‘Para a gente brilhar, alguém tem que pegar as crias na escola’

Apesar de tantos avanços e de tantas conquistas das mulheres, ainda vivemos numa sociedade com uma carga machista e retrógrada. Situações que deveriam ser comuns, aos olhos do conservadorismo no qual estamos inseridos, causam estranhamento e até hostilidade.

O que acontece, por exemplo, quando uma mulher decide levar a filha para o trabalho? E quando essa mulher pertence ao cenário político e o trabalho em questão envolve viagens por todo país, palanques e campanha eleitoral?Foi o que a atual deputada estadual do Rio Grande do Sul, Manuela D’Ávila, questionou em publicação recente no Facebook.

“Sexta eu estava em Vitória e fui questionada, por um jornalista, porque eu levo Laura comigo. Eu a levo porque sou sua mãe” é como começa o post de Manuela, que já tem mais de 13 mil curtidas e 2,5 mil compartilhamentos.

A deputada explicou, no depoimento, que ela e o marido dividem as tarefas em casa, incluindo os cuidados com a filha. Além de conciliar a maternidade com as demandas do trabalho, Manuela carrega a pequena Laura junto dela também em virtude da amamentação – “uau! A maluca segue a recomendação da OMS e ainda não desmamou”, brincou.

Manuela frequentemente leva a filha, Laura, aos compromissos da agenda política.
Manuela frequentemente leva a filha, Laura, aos compromissos da agenda política.

A publicação rende importantes reflexões, dentre elas, a maneira como a sociedade promove, ou melhor, não promove a inclusão das crianças. “Mas sabe o que é engraçado? Quando ela não está, as pessoas não percebem a ausência dela. Porque estão acostumadas com a ausência das crianças no espaço público”, observa.

A deputada falou ainda sobre a atribuição de tarefas dentro de casa, que na maioria das vezes sobrecarrega as mulheres, as mães, e as coloca numa situação de invisibilidade. “Porque enquanto um homem brilha construindo a sua carreira, tem uma mãe abrindo mão da sua dentro de casa, cuidando sozinha de tudo” – completa.

Manuela D’Ávila tem 14 anos de vida pública e é a pré-candidata para 2018 escolhida pelo PCdoB. A candidata vem do movimento estudantil e, em 2004, aos 23 anos, se tornou a vereadora mais jovem já eleita em Porto Alegre, sua cidade natal.

Em 2015 deu à luz a Laura e, desde então, vem defendendo o direito de amamentar publicamente. Depois de uma foto publicada pela Folha de São Paulo em que amamentava a filha, Manuela recebeu diversas críticas sob o argumento de que era uma “exposição desnecessária da mama de uma deputada”.

A deputada publicou uma foto nas redes sociais mostrando a noite em que dormiu com a filha, depois de tomar vacina. A foto foi parar na Folha de São Paulo e virou alvo de críticas.
A deputada publicou uma foto nas redes sociais mostrando a noite em que dormiu com a filha, depois de tomar vacina. A foto foi parar na Folha de São Paulo e virou alvo de críticas.

Confira a publicação completa de Manuela D’Ávila:

Sexta eu estava em Vitória e fui questionada, por um jornalista, porque eu levo Laura comigo. Eu a levo porque sou sua mãe.

A principal reflexão que fiz, quando decidi ser candidata, foi se conseguiria viver minha maternidade na forma que decidi viver. decidi que sim, criaria condições pra isso.

Nunca vi jornalista/comentarista perguntar quem tá cuidando dos filhos dos políticos que trabalham 7 dias por semana fazendo campanha. Eu e meu marido dividimos responsabilidades totalmente. Laura vai pra escola. Mas nós olhamos o conjunto de minhas agendas e das de Duca e vemos as eventuais idas dela. Sem contar que ela ainda é amamentada (uau! A maluca segue a recomendação da OMS e ainda não desmamou). Por exemplo, ela não ia pra Salvador. Encaixei vitória. Retardaria em um dia minha volta. Decidimos que ela iria.

Eu adoro quando ela vai ;) a gente ri e ela está conhecendo um Brasil que é incrível. E também adoro quando ela não vai. Posso jantar com calma, não preciso ir correndo pro quarto de hotel. Também é evidente que fico menos cansada. Quinta, por exemplo, ela decidiu comer tatu de nariz no palco, ao lado do Lula, que perguntou: “e ela come?!?”. Pois é. Também fez cocô num programa de TV. Acho que todos concordam que ninguém ama passar por isso.

Essa semana vou viajar todos os dias. Ela não vai nenhum. Vou fazer bate e volta pra dormir em casa. Laura Só viaja comigo no meio de abril, pra roteiros que vão durar mais dias. Mas sabe o que é engraçado? Quando ela não está, as pessoas não percebem a ausência dela. Porque estão acostumadas com a ausência das crianças no espaço público. Porque enquanto um homem brilha construindo a sua carreira, tem uma mãe abrindo mão da sua dentro de casa, cuidando sozinha de tudo. Como disse um desses homens num evento, em que eu estava esses dias, “na minha casa quem manda é uma mulher”. A gente não quer mandar em casa, baby. A gente quer dividir com vocês, pra sobrar tempo igual pra gente brilhar nas mesas de discussão por aí. Porque pra gente brilhar, alguém tem que pegar as crias na escola, baby.

Então, gente machista desse Brasil varonil: não me perguntem porque levo Laura. Perguntem quem cria os filhos dos candidatos de vocês, beleza? ???? .

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