio sexual contra o ator José Mayer, feita por uma figurinista da Rede Globo, trouxe à tona o debate sobre esses casos dentro do ambiente de trabalho.

Diante da denúncia, atrizes e outras funcionárias da emissora se engajaram na campanha #MexeuComUmaMexeuComTodas. Nas redes sociais, Taís Araújo, Fernanda Lima, Camila Pitanga, Leandra Leal, Angélica, entre outras famosas, fizeram publicações em apoio à causa.

Nesta quinta-feira, dia 5, a atriz Lady Francisco também falou sobre o estupro que sofreu de um diretor da Globo – que não foi identificado – há cerca de 50 anos. A artista já havia revelado o caso anteriormente, mas a denúncia ganhou novo fôlego desta vez.

No entanto, a violência de gênero nas empresas é mais comum do que você imagina. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho.

Já um levantamento feito ao vivo no Facebook do Catraca Livre, constatou que 40% dos leitores participantes, entre homens e mulheres, sofreram abuso sexual nas empresas em que trabalham ou trabalharam.

Na pesquisa, as vítimas também enviaram relatos, de forma anônima, que narram casos de assédio em todo o país.

Créditos: Getty Images/iStockphoto
  • ‘Fui assediada na minha empresa’

Em algumas situações, os casos de assédio são tão graves que se tornam tentativa de estupro.

A leitora Bárbara* tinha 23 anos quando foi assediada pelo dono da clínica odontológica onde trabalhava como recepcionista em 2011, em São Paulo. O agressor era policial militar e sua noiva, que também trabalhava no local, estava grávida na época.

“Um dia, a companheira dele não foi trabalhar. Ele estava de plantão e me pediu para colocar papel higiênico no banheiro. Quando entrei no cômodo, ele me empurrou para dentro, entrou, tampou minha boca com a mão, trancou a porta e começou a me segurar com força pelo braço. Tentou me beijar enquanto apertava meu rosto, puxou meu cabelo e levantou minha saia. Quando tentou colocar a mão na minha calcinha, consegui morder a mão dele e saí de lá desesperada”, lembra Bárbara.

Após conseguir se desvencilhar, ela conta que pegou a bolsa e avisou que nunca mais voltaria, e que ele poderia mandá-la embora. Como o agressor era da Polícia Militar, disse que ninguém iria acreditar nela e ainda afirmou: “Eu sou a Justiça”.

A história fica ainda pior. “No dia em que voltei ao consultório para receber o dinheiro que estavam me devendo, a noiva dele estava lá e me perguntou por qual motivo eu havia pedido demissão, já que meu trabalho estava agradando a todos. Então eu contei o que havia acontecido. Ela ficou em choque, passou mal na hora, e eu fui embora”, explica a jovem. Semanas depois, ficou sabendo a que noiva do agressor tinha perdido o bebê.

Bárbara namorava na época e começou a se afastar do namorado após o ocorrido. “Me sentia suja, culpada. Aí eu contei tudo para ele. Hoje em dia não me sinto mais assim. Não foi culpa minha”, diz.

Questionada se tomou alguma providência, ela confessa que pensou em denunciá-lo, mas sentiu vergonha. “Não queria expor meus pais. Até porque, eu não tinha ‘provas’ do que tinha acontecido. Ele fez tudo muito bem planejado e chegou até a desligar o sistema de segurança da clínica”, lamenta.

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada, que enviou o relato ao Catraca Livre

  • Como identificar e denunciar

Uma das mais eficazes maneiras da mulher identificar se está sofrendo assédio no trabalho é perceber se a maneira como ela é tratada por um chefe ou colega de trabalho a deixa constrangida.

Insinuações, cantadas, elogios inconvenientes, contato físico forçado, convites impertinentes e demais posturas inadequadas que causam constrangimento, humilhação e medo são caracterizados como assédio sexual.

“Se a mulher se sente desconfortável com essas abordagens, pode procurar seus direitos”, explicam as advogadas Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, sócias de um escritório de advocacia para mulheres.

Elas explicam que quando o assédio é cometido no ambiente de trabalho, ele geralmente vem associado a ameaças de demissão ou em troca de uma vantagem – como promoção no cargo ou contratação.

O assédio pode ocorrer ainda por intimidação ou chantagem. “Acontece, por exemplo, quando o chefe ameaça, ainda que sutilmente, demitir a funcionária que negar fazer sexo com ele. O assediador, neste caso, está usando do poder que possui para fazer com que a vítima ceda ao ato para uma realização pessoal dele”.

Assédio no trabalho é crime previsto em lei. Para denunciar um caso, a vítima pode recorrer dentro da própria empresa ou na Justiça. “Na empresa, vai depender de sua estrutura. Se houver setor de Recursos Humanos ou Ouvidoria, estes podem ser um primeiro canal de acesso. Porém, como a maioria das empresas é de pequeno ou médio porte, nem sempre esses setores existem”.

Outra possibilidade é entrar em contato com o respectivo sindicato, uma vez que o órgão tem peso institucional para lidar com a empresa.

Já na Justiça, o assédio sexual pode ser denunciado tanto na esfera trabalhista como na criminal. “Na Justiça do Trabalho será possível entrar com uma ação de indenização por danos morais pelos sofrimentos causados pelo assédio”. Para essa esfera, o agressor não precisa ser necessariamente um superior hierárquico”, explicam.

Na esfera criminal, só é considerado crime se o assédio for praticado por pessoa de posição hierárquica superior à da vítima. Para denunciar, é necessário fazer um boletim de ocorrência em uma delegacia de polícia.

“Importante frisar que também será necessária uma declaração da vítima de que deseja processar criminalmente o assediador, o que se chama de ‘representação’. Ela deve ser feita em até seis meses da data do último episódio de assédio sexual.” A punição, nesses casos, poderá ser uma pena de detenção de um a dois anos.

Quando for fazer a denúncia, a vítima pode levar consigo as testemunhas que presenciaram a cena ou outros tipos de prova que ela eventualmente tiver, como fotos e vídeos.

  • Abaixo, selecionamos relatos de assédio sexual no trabalho enviados pelas leitoras:
  • 1.

“Foi no meu primeiro emprego, aos 16. O segurança do andar onde eu passava a maior parte do tempo fazia perguntas totalmente desconfortáveis, do tipo se eu sairia com homens mais velhos, se eu queria carona pra escola e etc.

Uma vez, estávamos só nós dois no elevador e o maldito encostou a mão na minha cintura e me chamou de ‘gostosa’. Senti um nojo tremendo, o cara tinha idade pra ser meu avô. Eu quase morri de chorar.

Fui contar o caso pro meu supervisor e sabe o que ele disse? Que iria dar um jeito, mas que era pra eu ficar em off pra não virar escândalo e a empresa não cortar o contrato. Para piorar, a chefe do departamento dos seguranças tentou justificar que isso aconteceu porque eu usava calça colada. Enfim, me deram um uniforme mais ‘largo’ e ficou por isso mesmo.”

  • 2.

“Meu ex-supervisor me encoxava quando vinha atrás de mim, na cadeira. Um dia ele me disse que só manteria meu emprego se eu transasse com ele. Pedi as contas no outro dia e meu namorado, hoje marido, queria matá-lo.”

  • 3.

“Estava em um workshop de precificação, tocando uma frente de análise de preço e perguntei para um cliente: ‘Quanto você pagaria por esse produto?’. Ele respondeu: ‘Depende, se fosse você me oferecendo em uma mini-saia, pagaria bem mais do que esse valor. Tinha umas 30 pessoas na sala e fiquei desconcertada. Dei uma resposta atravessada, ficou um climão e um colega que estava comigo no projeto assumiu a reunião dali pra frente, meio que me defendendo.”

  • 4.

“Trabalho em um restaurante com mais uma mulher. Os casos de assédio são frequentes e já chegou ao ponto de ficarem se esfregando em mim. Até que fiz um barraco e passei para o meu patrão. Depois deu uma amenizada, mas é complicado, porque eles fazem isso na frente do gerente e ele não liga.”

  • 5.

“Foi no ambiente de trabalho no qual estou atualmente, pelo meu supervisor. Quando reclamei sobre não gostar do fato de ele ficar passando a mão em mim, me chamou de ‘sapatão’ dizendo que eu não gostava da coisa.”

  • 6.

“Meu chefe (casado) deu em cima de mim. Fazia piadinhas e mandava mensagens no WhatsApp, me chamando para sair para um lugar reservado. Quando tinha um evento, não parava de me procurar. Como enviou mensagens pelo aplicativo, pude denunciar e comprovar pelo canal de ética da empresa. Ele foi demitido.”

  • 7.

“No fim da festa de fim de ano da empresa, subi as escadas do escritório para pegar minha bolsa. O gerente geral foi atrás de mim e não percebi. Ele me segurou pelo braço com força e disse que queria um beijo. Senti muito medo porque estava sozinha.

Me desvencilhei, desci as escadas correndo e fui embora. No outro dia, cometi o erro de contar ao meu chefe, que era subordinado a esse gerente geral. Em menos de um mês, fui demitida. Eles alegaram que era corte de pessoas. Eu senti que foi retaliação. Isso ocorreu no início do anos 90.”

  • 8.

“Meu chefe queria sair comigo. Ele era casado e eu também. Eu sempre dizia que não. E ele sempre insistia. Dizia que era só escolher o motel e que poderíamos sair do local de trabalho a qualquer horário, já que ele era o chefe. Ele sempre chegava perto e dizia coisas obscenas para mim.

Ele dizia também que quem não saísse com o chefe, não subiria de cargo. Mesmo assim, eu sempre recusava. E sempre no dia seguinte às minhas recusas, ele me humilhava na frente de outros funcionários. Notando que ele fazia o mesmo com outras garotas, tomei a liberdade de perguntar se elas estavam passando pela mesma situação.

A resposta foi afirmativa. Então, fui até o RH da empresa prestar queixa. Quando fomos chamadas para depor, uma das garotas recuou, dizendo que era brincadeira dele. O tal chefe foi demitido, mas eu também fui após um tempo. Todos me olhavam com desdém. Faziam brincadeiras de mal gosto e jogavam indiretas, como se eu fosse a culpada.

Fui recusada em todos os processos seletivos que participei dentro da empresa para mudar de setor. Como eu era muito nova e não sabia como proceder, acabou ficando por isso mesmo. A garota que recuou mudou para um setor melhor e não foi demitida.”

  • 9.

”Tive um colega de trabalho, casado e com filhos, que durante dois anos insinuou-se para mim. Me falava que eu era especial, que era linda demais, que gostaria de ter me conhecido antes de seu casamento e reclamava da esposa. Eu sempre me fiz de desentendida e tentei uma boa convivência com ele.

No terceiro ano, ele começou a passar a mão em mim, em todo o meu corpo, me abraçava constantemente e até chegou a me beijar à força. Eu era muito nova na época e, por nunca ter passado por uma situação similar, pensei que ele estava apaixonado por mim e demorou para que eu entendesse o que de fato havia ocorrido.

Quando o caso chegou ao conhecimento do meu chefe, fui demitida. Até onde sei, ele ainda trabalha no local e não sofreu nenhuma punição por seus atos.”

  • 10.

“Todos os dias, o meu ex-patrão fazia ‘brincadeirinhas’ de cunho sexual e ficava pedindo pra eu mostrar minhas tatuagens, especialmente as asas que tenho nas costas. Ele perguntava quando eu iria nadar em algum lugar pra ele poder ver a tal tatuagem.

Todos os meus colegas de trabalho sempre davam risada dessas ‘brincadeiras’, mas eu me sentia humilhada. Eu não suportava mais ir trabalhar com medo de encontrar com ele. Entrei em depressão. Pedi para ser mandada embora.”